quarta-feira, 3 de setembro de 2008

"PORTUGALIAE PHYSICA"


Em 1943, quando a Segunda Guerra Mundial se aproximava do fim na Europa, uma nova revista científica aparecia em Portugal em resultado dos esforços de um pequeno grupo de físicos que tentavam desenvolver a Física num clima bastante adverso (é bem sabido que Salazar não era um particular entusiasta da ciência). A sua ideia era a de disseminar a nível internacional trabalhos originais de física teórica, experimental e aplicada. A revista “Nature”, em 15 de Julho de 1944, dava as boas vindas ao novo jornal:

“At a time when the study of pure science has been necessarily replaced for so many by sterner pursuits, it is pleasant to realize that there are still countries where it is growing and need new mediums for publication”.

O título – “Portugaliae Physica” – vinha do latim e era certamente inspirado pelo de outra revista que tinha sido fundada, alguns anos atrás, por matemáticos portugueses – “Portugaliae Mathematica” - e que ainda hoje existe. Os fundadores da revista de Física foram Manuel Valadares (1904-1992), Aurélio Marques da Silva (1905-1965), dois físicos nucleares que tinham sido alunos de doutoramento de Madame Curie em Paris, Cyrillo Soares (1883-1950) e Manuel Telles Antunes (1905-1965), que trabalhavam no Laboratório de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (o jornal nasceu associado a essa Faculdade). A ciência portuguesa muito deve a esses homens que tentaram fortalecer uma disciplina que estava em decadência desde o período do Marquês de Pombal, que empreendeu em 1772 a Reforma da Universidade de Coimbra, chamando professores do estrangeiro, adquirindo equipamentos (o Gabinete de Física Experimental de Coimbra goza de justa fama mundial) e construindo edifícios. No entanto, em 1947, o regime de Salazar demitia compulsivamente Valadares, Marques da Silva e muitos outros cientistas. O primeiro viu-se obrigado a exilar-se em Paris, tendo trabalhado com Irène Joliot-Curie, filha da sua supervisora.

Durante a guerra alguns físicos estrangeiros encontraram refúgio em Portugal, nomeadamente o austríaco Guido Beck, especialista em relatividade e em teoria quântica, e o romeno-francês Alexandru Proca, o autor da equação quântica relativista para partículas de spin 1. No entanto, também eles tiveram que abandonar o país, Beck (de origem judaica) para a Argentina e Proca para Inglaterra, sem aqui deixarem grande herança científica. Mas ambos contribuíram com artigos para a “Portugaliae Physica”.

Esta revista portuguesa nunca publicou nenhum artigo em português, uma vez que o francês, no início, e o inglês, mais tarde, foram adoptados com o fim de alcançar a maior internacionalização possível. Foram publicados um total de 21 volumes, com o total de cerca de 5000 páginas, de um modo mais ou menos regular (na segunda metade dos anos 50 e primeira metade dos anos 60 houve uma grande interrupção). Físicos de fama mundial, como os prémios Nobel franceses Louis de Broglie e Pierre de Gennes, publicaram lá artigos de sua autoria. No princípio os conteúdos estavam mais focados na física nuclear e em macrofísica, mas o jornal hospedava todos os assuntos de Física, para o que abriu secções para os vários assuntos, sendo claro um interesse crescente em física da matéria condensada. Muitos físicos portugueses publicaram lá com o intuito de aumentarem a coesão e a força de uma comunidade que, sendo pequena de início, se foi alargando progressivamente e hoje está bem internacionalizada, como os fundadores da revista desejavam.

A Sociedade Portuguesa de Física foi criada em 1974, no ano da Revolução de Abril, como uma cisão natural da Sociedade Portuguesa de Química e Física, que existia desde 1911 (só Química) e que foi reformulada em 1926 (juntando a Física). A nova sociedade tomou conta da revista em 1979 e conseguiu que ela, sedeada agora na Universidade do Porto e sob a direcção de José Moreira de Araújo, passasse a ter uma edição bastante regular com um volume por ano. O título cessou a sua publicação em 1992 (a capa do último número está na figura de cima), porque não se justificava a competição com revistas internacionais congéneres. O título foi integrado em 1999 num consórcio de revistas de Física, provenientes de vários países europeus, que formaram “The European Physical Journal” (em 1987 a Sociedade Portuguesa de Física já se tinha juntado a outras sociedades congéneres para criar a “Europhysics Letters”, uma revista de comunicações curtas). A Sociedade continua a publicar um boletim informativo e de divulgação, a “Gazeta de Física”, que teve início em 1946.

4 comentários:

Armando Quintas disse...

Não fazia a minima ideia sobre esta revista, a história da ciencia é fascinante, salazar era 1 labrego e um palerma.
Agora com as novas tecnologias há muitas oportunidades de divulgar a ciencia, este blog é um dos exemplos desse fenómeno.
Que venham mais e mais revistas de ciencia.

joserui disse...

"é bem sabido que Salazar não era um particular entusiasta da ciência"
Por acaso não é bem sabido, pelo contrário, nunca tal tinha lido. Pode apontar-me para as fontes desta informação? Agradeço antecipadamente. -- JRF

Xico disse...

Salazar não era um entusiasta da ciência? Porquê semelhante afirmação? Desde quando o facto de governar em ditadura permite semelhante assunção. Por acaso Hitler não fez tudo para desenvolver a Física e outras ciências?
Só um labrego e um palerma poderiam chamar tais epítetos a um homem com a dimensão intelectual,cultural e a inteligência de Salazar.
A maior palermice é subestimar um adversário ou um inimigo. Salazar seria um crápula ou um facínora, o que quiserem. Palerma,labrego, estúpido e inculto não era certamente.

Anónimo disse...

Se quiser saber, informe-se: leia os discursos de alguns ministros no Congresso do Mundo Português de 1940. Então perceberá qual a posição do regime relativamente à ciência e poderá fazer comentários, digamos, mais informados.

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