sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

A cultura da subjectividade


Com a devida vénia, transcrevemos a crónica do médico J. L. Pio de Abreu, que saiu hoje no jornal "Destak", e que fala do desprezo português pela matemática. O "cartoon" não pertence à crónica, é só uma ilustração humorística.

Não sei se foi por causa do psicologês ou do feminismo. O certo é que, de alguns anos a esta parte, se cultiva no nosso país a excelência da opinião subjectiva. “Eu vejo assim, tu vês assado, tudo bem”. Melhor ainda: “Eu sinto que é assim, por isso é verdade”. Sejamos claros: em Portugal, o metro padrão foi definitivamente substituído pelo sentimento de cada um.

Até podia aceitar que um artista expandisse tais opiniões. Mas cheguei a vê-las escritas, preto no branco, por professores do CEJ, a nossa escola de magistrados. Foi então que deixei de me admirar com certas coisas. Uma das coisas que não me admira, é a nossa incapacidade para a Matemática. Deslumbrada com a sabedoria espontânea dos meninos, que sentem que um sinal de multiplicar devia significar delete, qual é a professora que vai disciplinar a cabeça deles?

Que seja assim, pois somos um país de poetas. Às vezes as pessoas até falam umas com as outras, mas mais parece que cada uma espera a oportunidade para recitar o seu poema sem ouvir o poema da outra. Não se entendem, mas pensam que sim. No fim, ganha o debate quem falou melhor. Viva a oratória, abaixo a lógica.

Por isso, ninguém entra em Portugal para um curso com Matemática. E que mal tem? Acaba-se com esta disciplina e com o problema. Assim, seremos todos sobredotados, que é o que diz a subjectividade das nossas mãezinhas e também a nossa. Acabaremos de vez com tudo o que o possa aferir objectivamente.

J. L. Pio Abreu

7 comentários:

Nuno disse...

Gostei deste post, pois sinto cada vez mais esta tendência. Quando vou verificar uma afirmação que fiz numa roda de amigos, por exemplo, estou a ser mesquinho. Quando pelo contrário concordamos que cada um tem a sua opinião, exactamente como aparece no texto, tudo fica bem. O problema é que nem sempre se discute o sexo dos anjos... e muitas respostas estão à distancia de 5 minutos de pesquisa.

Mas estou a escrever este comentário porque li um texto de Rubem Alves que encaixa perfeitamente como continuação (e expansão) do 3º parágrafo deste post.
Aí vai:
Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Continuação em http://www.rubemalves.com.br/escutatorio.htm

homoclinica disse...

Exactamente.
Por exemplo, quando surge alguma polémica política, levantada por uma notícia publicada num jornal, não se tenta saber se a notícia é verdadeira ou falsa, o que se tenta é transformar o caso num delito de opinião, condenar os jornalistas que deram a notícia, mudar o gabinete de comunicação, etc.
Quando um ministro é contestado, diz-se que ele não soube comunicar...
Ou seja, tudo se resume à retórica, ao gabinete de imagem e raramente ao real conteúdo dos factos.

homoclinica disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
albarquel disse...

Tudo depende do ponto de vista :)
Depois há um espanto enorme pela elevada taxa de desemprego nos licenciados...licenciados em quê? Cursos que já deram o que tinham a dar e que não pedem / têm matemática. Vale mais a pena tirar um curso profissional com saída do que uma licenciatura que À partida já se prevê que não há emprego nessa área.

Unknown disse...

Pois, é o achismo: eu acho, tu achas, ele ou ela acha, nós achamos, vós achais, eles ou elas acham.
E pronto, está tudo dito. Então e a lógica? Cala a boca, fascista! Dizem!

Musicologo disse...

E o que é a objectividade?...

Carlos Oliveira disse...

Não podia estar mais de acordo com o autor do post. Como dizia Felix Aurbach "A Matemática não é uma ciencia, mas a Ciencia". Não existe uma ciência mais objectiva que a matemática, e talvez seja por isso que a maioria das pessoas não gosta dela.
Não percebo como é que o país não dá mais apreço a uma área que é fulcral no desenvolvimento de qualquer outra. O mesmo acontece com a filosofia, área estruturante da sociedade.
Eu como aluno de um curso de matemática não percebo como é que a verdade, pode ser preterida por juízos de valores, pois a verdade sendo verdade tem sempre aplicação nas ciências exactas e sociais.

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