segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Gerontromotricidade, saúde e boa forma física

Mais um post convidado de Rui Baptista (na imagem, Fausto de Goethe):

“Envelhecer é passar da paixão à compaixão" (Albert Camus)

Na definição médica, a gerontologia é “o estudo dos fenómenos fisiológicos, psicológicos e sociais relacionado com o envelhecimento do ser humano”, aparecendo o exercício físico nela implicado com o nome de gerontomotricidade.

Desde já, uma advertência necessária. O exercício físico de que aqui me ocupo, nada tem a ver com um desumanizante desporto que transforma o atleta numa máquina de alto rendimento para alcançar o pódio, tendo atrás de si um perigoso arsenal químico em que os esteróides se tornam vedeta em nome de uma pátria, de uma ideologia ou apenas de um clube.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, são as seguintes as etapas da vida: meia idade, 45-64 anos, pessoa idosa, 65-79 anos, velhice, 80-90 anos, grande velhice, depois dos 90 anos. Bem avisado andou, salvo erro, Baruch Espinoza, ao escrever: “Velhos são os que têm mais quinze anos que eu!”

Seja como for, o processo do envelhecimento é uma fatalidade a que não podemos fugir, embora a tanto se tenha esforçado a humanidade. A alquimia (precursora da Química moderna) lutou em vão por encontrar a panaceia que curasse todas as doenças e oferecesse a imortalidade. O homem, embora vencido no seu desejo de imortalidade, não desiste de tentar retardar a velhice e, quando apanhado nas suas teias, preocupa-se em seguir os preceitos de uma higiene apropriada, a fim de lhes ser propiciada uma velhice menos sujeita a achaques constantes e debilitantes. E, com isso, surgiu a gerocomia.

Recuemos no tempo. A figura lendária de Fausto (1485-1540), charlatão, astrólogo e advinho de nacionalidade alemã, sobre a qual recai o opróbrio de ter feito um pacto com o diabo para que mantivesse a juventude em troca da alma, foi imortalizada pelo poeta alemão Goethe e transposta para o teatro lírico, através da famosa ópera do francês Gounot. Portugal não ficou indiferente a este tema pela tradução de Castilho do poema de Goethe. Mais de quatro séculos depois, Óscar Wilde no único romance por si publicado – “O retrato de Dorian Grey” – recria, por seu lado, a preocupação pela beleza e pela juventude ainda que com a entrega da alma. Em nosso tempo (década de 50?), correu nos cinemas portugueses um filme com o mesmo nome e idêntico enredo. Do efeito devastador da passagem do tempo, se queixou Ninon de Lenclos, escritora, famosa beldade e…cortesã: “Deus teve a infeliz ideia de infligir rugas às mulheres, podia ao menos ter-se lembrado de as ter colocado nas plantas dos pés!”

Nos dias de hoje, mais que nunca, este problema obceca a pessoa, materializando-se, por vezes, em angústias neuróticas, transpostas para distúrbios de natureza alimentar (v.g., anorexia e bulimia) na busca incessante da figura estilizada de manequins da moda. Este “statu quo” chegou a um exagero tal que começa em certos países a ser posto em causa este padrão estético que atenta contra a saúde física e psíquica destas profissionais.

Pela escravatura a um corpo jovem e belo, proliferam, em todas as esquinas, laboratórios que se encarregam de manufacturar uma panóplia de produtos de beleza para ambos os sexos (hidratantes da pele, cremes de dia e de noite anti-rugas, loções capilares, etc.), utilizados, hoje e em grande escala, pelos chamados metrossexuais que, sem admitirem que seja posta em causa a sua masculinidade, tem uma preocupação excessiva por padrões de beleza que anteriormente eram tidos como efeminados. Já para não falar das cirurgias plásticas, tudo isto leva uma multidão a frequentar as academias de ginástica e a ocupar horas em verdadeiros sanatórios de beleza, desde o salão de estética do bairro à clínica médica mais moderna e tecnicamente melhor apetrechada.

Deve ser dito que experiências endócrinas para retardar ou minorar os efeitos do envelhecimento foram realizadas já no século XIX., com injecções subcutâneas de glândulas sexuais de animais, cujos efeitos obtidos num paciente Brown-Séquard (1817-1894) descreve da seguinte forma: “Tenho setenta e dois anos, que os fiz já em Abril do ano passado . O meu vigor geral, que foi considerável, diminuiu notável e gradualmente durante os 10 ou últimos 12 anos. Hoje, e desde o segundo dia, e sobretudo o terceiro, depois da primeira injecção, tudo isso mudou e ganhei de novo pelo menos toda a força que possuía faz muitos anos”.

Em nossos dias, a osteoporose (com maior incidência no sexo feminino) ligada a factores hormonais, baixa de estrogénio nas mulheres e testosterona nos homens, é combatida eficazmente com exercícios com pesos, forma de exercitação, até há poucos decénios, com um historial de efeitos maléficos para a saúde – sistema cardiovascular, essencialmente - que estudos científicos posteriores se encarregaram de fazer a contraprova com a dificuldade reconhecida pelo próprio Einstein: “Época triste a nossa, em que é mais difícil quebrar um preconceito do que um átomo”.

No ano de 72, sem estar sequer à espera, fui surpreendido por um “best-seller” do Doutor Kenneth Cooper, intitulado “Aptidão física em qualquer idade”. O seu impacto foi tal que mereceu de um senador norte-americano o seguinte e caloroso encómio: [o livro] “irá contribuir mais para a saúde e longevidade dos americanos do que qualquer outra descoberta ou realização do ano, no campo da Medicina”. Em suas páginas, o autor punha nas ruas da amargura os exercícios com pesos pelo mal que dizia fazerem à saúde cardiovascular, com o argumento de “o levantamento de pesos não aumentar o fluxo sanguíneo”.

Ver para crer, como S. Tomé, tem sido a minha postura num tema tão polémico como os efeitos do exercício físico que, nos meus tempos de rapaz, chegou a ser incriminado, por si só, deixando à porta do tribunal as noitadas e uma alimentação deficiente, pelo aparecimento da tuberculose desalojando do banco dos réus o próprio bacilo de Koch! Daí o ter realizado dois trabalhos de investigação: o primeiro, sobre, os efeitos do exercícios com pesos na capacidade aeróbica (tema de uma minha conferência proferida na Sociedade de Estudos de Moçambique, em 2 de Julho de 1973); o segundo, meses mais tarde, sobre o efeito desse treinamento nos valores das pressões arteriais máxima, mínima e diferencial. Ambos os trabalhos foram publicados em livro da minha autoria (“Os pesos e halteres, a função cardiopulmonar e o doutor Cooper”, edição do autor, esgotada, Lourenço Marques, 1973).

Em 2001, por ter tido a oportunidade de entrar em contacto por e-mail com José Maria Santarém, doutor em Medicina pela Universidade de S, Paulo/Brasil, figura de proa no âmbito da Fisiologia do Exercício Físico, coordenador de cursos universitários de pós-graduação em Fisiologia do Exercício e Treinamento Resistido na Saúde, na Doença e no Envelhecimento e autor de livros e trabalhos da especialidade, enviei-lhe o meu livro.

Passados tempos, recebi a seguinte resposta: “Com muita alegria recebi o seu livro e a sua carta. Nossos ideais são comuns, e nossas dificuldades históricas também. Felizmente, hoje as evidências nos apoiam e somos ouvidos., mas é sempre emocionante lembrar os tempos em que éramos quase ignorados. Gostei muito do seu texto, que naturalmente deve ser lido com a lembrança da situação do conhecimento de então. O meu desejo é que um dia nos possamos encontrar e rir bastante com as dificuldades do passado. Um fraterno abraço”.

E porque tudo tem seus avessos (Sá de Miranda), trago aqui uma história que em nada abona a favor dos benefícios do exercício físico: Diz-se que Bernard Show, em boa forma física aos 90 anos, ao ser-lhe perguntado, por um jornalista, quais os exercícios físicos que praticava, respondeu: “Pegar às borlas dos caixões dos meus amigos que praticaram muito exercício físico!” Mas não é verdade que as excepções confirmam a regra?

6 comentários:

Authors disse...

Retrato de Dorian Gray, nao Grey...
Nao serah tb Bernard Shaw?

Cumprimentos:),

Marina

Anónimo disse...

Sinceramente,muito grato pela correcção. Tem toda a razão que demonstra o cuidado posto na leitura do meu texto, e que muito me desvanece.
Cordiais cumprimentos
Rui

Anónimo disse...

Por coincidência, a este meu post, “Gerontomotricidade, saúde e boa forma física”, do passado domingo (dia 20 do corrente mês), seguiu-se hoje, ou seja, dois dias depois, a publicação noticiosa de uma circular da Direcção-Geral de Saúde sobre esta precisa temática. Dada a pertinência de um assunto que respeita à Saúde Pública, estou a escrever um texto que julgo de interesse para clarificar até que ponto se tornam necessárias medidas de urgência e de carácter nacional para as quais uma simples circular de uma única direcção-geral mais não representam que uma simples antipirético para atenuar um estado febril de uma doença que merece cuidados de uma verdadeira terapia de choque. De há muito que o diagnóstico está feito. Os cuidados intensivos é que têm tardado em chegar!

Anónimo disse...

Não foi minha pretensão viajar na máquina do tempo para me situar, hoje, no dia de amanhã. A fazê-lo, teria viajado até ao século XXII ou, até, bem mais longe. Acontece apenas, e muito prosaicamente, que o mês de Agosto é muito propício a confusões desta natureza. Assim, corrijo a data de 20 de Agosto para 19 de Agosto.

Anónimo disse...

Tardiamente venho aqui perguntar ao Professor Rui Baptista se afinal o exercício físico é ou não bom?
Gostei muito do artigo. Parabéns
JCM

Anónimo disse...

Meu Caro JCM: Veja lá como são as coisas.Só hoje, passados quase 2 meses, tomei conhecimento do seu comentário. A minha resposta é esta. Claro que o exercício físico é bom se feito com conta peso e medida. Por exemplo, se um indivíduo em jovem fizer muito exercício físico, e depois parar, deverá ter muito cuidado na sua (re)adaptação ao exercício físico. Suponhamos que quando for cinquentão resolve, de supetão, praticar uma carga de esforço físico não adaptado à sua idade e à sua má forma. É mais que certo que pode ter como destino um enfarte ou um AVC ou até uma mote súbita. Claro que este comentário é feito um tanto "à vol d'oiseau", por não ter em conta muitos outros factores. O caso de Bernard Show é uma simples graça. Se morreu velho e viu morrer muitos dos seus amigos que faziam mito exercício físico isso se ficou a dever a questões genéticas: os indivíduos cujos progenitores morrem velhos têm muitas probalidades de chegarem a uma idade provecta. É quase um lugar-comum dizer-se que é mais importante acrescentar vida aos anos que anos à vida. Ou seja, chegar-se a velho cheio de achaques, por vezes amarrado a uma cama, não é, de certeza, um futuro risonho para ninguém. Espero que leia este meu comentário para que chegue a si os meus votos de um novo ano com muita saúde e exercício físico adaptado à sua idade e à sua forma física actual.
Cordiais cumprimentos.
Rui Baptista

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