sexta-feira, 1 de junho de 2007

COSMOLOGIA, DEUS E RESSURREIÇÃO




















"A Física do Cristianismo", que ainda não li, vem na sequência da "Física da Imortalidade" (Bizâncio, 2003). Este é um dos títulos mais curiosos publicados em Portugal. O subtítulo é ainda mais curioso “Cosmologia Moderna, Deus e a Ressurreição dos Mortos”...

O autor, Frank Tipler, é um conhecido físico-matemático de uma conhecida universidade norte-americana, a Tulane University, situada na elegante Avenida de Saint Charles na “uptown” de New Orleans, Louisiana, a bela cidade à beira do Mississipi. Tipler trabalha no Gibson Hall, a mansão onde foram rodadas algumas cenas iniciais do filme “Dossier Pelicano” (com Júlia Roberts) sendo a Relatividade Geral a sua especialidade.

É a primeira vez, desde o “cisma” ocorrido com Galileu por causa de Copérnico (precisamente uma questão cosmológica...), que a física e a teologia aparecem tão unidas. Quem ler o prefácio não fica com dúvidas sobre as intenções do autor:

“...a teologia é um ramo da física, ... os físicos podem inferir a existência de Deus através do cálculo e a probabilidade da ressurreição dos mortos para a vida eterna exactamente da mesma forma como os físicos calculam as propriedades do electrão...”

E logo a seguir, como que respondendo a alguém que tenha dúvidas, o autor acrescenta:

“Estou a falar muito seriamente, mas estou tão surpreso como o leitor. Quando iniciei a minha carreira como investigador, há cerca de 20 anos [o livro original é de 1994], era um ateu convicto. Nunca imaginei nos meus sonhos mais loucos, que um dia viria a escrever um livro com o objectivo de mostrar que as afirmações da teologia judaico-cristã são de facto verdadeiras, que elas são deduções directas das leis da física como as entendemos agora. Fui obrigado a chegar a estas conclusões pela lógica inexorável do meu ramo de especialidade, a física”.

A mensagem é, sem dúvida, surpreendente para quem gosta de separar águas entre ciência e religião. Aqui a religião é simplemente “engolida” pela ciência, em particular pela física, como se a ciência fosse tudo e tudo pudesse. Com franqueza, eu que sou físico acho o livro original, mas francamente exagerado. E fracassado... Não penso que depois das quase quinhentas páginas o autor consiga convencer quem não está já convencido da “ressurreição dos mortos”. Acresce que os argumentos nem sempre são fáceis de seguir, recorrendo Tipler, para além do texto principal, a um largo “Apêndice para Cientistas”, com mais de cem páginas recheadas de complicadas equações.

Mas de que ciência trata afinal o livro? Tipler usa a doutrina da relatividade geral, que conhece bem, para analisar um modelo cosmológico, que talvez tenha caído um pouco em desuso nos últimos tempos (as últimas observações de supernovas indicam que o universo está em expansão acelerada), no qual o universo se contrai para no final se resumir a um ponto, a que o autor chama “ponto ómega”, usando a última letra do alfabeto grego. Tipler parece motivado pelas teses teleológicas do padre Teilhard de Chardin. É nesse hipotético “ponto ómega” que todo mundo e toda a humanidade se virá a reunir – trata-se da tal “ressurreição dos mortos” que serve de isco ao leitor no subtítulo. Seria o “Big Bang” (o alfa) ao contrário!

Contudo, ao contrário do padre Chardin, para Tipler a existência do “ponto ómega” está associada a previsões da física, que se podem verificar experimentalmente. Tipler chega a prever um valor para a massa do bosão de Higgs, uma partícula que ainda não foi descoberta e que constitui o “Santo Graal” da moderna física das altas energias. No ano de publicação do livro, Tipler, compreendendo como era difícil publicar essa sua previsão numa revista científica, no interior de um artigo “normal”, aproveitou uma sua recensão de um livro de outro autor na consagrada revista “Nature” para a enunciar, ainda que sem prova. Escreveu: “Se Deus existe então a massa do quark top [uma partícula elementar] tem de ter a massa 185 mais ou menos 20 gigaelectrõesvolt e se Deus é uma pessoa então a massa do bosão de Higgs tem de ser 220 mais ou menos 20 gigaelectrões-volt”. Com afirmações destas não admira que o título da recensão – “Deus nas equações” - tenha sido censurado pelos editores da revista.

Como mostra este episódio da “book review”, Tipler tem, para além de uma grande bagagem científico-cultural, um enorme sentido de humor. Conheço-o pessoalmente e posso dizer que ele fala muito e fala sobre qualquer assunto. Conta bastantes histórias. Tem, por vezes, imensa graça... Tem graça, por exemplo, no livro quando dedica o livro aos avós da sua esposa, que é polaca, escrevendo “todos os três cidadãos de Torun, Polónia, local de nascimento de Copérnico, morreram esperando a Ressurreição Universal, esperança que, mostrarei neste livro, se cumprirá no final dos tempos.” Algumas histórias de Tipler são famosas no mundo académico da Física (conheci o autor quando estive em 1991 na minha primeira licença sabática na Universidade Tulane, ainda ele andava a escrever o livro e sou responsável pela difusão de algumas dessas anedotas). Uma das histórias que circulam, não sei se apócrifa, relata que numa “book review” de “Física da Imortalidade” apareceu uma gralha que transformou “Física da Imortalidade” em “Física da Imoralidade” (em inglês, passou de “Immortality” para “Immorality”, o que no fim de contas resulta só da queda de uma simples letra). E a piada não acaba aqui. Não é que Tipler, ao ver a gralha, comentou sibilino: “Ora aqui está um excelente título para o meu próximo livro”. Talvez estivesse a imaginar um subtítulo com a palavra “sexo”... Afinal acabou por escolher outro título.

O volume aqui em questão é o segundo livro do autor. O primeiro foi um erudito trabalho de colaboração com o astrónomo inglês (e divulgador científico) John Barrow, intitulado “The Anthropic Cosmological Principle” (não há edição em português). O princípio antrópico oferece uma explicação da “máquina do mundo” não pelas suas causas, como é normal em ciência, mas pelas suas finalidades. De acordo com o princípio antrópico, o mundo é como é porque, se não fosse assim, não estaríamos cá para o observar. O argumento é, para dizer o mínimo, passível de muitas e boas objecções.

Como todos os autores, Tipler gosta de vendas: deve ter ficado contente com esta edição em Portugal, tão contente como se mostrou quando a rede TV Globo lhe televisão lhe pediu uma entrevista para o “Fantástico”, um programa de grande audiência no Brasil. A edição chega-nos pelas mãos da editora Bizâncio, aparecendo integrada numa das poucas colecções de ciência que agora se publicam. “A Física da Imortalidade” é o título número 14 da colecção “A Máquina do Mundo”, que a Bizâncio confiou a José Félix Costa. Outros títulos que merecem leitores dessa colecção são “O Quarteto de Cambridge” de John Casti, “T. Rex e a Cratera da Destruição”, de Walter Alvarez e “Ciência ou Vodu”, de Robert Park (um grande livro contra a pseudo-ciência). A esta colecção, que está como as outras da Bizâncio sob a supervisão do editor Luís Alves, deseja-se o maior futuro. Se não chegar até ao “ponto ómega”, que chegue pelo menos o mais próximo possível dele. Isto no caso do “ponto ómega” existir, claro, o que é muito pouco provável...

- Frank Tipler, “A Física da Imortalidade. Cosmologia Moderna, Deus e a Ressurreição dos Mortos”, Bizâncio, 2003 (tradução de Carlos Sousa de Almeida).

20 comentários:

no name disse...

bom, por uma questão de seriedade, classificar frank tipler como um "conhecido autor" é, no mínimo, rídiculo. no SPIRES encontramos 13 artigos, dos quais 10 publicados, desde 1974! se quisermos ser correctos frank tipler terá que ser classificado, no máximo, como um cientista irrelevante. daí a facilidade para escrever falsidades científicas em troco de alguns dólares (e talvez fosse útil acrescentar que, se a universidade de tulane fosse séria, teriam retirado a tenure a frank tipler há muito tempo).

P Amorim disse...

Se procurar por FJ Tipler na Web of Science encontra 65 entradas

Alef disse...

Parece-me haver um «pequeno» problema de tradução. Mesmo que o livro The Physics of Christianity seja muito mau, não me parece que se possa traduzir por Física da Cristandade, mas sim por Física do Cristianismo (cfr. primeira linha do «post»).

«Cristandade» (Christendom) e «Cristianismo» (Christinianity) são conceitos bastante diferentes!

Uma «física da cristandade» seria outro tema. Não dêem mais ideias ao sr. Tipler! ;-)

Alef

Anónimo disse...

Ora aqui está uma boa anedota, sem dúvida não falta sentido de humor ao autor.
Os EUA são pródigos em artistas de circo. Fico à espera de um «The Physicist Delusion».

Carlos Fiolhais disse...

Tem razão o leitor quanto a criastandade e cristianimo. Vou emendar.
Carlos Fiolhais

Tao disse...

qualquer pessoa com o minimo de bagagem cultural poderá escrever sobre o que quiser sem que tenha de dever nada a ninguém. O que me preocupa não é o facto de um cientista escrever livros de ficção, é o esquecimento por parte deste da sua responsabilidade social. Estas pessoas perdem a total consciência que poderão influenciar pessoas com menos suporte intelectual para o lado negativo. Realmente escrever um livro com o objectivo de ganhar dinheiro fácil está na moda e vai continuar. no meio de tudo isto é pena perceber que certos cientistas se vendem por pouco!

Anónimo disse...

Eu acho que certas opinões negativas e/ou contrárias de certos "cientistas sérios" e outras pessoas "ïnteligentes" é sintoma de que a Humanidade quer acabar. Por isso: ganância, devastação ecológica e fome,etc; e o separatismo científico, movido por uma necessidade absurda de explicar tudo. Ou seja, levar tudo a termo, parece um desejo (recalcado em alguns) de afirmar que um "acabar" nos espera. Triste! Muito triste! Carlos Alberto

albert richerd carnier guedes disse...

Richard Dawkins também escreveu lorotas em seus livros e ninguém reclama. Prefiro Tipler, pelo menos ele escreveu belos livros didáticos de introdução a física. Dawkins só encheu o saco.

Anónimo disse...

Richard Dawkins não só não «encheu o saco» como nunca poderia escrever «belos livros didácticos de introdução à Física» pois é Zoologo. na realidade escreveu e sustentou belíssimos exemplos sobre « o Espectáculo da Vida».

Anónimo disse...

Juntem-se os supostos críticos e físicos e escrevam um livro que esclareça e destrua cada suposta idiotice pseudo-cientifica do Tripler.

Ass: Sérgio.

Anónimo disse...

TADEU

Dawkins escreveu em livro , " O maior espetáculo da terra- as evidencias da evolução" a seguinte afirmação : "" a seleção natural e um poderoso motor capaz de gerar o estatisticamente improvável"" minha pergunta e: como a seleção natural faz isso?? afirmara dogmaticamente que ela o faz sem dizer como o faz e ridículo. Ele afirma que fazendo "melhor ciência" não sera necessário recorrer ao sobrenatural para a explicação do design existente na natureza. O que e ""melhor ciência"".

Anónimo disse...

Como e dificil acreditar na existencia divina!vcs nao sao nada, assim como eu tb nao,ninguem e.um dia a mascara cai, pior que ainda se acham o maximo com seus miseros percentuais de "inteligencia"acham que contribuem para algo que importante!que decepçao.

Cherudik disse...

Carlos Alberto Batista, UFPE?

Cherudik disse...

Não li o livro ainda. No entanto, não posso e nem quero, limitar a abrangência do ramo das ciências naturais, em especial a física e matemática. As pessoas confundem religião com charlatão e "políticos religiosos"- sito político no sentido de nossos políticos- e dos outros também-,mas, muitas teorias físicas sofisticadas o suficiente beiram à religiosidade, se bem que aquelas, são construídas coerentemente; e se tentarmos construir esta do mesmo modo? Como cientista, não posso dizer que é impossível nem mesmo pouco provável.

Anónimo disse...

É impressionante a forma arrogante como alguns ateus se ofendem com o trabalho de um cientista, apenas porque este cientista não compactua com o corporativismo vigente de tantos pseudocientistas (sim, porque o verdadeiro cientista deve expandir sua visão, e não estreitá-la através do materialismo filosófico, como muito fazem) que aceitam qualquer argumento absurdo para insistir numa teoria altamente improvável de que a origem do universo tenha se dado por meio de um evento casual e irracional, de modo a gerar harmonia através de leis físicas perfeitas, como se apenas matéria e energia pudessem produzir tamanha complexidade até atingir um equilíbrio não aleatório. E ainda há que tenha a prepotência chamar Tipler de irrelevante. Francamente, o ateismo já virou uma religião fundamentalista totalmente cega e intolerante.

Anónimo disse...

Não sei quem é o autor do post sobre o livro de Tipler, mas, se identifica como Físico, e diz que Tipler é exagerado e o livro fracassado, inclusive insinua que tipler não saberia o que estava a afirmar , uma vez que estaria desatualizado quanto à expansão do universo, ainda tenta ridicularizar as afirmações de Tipler sobre a existência e a massa do bosón de higgs. Pois bem 1) o livro é sucesso de vendas, nesse aspecto, portanto não é fracassado 2)o Bóson de Higgs se encontra provado, como Tipler previu, faltando confirmar a massa 3) a expansão do universo (acelerada) se deve a relação Energia escura/Massa escura, assunto que ninguem, até o momento, esclareceu definitivamente.

Na realidade, Tipler é um dos mais proeminentes cientistas hoje em atuação nos EUA, alem disso ele se destaca exatamente na área educacional - muitas universidades adotam seus livros para o ensino de eletricidade, magnetismo, dinâmica, etc... ironicamente, é o que o escritor do Post acusa Tipler de desvirtuar

Concluindo: o livro de Tipler incomoda muito , não pela ausência de evidências ou de falhas na teoria proposta, mas sobretudo em razão do iluminismo anacrônico e cego dos cientistas "menores" e frustrados.

Ps: Se quer ler bobagem rentável leiam Dawkins: miragem pseudo científica, perspectiva alúcinógena de fé no improvável.

marcilio leão

Anónimo disse...

Como é que alguém que ainda não leu um livro o comenta e critica?

Edson Amaro de Souza disse...

Gente, eu vi em livros de arte fotos dos túmulos de Giovanni de'Medici, Lourenço de" Medici e do papa Júlio II. Lindas obras de Michelangelo. Mas como essa gente vai ressuscitar sem tem toneladas de mármore em cima de seus cadáveres? As estátuas são enormes!

Anónimo disse...

"De acordo com o princípio antrópico, o mundo é como é porque, se não fosse assim, não estaríamos cá para o observar. O argumento é, para dizer o mínimo, passível de muitas e boas objecções." Fim de citação.
A minha ideia é esta:
O "mundo" (Universo) é como é, e não como o vemos ou dizemos que é ... se não existíssemos, continuaria a ser como É. Só com a diferença de nós não estarmos para opinar! Com todo o devido respeito por quais sejam as demais opiniões e estudos neste sentido. Vou tentar exprimir por poucas palavras a minha tese, ou melhor o meu pensamento sobre este assunto.
Já chegamos à conclusão que tudo no universo é matéria energia e espaço (E=mc2). Se a matéria visível e a luz são a energia (3%), a dita matéria negra (97%) é o espaço-tempo. Será descabido pensar-se (indago?) que quando hipoteticamente toda a matéria visível e a luz (energia) se passarem pelos vários buracos negros para a matéria negra e o universo se encontrar totalmente escuro a dada altura ... Não será propício a que num qualquer ponto (talvez o Ω), talvez o mais fraco do universo inteiro, em dado momento se torne em Alfa e proporcione um novo big-bang ... e tudo recomece de novo?
Esta ideia para mim explica duas únicas questões: primeiro; isto sempre aconteceu e há-de sempre acontecer.Não há criação, mas sim a constante revelação. E onde está Deus nisto tudo? Para mim em nada disto TUDO. Para mim Deus é um termo que só exprime o inexplicável.
A segunda questão e "A" mais importante, é que então a gravidade não é explicada pela atracção entre os corpos entre si, mas sim pela compressão da matéria negra sobre toda a matéria e energia visível (clara) do universo.
Espero não melindrar alguém com o meu modesto conhecimento, mas esta ideia é matematicamente pura ... acho eu !

Obrigado
Pedro Santos, mestrando em Arte, Património e teoria do Restauro da área de História da Arte (FLUL) ... apaixonado pelo Cosmos (cosmologia e astro física)

Anónimo disse...

Que maravilhosa resposta! Ser ateu não é sinônimo de inteligência, às vezes - e quase sempre - é até sinal de muita burrice! Saudações do Brasil aos coirmãos portugueses

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