domingo, 17 de junho de 2007

As universidades privadas e o culto da mediocridade

Transcrevemos artigo de Rui Baptista (ex-docente das Universidades do Porto e de Coimbra) publicado no "Primeiro de Janeiro" em 14/Junho/2007:

“(…) o ensino superior não vale um caracol
Maria Filomena Mónica

Uma institucionalizada ignorância assentou arraiais no próprio ensino superior e os diversos responsáveis pela sua tutela nada têm feito para debelar um excesso de instituições que trouxe consigo a asfixia de um mercado de trabalho de licenciados em que a oferta excede largamente a procura.

Bem pelo contrário, o Estado assume agora o papel de curandeiro que ministra mezinhas para erradicar, ainda mais, as dificuldades que ainda possam subsistir na facilitada obtenção dos respectivos diplomas. O que não deixa de ter uma certa lógica: quando todos os portugueses forem licenciados, deixará de haver licenciados desempregados. Haverá, apenas, portugueses à boa vida!

Como gatas que geram crias em época de cio, estabeleceu-se a instabilidade no corpus social pela abertura desenfreada de cada vez mais universidades e escolas do ensino politécnico, com novos cursos a eito e sem jeito. Assim, segundo Vaz Lopes, da Ordem dos Engenheiros, “havia mais de 850 cursos superiores autorizados a funcionar, enquanto em países mais desenvolvidos, como a Holanda, o número total de cursos superiores não ultrapassa os 250 “(“Correio da Manhã”, 10 de Maio de 1996). E isto para uma população portuguesa de cerca de 10 milhões de habitantes contrastando com 15 milhões de holandeses. Agora, dados do dia primeiro de Junho deste ano apontam para a existência de 118 instituições de ensino superior privado!

A continuar este desregramento, numa competição entre estabelecimentos de ensino superior no recrutamento de alunos cada vez mais escassos, não tardará muito a que se assista àquilo que se passava na lisboeta Rua dos Fanqueiros, décadas atrás. Na tentativa de os aliciar com preços mais baixos, postados à porta dos respectivos estabelecimentos de venda de vestuário, os empregados interpelavam os clientes a caminho de lojas mais luxuosas do Chiado. No caso em apreço, e sem querer, de forma alguma generalizar (vade retro, Satana!), sob o olhar complacente de responsáveis políticos ou meros “mangas de alpaca” que não tiveram a coragem, ou o simples bom senso, de travar este statu quo, os diplomas do ensino superior privado são demasiados caros para licenciaturas que pouco, ou nada, valem! Deste modo, a parte atlântica da “Jangada de Pedra” ibérica afunda-se ao peso de graus académicos de duvidosa proveniência e do lastro do ego dos seus possuidores.

E esta matéria é tanto mais grave por atentar contra o desenvolvimento cultural, económico e social de uma União Europeia que, através de uma séria formação académica dos seus cidadãos, deve querer apostar forte no importante sector da Educação, em declarada competição como os Estados Unidos. Pertencendo a um continente berço cultural da humanidade, cabe a Portugal cumprir um paradigma educacional de exigência técnica e científica que o torne parceiro privilegiado de um mundo em constante desenvolvimento e em luta sem tréguas contra tudo que lhe possa entravar o progresso.

8 comentários:

Anónimo disse...

A história dos últimos vinte anos do nosso ensino superior está muito por fazer. Ao longo das décadas de 80 e 90 do século anterior, quando os "numerus clausus" das instituições públicas não chegavam para mais do que cerca de 60% da procura efectiva, o "Estado patrono" levantou o caldeirão social que se poderia formar e deu em fazer com que fossem para o ensino privado muitos dos filhos das "classes sociais" mais desprivilegiadas (o único estudo que foi confirmativo deste facto foi rapidamente encerrado nas gavetas ministeriais e universitárias e sindicais). E, asim, continuadamente abriam-se novas instituições politécnicas públicas em todo o país, autorizavam-se apenas com um mero registo todos os novos cursos nas Universidades e Institutos públicos, enviava-se-lhes o respectivo pacote financeiro negociado pelos próprios reitores, que impunham plafonds ao Ministério (que não tinha nem orientações estratégicas nem política de desenvolvimento do ensino superior, como nessa mesma altura se podia ver comparativamente à gestão do sistema que era realizada pelo governo do Reino Unido). Não existiu nenhuma instituição governamental ou universitária que estudasse as políticas de desenvolvimento do sistema de ensino superior, o que não é fruto do acaso, mas constituíu uma defesa corporativa do caos assim instalado. Aumentavam-se assim os "numerus clausus" públicos e privados - sendo que estes ficavam esmagadoramente com os candidatos sobrantes das candidaturas às instituições públicas - e dentro das nossas Universidades públicas geriam-se os interesses dos doutores dando-lhes cursos novos à escolha de ementa particular, decidindo isso em órgãos colectivos completamente desresponsabilizados dos custos para o país dessas decisões e do futuro dos respectivos diplomados. E no Ministério, quaisquer que fossem os Ministros, validavam-se essas decisões sempre, atribuindo-lhes os dinheiros de financiamento respectivos - os orçamentos eram tanto maiores quanto maiores fossem os "numerus clausus" e até as taxas de repetência dos alunos. E ao lado, nas esquinas de Lisboa e de todo o resto do país (mesmo em Freixo de Espada à Cinta) cresciam e multiplicavam-se as instituições privadas para acolherem os desprezados das públicas.
Portanto, houve dinheiro a rodos para o pagode, que agora mais de uma dezena de anos de avaliações inconsequentes vem confirmar à evidencia a tragédia desses muitos actos e actores. Claro que os órgãos de governação das Universidades, saídos do PREC, e tão colectivamente irresponsáveis, tinham nos Reitores e no seu Conselho Nacional um efectivíssimo lóbi e agente. Houve nestes anos de 80 e 90 taxas de crescimento orçamental nestas Universidades públicas de dois dígitos. Tudo sem planeamento estratégico, sem políticas públicas efectivas, ao sabor tão somente da "onda e da corrente". Os privados, onde muitos professores do público passaram a ir buscar mais algum sustento e deram nome, tinham que obviamente mimetizar o sistema, concorrendo por baixo quase sem investimentos, porque só tinham o sustento das respectivas receitas - que no caso das propinas eram imensamente superiores às que os melhores alunos do secundário, e filhos de famílias muitas vezes mais abonadas, pagavam nas públicas. E nota pormaior, é dessa altura o slogan por todos ouvido e por muitos enunciado do "Não pagamos, não pagamos". Pelos vistos estamos agora e no futuro a pagar...! Como bem constata a Professora Filomena Mónica, que há muito desistiu de ensinar neste mesmo sistema de ensino...!

Anónimo disse...

Por falta de tempo não faço o comentário que me apetecia. Mas deixo um soneto satírico que escrevi há uns tempos e que pode servir como aproximação a uma crítica.
Progresso

(A propósito de uma crónica de António Barreto,
que ironizou com o facto de faltar tudo à escola
de Medrões, menos a banda larga.)

Somos de pura raça lusitana,
De indómita firmeza e dócil trato,
Herdeiros de um incerto Viriato
Que nunca andou aquém do Guadiana.

Damos a lã, para comprarmos “lana”,
Vendemos a cortiça ao desbarato,
E até produz mais fogo o nosso mato
Do que oxigénio o arvoredo emana.

Mas se nos incomoda, acaso, a vida,
E se nos pesa muito qualquer carga,
Basta alijá-la logo na subida.

Já ninguém usa lança nem adarga,
Os burros são espécie protegida,
E a escola de Medrões tem banda larga.

Anónimo disse...

"AQUI, JÁ SE FAZEM CURSOS POR MEDIDA" Slogan fictício de uma comédia real em vários actos.

Da leitura deste artigo de Rui Batista resultou de imediato tê-lo associado a um outro que li por estes dias de Rodrigo Martins saído na Carta Capital de São Paulo sobre a proliferação, no Brasil, da venda de “livros a metro” em quiosques e livrarias.

O assunto desse artigo, não tendo nada de novo no seu âmago (quem não tem noção da venda de enciclopédias porta a porta para decorar a estante ou que xyz colecção combina melhor com a cor da carpete e até os romanos tiveram a sua moda de utilizar os papiros na parede para dar aos interiores o design mais apropriado), justifica-se porque a utilização como técnica de aumento do mercado livreiro e estratégia recorrente de designers de interior pode crer dizer algo.

Não tendo de imediato entendido a minha associação de ideias, dela resultou o slogan inicial.

De facto, pouco deverá faltar para em breve se poder ver tal dístico devidamente armado nos jardins de alguma instituição de ensino deste país quando até na rede poderá ficar mal confidenciarmos que somos de letras por formação, de ciências por parte da mãe e artes por parte do pai.

Possivelmente nem será descabido pessoas altas e elegantes serem direccionadas para ciências da comunicação e similares, bem apresentadas e com permanente e excessivo cuidado com o seu aspecto para medicina ou direito.

Certamente, gestão nunca ficará mal com uma gravatinha cor de malva e um tailleur carmim com sapatinho de verniz só pode ser relações internacionais e turismo.

"Roupa" unisexo não será vulgar nalgumas áreas, mas por exemplo, engenheiras civis de calça de ganga e tshirt poderá ser um nicho de mercado a explorar.

Pessoas de altura inferior à média terão mais sucesso em ciências de laboratório e, físicos quânticos só nanonizados.

Não tendo, logicamente, contabilizados os custos das opções anteriores não resisto a deixar-vos os preços dos tais livros a metro no Brasil: “metro burro” a parir de 120 € e o “metro inteligente” varia entre os 300 € e cerca de 600 €. Mais de dois metros dá direito a 10% de desconto.

Todos, de alguma forma, nos vamos rindo e a caravana passa!

Artur Figueiredo

Anónimo disse...

Claro que no comentário anterior, onde está "crer dizer algo" devia ter escrito "querer dizer algo".
Artur Figueiredo

Anónimo disse...

Gosto desta:

"A Complicacionamentilistificalização artístico-gramática académica, ou CAGA como doravante será referêncializificamentalizada, tem o mesmo propósito que a militar, que é o de criar uma sub-cultura linguística que visa elevar a importância da respectiva actividade, com a diferença de que as parvoíces que se dizem na tropa sempre fazem um pouco mais de sentido. A CAGA têm ainda o papel fundamental de ajudar a esconder a falta de talento artístico atrás de uma intelectualidade feita de palavras e frases que ninguém entende, mas que toda a gente concorda que é absolutamente genial, precisamente porque ninguém entende. Fiz-me entender? Não? Genial!"

http://krippart.blogspot.com/2007/04/complicacionamentilistificalizao.html

António Viriato disse...

A discussão é interessante, ainda que venha com algum atraso. O mal há muito havia sido percebido, mas ninguém ou muito poucos se atreviam a denunciá-lo, fiando-se, porventura, na função reguladora - invisível - do Mercado. Agora, que ele frutificou em pleno, reina a desorientação. Mas há responsáveis desta situação. Procuremo-los, não para os queimarmos em qualquer fogueira, mas para os responsabilizarmos etica e politicamente, em lugar de os aturarmos de novo com a sua rábula, fazendo o mal e a caramunha, como se costuma dizer.

Quem, afinal, responde pelo estrondoso fracasso do nosso Ensino : Primário, Secundário e, também, grandemente, o Universitário, não só o Particular, mas também o Público?

Quantos milhares de jovens já se perderam para uma vida profissional competente, com toda esta mascarada escolar que temos passivamente tolerado, em nome de uma suposta modernização curricular, pedagógica, etc., sempre mutante, mas sempre rebaixadora dos normais padrões de exigência, até tornar o Ensino um pesado sistema altamente ineficiente, incapacitante, mas, apesar disso, insuportavelmente oneroso ?

Para fabricar diplomados ignorantes, profissionalmente impreparados, poderíamos, certamente, ter concebido um Sistema muito menos oneroso. Quem é, afinal, responsável pelo presente descalabro educativo ? Que País resultará deste caldo cultural ?

Anónimo disse...

Não posso deixar de aprovar o comentário de António Viriato a este meu artigo, por sobre ele se ter debruçado com um olhar de louvável criticismo (numa sociedade lamentavelmente acrítica), quando escreve:"A discussão é interessante, ainda que venha com algum atraso. O mal há muito havia sido percebido, mas ninguém ou muito poucos se atreviam a denunciá-lo(...)".
No número desses "muito poucos" é da maior justiça elencar alguns nomes que se manifestaram contra os erros de lesa-majestade cometidos pelos diversos governos nas últimas décadas, no âmbito do Sistema Educativo.
Ainda que podendo cometer a injustiça de esquecer alguns nomes, aqui deixo um punhado deles (a ordem a que obedecem é arbitrária): Maria Filomena Mónica (autora do livro "Os filhos de Rousseau") e responsável por inúmeros artigos de jornal em que denuncia o caos intalado no ensino universitário; Maria do Carmo Vieira, na sua luta pública, e em prejuízo da própria saúde, contra barbaridades que atentam contra a Língua Pátria nos ensinos básico e secundário; Nuno Crato (autor do "best-seller", "O Eduquês"), uma voz incómoda contra o facilitismo que se instalou no ensino da Matemática e na crítica à pedagogia romântica; Carlos Fiolhais no seu livro "Curiosidade apaixonada", ao escrever, por exemplo, que [na Educação]"a confusão tem sido permanente, com a manifestação de ímpetos reformadores em geral mal pensados e mal executados"; Guilherme Valente em artigos de opinão e ao editar, através da "Gradiva", livros que denunciam o estado caótico da Educação; António Barreto na sua denúncia pública e incómoda de sociólogo contra o laxismo na criação de cursos de ensino superior em catadupa sem a necessária planificação e destrinça entre ensino universitário e ensino politécnico.
Simples soldado raso de uma batalha em que eles atingiram as estrelas do generalato, eu próprio não posso ser acusado de me ter "atrasado" na denúncia dos males que minavam (e continuam a minar) os caboucos do ensino nacional do básico ao universitário. Procurando em recortes de artigos meus, recuo a finais da década de 80 para transcrever parte de um deles, intitulado "Professores do ensino não superior":
"Por os sindicatos dos professores nem sempre precisarem convenientemente os princípios que defendem(não foi George Orwel que escreveu que 'a imprecisão da linguagem torna mais fácil ter pensamentos imprecisos?'), só agora me julgo capacitado para tomar posição num diferendo que vem opondo os sindicatos ao Governo, e vice-versa.
Disto resulta o confronto de forças muito desiguais: de um lado, a posição frágil, e por vezes até corajosa, de quem se apresenta isolado e tendo por unica companhia a sua razão; do outro, a barragem de fogo de equiparados a bacharéis com o impúdico apoio logístico de todos os sindicatos, abençoando o mesmo discurso" (extinta"Revista Sábado", 25.Nov.1989).
São contos largos que não se esgotam aqui, mas que talvez respondam parcialmente à pergunta de António Viriato: "Quem é, afinal, responsável pelo presente desacalabro educativo?"
Coube-lhe o mérito de (re)abrir uma discussão em que todos nós,governantes,professores, alunos, sindicatos, encarregados de educação, ou simples cidadãos, temos uma quota parte de responsabilidade, maior ou menor. "Alea jacta est!" Vamos a isso?
Rui Baptista

António Viriato disse...

Aqui, no campo educativo, não temos desculpa. Não há conjuntura, nacional ou internacional, que possa justificar tantos erros cometidos, durante tanto tempo. Reconheço a MFM o mérito de ter levantado a discussão, quando escreveu, nos anos 90, aquela série de artigos na Revista do Independente, salvo erro, depois reunidos em livro, que também comprei, para os voltar a ler. Depois dela, outros reforçaram os pontos de vista críticos, como MFBonifácio, Nuno Crato, etc. Mesmo assim, são poucos e o mal jamais foi debelado. A situação não só não melhora como regride, sobretudo nos níveis Primário e Secundário, onde, em grande parte, se ganham ou perdem as apostas no futuro. Que vai, então, o País fazer ? Pedirá ele ou não responsabilidades aos que têm dirigido este sector fundamental para o nosso futuro como Nação soberana, capaz e credível para subsistir como tal ? É urgente ouvir respostas !

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