terça-feira, 5 de junho de 2007
TOP TEN DE TESOUROS BIBLIOGRÁFICOS DE COIMBRA
Post convidado de António Eugénio Maia do Amaral, Director Adjunto da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (BGUC), sobre os livros mais preciosos da BGUC,que serviram de base ao evento "Entre Livros":
1. Antiga Bíblia hebraica, um verdadeiro tesouro mundial:
Manuscrito em pergaminho atribuível à escola de calígrafos de Lisboa, da segunda metade do século XV, raríssimo (conhecem-se pouco mais de 20 exemplares!) porque a maioria destas bíblias, na Península, foram confiscadas e queimadas pela Inquisição. Não tem colophon (isto é, o local onde se inscrevem os dados do local, autor e data) que nos informe da sua data e do nome do seu autor. Este exemplar tem as páginas iniciais inteiramente preenchidas com uma escrita micrográfica, de gosto mudéjar, a tinta castanha e ouro, semelhante a exemplares assinados pelo calígrafo Samuel Isaac de Medina, datados entre 1469 e 1490, e que se conservam na Palatina de Parma, em Cincinnati e em Oxford. Faltando-lhe embora algumas características decorativas típicas da escola lisboeta (tarjas e iluminuras cor malva), tem anotações e pertences que a relacionam com a família Abravanel, de Lisboa e Sevilha. É, por isso, conhecida como a Bíblia de Abravanel.
2 A Bíblia latina, dita das 48 linhas:
A primeira bíblia impressa a conter a data, o local e o nome dos impressores, foi dada à estampa em Mogúncia pelos sócios de Gutenberg, Johannes Fust e Petrus Schoeffer, em 1462. É também o primeiro livro na história da imprensa ocidental a conter uma marca de impressor, porque abaixo do colophon, Fust e Schoeffer acrescentaram uma imagem (xilogravura) dos seus escudos de armas. Impressa em caracteres góticos pequenos mas muito legíveis, com iniciais impressas a vermelho e a azul, é talvez a mais bela das primeiras quatro bíblias impressas graças ao invento dos tipos móveis. Embora mais recentes, os exemplares completos desta Bíblia são mais raros do que os da Bíblia de 42 linhas, de Gutenberg. Ultimamente, têm aparecido à venda em antiquários folhas soltas desta edição, a 4500 dólares cada. Em dois volumes, encadernados em marroquim vermelho, contém o texto de S. Jerónimo, anterior ao da Vulgata.
3 A Vita Christi de Ludolfo da Saxónia, “em lingoagem”:
É apenas um dos mais de 200 incunábulos (livros impressos até 1500) à guarda da Biblioteca Geral. Em quatro partes in-folio impressas em Lisboa, em 1495, por ordem e a expensas do rei D. João II e de D. Leonor, é considerado o segundo incunábulo português, depois do Tratado de Confissom (Chaves, 1489), e o primeiro livro ilustrado impresso em Portugal. O tipógrafo alemão que se identifica como Valentim de Morávia, e que se associou a Nicolao de Saxonia para empreender esta edição, veio a ser conhecido como Valentim Fernandes e exerceu a sua indústria em Portugal, até 1516, servindo a rainha D. Leonor, de quem foi escudeiro. Curiosamente, a divisa da Rainha, o camaroeiro, ficou impressa de forma invertida. Para dar a obra à estampa, Fernandes teve de comprar papel no estrangeiro e usar tipos móveis do mestre alemão Pedro Brun, activo em Sevilha, além da grande gravura do Calvário, atribuída ao mestre E. S., um dos mais importantes gravadores alemães do século XV.
4. As Tábuas dos Roteiros de D. João de Castro:
É o único manuscrito conhecido que inclui os desenhos que ilustravam os roteiros “de Goa a Diu” (1538-1539) e o “Roteiro do Mar Roxo” (1540) do conhecido vice-rei da Índia. É verdade que se conhecem outras cópias (os originais consideram-se perdidos) das tábuas destes roteiros, mas que não reúnem a totalidade das ilustrações: um da costa da Índia, na Biblioteca Nacional (COD. 8033), outro da costa do Mar Vermelho, na British Library. Manuscrito em papel, de grandes dimensões, com desenhos aguarelados dos portos, baixios e aguadas, cheios de apontamentos pitorescos, seja de habitantes, seja de animais exóticos. Cortesão e Albuquerque, nas Obras Completas de D. João de Castro, dizem que estas obras tradicionalmente apontadas como roteiros, “seriam mais apropriadamente designadas por diários”, dada a grande soma de pormenores, de observações hidrográficas, náuticas e geográficas que encerram. Este manuscrito foi facsimilado, com estudo do matemático e historiador Luís de Albuquerque, em versões portuguesa e inglesa, pelas Edições INAPA, em 1988.
5. Códices chamados de Dom Flamínio:
Da mão de Frei Flamínio de Jesus Maria, no século D. Flamínio de Sousa “da família dos Pantoja”, são um conjunto de imensa documentação memorialista, de uso pessoal, à mistura com papéis genealógicos e notícias da Carreira da Índia. Os 3500 fólios destes códices devem considerar-se uma das fontes mais importantes e fidedignas para o conhecimento dos contingentes das Monções quinhentistas: neles se encontra, por exemplo, notícia do embarque de Luís Vaz de Camões. Apesar de terem sido compulsados pontualmente pelos investigadores, constituem uma enorme massa documental inédita e, porventura, susceptível de proporcionar ainda importantes descobertas, desde que devidamente estudada, no seu conjunto. Os volumes foram comprados em duas ocasiões, em anos recentes, acreditando-se que a Biblioteca Geral possui agora a totalidade dos Códices ditos de Dom Flamínio. Na Biblioteca Nacional, conserva-se uma cópia manuscrita do seu Nobiliário.
6. Primeira edição de “Os Lusíadas”:
Conhecem-se apenas 30 exemplares, espalhados por oito países, das várias tiragens e estados da impressão de 1572 desta obra maior de Luís de Camões. A chamada “edição Ee” ou A, com o pelicano da portada virado à esquerda do leitor, ostenta anotações marginais, algumas canceladas ou censuradas, e pertences manuscritos muito delidos e já insusceptíveis de identificação (“Snor Fr(ancisc)o” na portada, “He de d(uar)te da costa / 1580” no verso da portada, “Manoel [Bra?]nco” na folha 186vº, etc.), tendo sido seu último possuidor Victor de Ávila Pérez, de quem conserva o respectivo ex-libris gravado. Foi comprado pelo Estado e oferecido à Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, em 1942, mas está infelizmente muito aparado, com manchas de manuseio, de tinta e de humidade. Tem uma pequena falta de papel (antiga, completada à mão, na margem) na f. 49, e encadernação moderna de Mestre José David Salema Caeiro. Presentemente, necessita de pequenos restauros na portada e encadernação.
7. Livros de coro do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra:
Estes trinta e dois volumes de 82 x 62 cm, que o historiador Alexandre Herculano não logrou transportar para o Porto, talvez devido exactamente ao seu tamanho e peso monumentais, constituem o maior conjunto homogéneo de livros de coro (ou de facistol) em bibliotecas portuguesas. Em pergaminho, produzidos à mão entre 1740 e 1764 (não havia prensas que pudessem produzir fólios impressos destas dimensões), compilam todo o Ordinário do mosteiro, com as suas celebrações próprias e toda a música sacra que tão justa fama lhe granjeou. Sete volumes, provenientes da mesma colecção e que hoje se encontram no Museu Nacional de Machado de Castro, poderão vir a ser depositados da Biblioteca Geral, para mais fácil e eficaz divulgação junto do público leitor de música e, em especial, dos musicólogos.
8. Conjunto de dicionários, vocabulários e gramáticas de tupi-português do século XVIII:
O maior conjunto de originais jesuítas desse género conservado em bibliotecas públicas, portuguesas ou brasileiras. Dois deles (Ms. 81 e Ms. 69) são da mesma mão, facto evidente num ornamento caligráfico tão pessoal que funciona como uma verdadeira “assinatura” do anónimo autor. Os Ms. 94 (“Diccionário da Língua Brazilica…”) e 148 (miscelânea que inclui “Significados de alguns termos e frases…”) completam este conjunto, a que se poderia acrescentar também o Ms. 1089 com cópia da curiosa “Doutrina christan…” do Padre João Filipe Bettendorff. Todos eles pertencem ao chamado “fundo antigo”, cujas circunstâncias de entrada na Biblioteca são desconhecidas. Os três géneros de obras produzidas sobre a “língua geral”, como lembra Cândida Barros, têm diferentes valores linguísticos: os catecismos mais controlados pela hierarquia, os vocabulários mais livremente produzidos e as gramáticas exigindo muito bons conhecimentos de latim.
9. Conjunto dos manuscritos e livros de Almeida Garrett:
Este tesouro é constituído pelos manuscritos e livros “do uso de” Almeida Garrett, 216 documentos ou conjuntos, incorporados na Biblioteca Geral em 1948. No que é, infelizmente, um quadro muito corrente neste país, o espólio do grande escritor, justamente considerado o pai do moderno teatro português, encontra-se hoje dividido pela Biblioteca Geral, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e pela Biblioteca Nacional. Recentemente, as melhores peças do espólio da Biblioteca Geral foram cedidas para exposição conjunta com a Biblioteca Nacional, em Lisboa e, pelo menos digitalmente, ficaram a partir daí reunidas num grande website comemorativo. Desde que foi integrado, o espólio tem sido enriquecido com novas incorporações de autógrafos, com notícias do Centenário e com cartas, tanto do autor como de vários familiares seus. Mais do que um espólio, deve, por isso, considerar-se já como uma grande colecção documental de temática garrettiana.
10 Álbuns dos “Monumentos Architectónicos de Coimbra”:
Finalmente, e porque a imagem tem sido pouco valorizada nas bibliotecas, incluímos nesta lista os dois álbuns de fotografias de Coimbra, realizados em 1862 pelo fotógrafo Charles Thurston Thompson (1816-1868), do Museu de South Kensington (actual Victoria and Albert), em Londres. Num grande empreendimento do imperialismo cultural britânico do século XIX, aquele Museu financiou várias excursões a Portugal e Espanha, com o objectivo de fixar em fotografia os grandes monumentos arquitectónicos da Península. Dessas excursões resultaram estes dois álbuns que foram oferecidos ao então Reitor da Universidade e que hoje se encontram nos fundos da Biblioteca Geral. Entre as várias fotografias do Paço das Escolas existentes nestes álbuns, existe uma rara fotografia do rico interior da Biblioteca Joanina, tirada numa época em que a fotografia de interiores ainda não estava ao alcance da generalidade dos fotógrafos.
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