terça-feira, 26 de abril de 2011

A Corrupção, a Campanha Eleitoral para Assembleia da República e o FMI


“O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente” (Mário Quintana, 1906-1994).

Em vésperas de uma nova campanha eleitoral para a Assembleia da República na qual, pese embora a promessa dos partidos políticos em se manterem moderados na agressividade e parcos nas despesas, poderá haver acusações de corrupção que podem afectar a dignidade dos políticos e do próprio país, fazendo perder a fé na Democracia porque, segundo Aldous Huxley, “nos estados autocraticamente organizados, o espólio do governo é compartilhado entre poucos: nos estados democráticos há muito mais pretendentes, que só podem ser satisfeitos com uma quantidade muito maior de espólio que seria necessário para satisfazer os poucos aristocratas; a experiência demonstrou que o governo democrático é geralmente muito mais dispendioso do que o governo por poucos".

Pela actualidade que lhe reconheço, sem querer, de forma alguma, generalizar o que deve ser particularizado para não ferir, com infundadas suspeitas, a honra de simples e honrados cidadãos que possam militar desinteressadamente na política, transcrevo um meu artigo de opinião de há alguns meses, Portugal e a corrupção. Escrevi então:

“Era um vez um pequeno país, na feliz imagem de Afonso Lopes Vieira, “onde a terra acaba e o mar começa”, obrigado, pelo interesse e cobiça da União Soviética, da China Popular e dos próprios Estados Unidos, então sob a presidência de J. F. Kennedy, para que Angola e Moçambique deixassem de ser territórios sob administração portuguesa. Apesar de grande produtor de café, S. Tomé e Príncipe era mantido à margem da ganância dessas grandes potências por elas ainda não terem conhecimento da descoberta de poços de “ouro negro” naquelas paradisíacas paragens de roças vicejantes.

A conivência com esta campanha morava nos diversos areópagos internacionais que, sob o manto hipócrita de nobres intenções humanitárias, atiçaram sobre Portugal as mandíbulas do opróbrio de ser uma nação colonial quando os verdadeiros motivos das grandes potências mundiais tinham por finalidade o pior dos colonialismos: o neo-colonialismo! Estavam lançadas, assim, em terreno fértil as sementes contra a Guerra do Ultramar que implicava uma hemorragia do erário público em três frentes de combate: Angola Moçambique e Guiné Todavia, nos derradeiros anos que antecederam o 25 de Abril, “nunca outro período da nossa história assistiu a um tão rápido desenvolvimento económico e a uma tão grande aproximação da nossa economia às mais desenvolvidas” (Luciano Amaral, Atlântico, ano I, n.º 6, Set. 2005, p.9).

Hoje, assiste-se, apesar da torrente caudalosa dos fundos comunitários (até quando?), a este triste panorama: o salário mínimo nacional é inferior ao da Grécia; os ordenados em Espanha são maiores e o custo de vida menor; os automóveis são 15% mais caros do que a média europeia; a bolsa dos portugueses é onerada com impostos mais elevados que os da grande maioria dos paises europeus; e, last but not least, alguns países do Leste Europeu começam a aproximar-se – ou mesmo a superiorizarem-se – ao desenvolvimento destas paragens lusitanas.

Não fossem os relatórios nada abonatórios para o nosso país, que nos chegam em catadupa do estrangeiro, e são publicados nos media (bendita liberdade de imprensa!), quase poderíamos ser levados a pensar que o bem-estar da Pátria e a felicidade dos portugueses residem, tão-só, em encontrar respostas para perguntas que lhe angustiam a alma, como estas: será que a condição de octogenário de Mário Soares deve ser ou não impeditiva da sua corrida ao Palácio da Ajuda? Ou, mais prosaicamente, qual o clube da Superliga de Futebol se sagrará campeão nacional da época 2005/2006?

Numa nada “ditosa Pátria” - com uma tantas personagens com responsabilidades social, política e económica que, em momentos de grave crise nacional, se preocupam com questões de “lana caprina” ocupando os tempos de ócio, sob o derradeiro sol de Agosto, com intrigas de soalheiro e desavenças de comadres - foi sacudida a opinião pública, pelo menos aquela mais atenta e responsável, pelo artigo de Daniel Kaufmann que relata, na edição de Setembro deste ano da revista “Finance & Development”, editada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que “Portugal podia estar ao nível da Finlândia se melhorasse a sua posição no ranking do controlo da corrupção”.

Em fim de férias, que provocam um certo estado depressivo nas pessoas, grande “maldade” a deste articulista na escolha da altura para a denúncia de um statu quo em que Portugal deixou de estar “orgulhosamente só” para passar a estar vergonhosamente acompanhado pela corrupção, como que a modos, como diria Pessoa, de um “cadáver adiado que procria” "(Público, 26.Set.2005).

Numa altura em que a salvação da nossa economia, mercê das asneiras que se fizeram com três sucessivos Programas de Estabilidade e Crescimento, em que as tentativas de cura se prenunciaram como simples e cada vez mais dolorosas panaceias em que havia o perigo de o doente não morrer da doença mas da cura, é encarada, agora, como salvação in extremis a chegada e permanência do FMI que fará recair, sem dó nem piedade, sobre os justos as asneiras dos pecadores de um desgoverno que conduziu Portugal à triste e penosa situação actual em que se não divisa a luz ao fundo do túnel. Um túnel deveras perigoso porque, segundo Edmund Burke, “no meio de um povo geralmente corrupto a liberdade não pode durar muito”!

Nota: Este post, como o nome indica, reporta-se à próxima campanha eleitoral para a Assembleia da República e à estadia do FMI em Portugal, sendo uma adaptação actualizada de um outro que publiquei neste blogue, intitulado “A Corrupção e a Campanha Eleitoral para a Presidência da República” (07/01/2011).

6 comentários:

Cláudia disse...

Com relação "as sementes de guerra ultramar" sem querer um tom abusivo, ou provocar controvérsias, mas apenas, orientando que anterior a Kennedy, lá nos idos de 1941, iniciara o episódio, que então, Cândido Portinari fora convidado a pintar quatro painéis na Biblioteca do Congresso em Washington e ao concluir teve que, pois a um pedido gentil, descaracterizar o painel do Descobrimento do Brasil, sendo que os americanos vetaram a presença das caravelas portuguesas nesta obra.
Aos brasileiros fora motivo de tristeza pela atitude de Portinari em ceder aos "caprichos" Yankes. Motivo que ainda hoje, repercuti o assunto com indignação e dúvidas...

joão boaventura disse...

Rui Barbosa, senador da República do Brasil, orador brilhante, escreveu em 1914, o retrato do Brasil que, como irmão e herdeiro de Portugal, também a este se aplica.

E o título não podia ser mais sugestivo Sinto vergonha de mim.

A três anos do Centenário deste escrito, pergunto: o que mudou ?

Rui Baptista disse...

Prezada Cláudia: Obrigado pelo episódio que relata e remonta a 1941. É natural que tenha causado engulhos aos Yankes a história de um povo que atravessou mares em pequenas cascas de noz para dar ao Mundo novos mundos.

Assim como lhes seria difícil ver uma "Nação valente e imortal", com oito séculos de História, mantendo um Império que se estendia pelos cinco continentes, civilizando os seus nativos sem os ter exterminado como eles o fizeram relativamente aos índios, deixando pequenas reservas para servirem de figurantes dos seus filmes de cowboys.

Rui Baptista disse...

Caro João: De Rui Barbosa. retenho este pensamento:

"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto".

Cláudia S. Tomazi disse...

Acertadamente, o caro Rui Baptista, trás a tônica da questão “nação valente e imortal” e ao que implica neste ideal como apelo, os Yankes tentam de duas maneiras imitar, no primeiro momento através do feito aos olhos do mundo, em disputar como modelo para corrida espacial, e por segundo sutilmente, pacificando guerras a exemplo da educação Jesuíta na América, porém, sem o referencial maior. Que por diferencial, à serem todos empreendimentos de heroíco português, ao que concorrem outras nações também, deste citado oito séculos de História, reservados na Cristandade de quem por fé, elevou nas valorosas e evoluídas Ordens Humanístas de Portugal, por Virtude, Honra e Honestidade, justiça em causas e para o acertado conhecimento, pois não reservo minha afirmação de serem os mais inteligentes os católicos, estes que de boa vontade e firmeza, estão para retidão do saber como para perfeição de um arco capaz, quando o mundo sempre vela silenciosos embates.

Anónimo disse...

Tem cada povo decerto
modos de ser diferentes:
nem de longe nem de perto,
iguais são todas as gentes!

O português, por seu lado,
um defeito tem tremendo:
no mesmo calhau rolado,
sem que aprenda, estar batendo!

Por sua vez os estados
da nação americana
todos eles têm passados
de matriz euro-germana!

Não devemos pois fazer
entre eles comparações:
cada qual tem que viver
com as suas tradições!

Ninguém deve ter vergonha
da respectiva nação,
pois se acaso tem peçonha
será nossa uma porção!

JCN

NOVA ATLÂNTIDA

 A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à info...