quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Como pode ter a certeza disso? - 2

Uma questão que, desde há cerca de três quartos de século, tem preocupado os investigadores que se interessam pela formação pedagógica dos professores e pela eficácia docente é se aquela tem ou não impacto nesta e, a ter, que impacto é esse.

Perguntam, em concreto, se os professores transpõem as competências adquiridas durante a formação, inicial ou contínua, para o seu quotidiano de ensino de modo que isso se repercuta nas aprendizagens.

Shulman num artigo publicado em 1986, em que analisou o assunto, lembrou que os estudos realizados no quadro teórico designado por behaviorista – que teve grande impacto na pedagogia entre os anos de 1920/30 e os anos de 1960/70 – tendiam inicialmente a confirmar que:
- era possível identificar as competências mais adequadas para ensinar, bem como transpô-las para programas de formação;
- os professores, quando devidamente instruídos, eram capazes de as adquirir;
- os professores eram capazes de recorrer a elas quando passavam para o contexto de aula;
- se as condições anteriores se verificassem, ocorreriam as mudanças pretendidas nos resultados académicos dos alunos.

Tudo levava a crer que tais conclusões eram dignas de crédito, pois tinham sido apuradas com turmas concretas e aplicados testes de avaliação estandardizados. No entanto, a acumulação de dados empíricos levou a duvidar da linearidade acima apresentada.

Na verdade, quando se analisava, de modo isolado, cada estudo que procurava “descobrir” a eficácia docente, percebia-se a supremacia de certas competências docentes na implementação de certas aprendizagens, mas quando se analisavam, em conjunto, os inúmeros estudos disponíveis, percebia-se que nem todos apontavam para as mesmas competências, e que estas perfaziam um número incomportável para poderem ser objecto de formação.

Por outro lado, a análise da transposição das competências contempladas num determinado programa de formação para o quotidiano de ensino levava a concluir que os professores submetidos a treino, que muito provavelmente as tinham adquirido e consolidado, nem sempre as manifestavam com mais frequência do que os seus colegas dos grupos de controlo, que não tinham passado pelos programas de formação.

Também se verificou, através de estudos longitudinais que acompanharam os mesmos professores durante vários anos lectivos, que, se nalgumas circunstâncias, competências referenciadas como eficazes conduziam a aprendizagens desejáveis, noutras circunstâncias tal já não acontecia.

Estamos perante impasses que (ainda) não foram resolvidos e nos quais não se tem investido de modo particular, entre outras razões porque após os anos de 1970/80 as opções teóricas prevalecentes na pedagogia foram outras que não essa de tipo correlacional. Berliner, um autor de referência na área, reconhece que, apesar de o estudo da eficácia docente não se ter extinto, tem sido negligenciado, advertindo para a necessidade de se intensificar a procura daquilo que funciona, no desempenho do professor, para que os alunos aprendam e do modo como se devem formar os professores nesse sentido. Na sua expressão, é preciso investir no "whats works". Para tanto, propõe uma abordagem ecléctica, que, não excluindo a abordagem behaviorista, integre outras, como a cognitivista, de modo a perceber melhor o que é o trabalho do professor.

Este é, muito abrevidamente, o estado da investigação internacional sobre o assunto. Vamos ao caso do nosso país.

Neste particular, pode-se afirmar que existe um grande desconhecimento acerca das relações formação-ensino-aprendizagem. Baseio-me, sobretudo, num artigo ainda recente de revisão de estudos empíricos realizado por Estrela, Eliseu & Amaral (2007) onde se destaca que, quanto à formação, os estudos analisados se revelam “pouco elucidativos das repercussões nas práticas dos professores”, fazendo notar a necessidade de se criarem “dispositivos que acompanhem os professores nas suas práticas (durante e após a formação)”.

Teço todas estas considerações a propósito de uma comunicação da ministra da Educação que abriu um congresso sobre os Planos de Acção da Matemática (conjunto de medidas da actual legislatura para promover o sucesso nesta área disciplinar). Nele se destaca que mais de 17 mil professores tiveram acesso a um programa de formação contínua, dando a entender que essa formação foi, em grande medida, responsável pela “subida das notas positivas nos exames e provas de aferição”. Ver aqui e aqui.

Ora, como afirmei em texto anterior, estas são afirmações que, sob o ponto de vista científico, não se podem fazer. Poderão ser do domínio da política, mas não são do domínio da ciência.

Referências bibliográficas:
- Berliner (1990). The place of process-product research in developing the agenda for research on teacher thinking. Educational Psychologist, 24 (4), 325-344.
- Shulman, L. S. (1986). Paradigms and research in the study of teaching: a contemporary perspective. M. C. Wittrock (Ed.). Handbook of research on teaching. New York: Macmillan Publishing Company, 3-36.
- Estrela, A.; Eliseu, M. P. & Amaral, A. (2007). Formação contínua de professores em Portugal. O estado da investigação. In Albano Estrela (org.), Investigação em Educação. Teorias e práticas (1960-2005). Lisboa: Educa & Ui&dCE, 309-319
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