terça-feira, 1 de setembro de 2009

Como pode ter a certeza disso?

Não querendo, evidentemente, afirmar que o modo científico de pensar é o único modo de pensar, nem, sequer, que é o mais importante modo de pensar (a filosofia, a arte, o senso-comum, a religião… são outros modos de pensar a que não se pode retirar o valor), defendem alguns que a sociedade, em geral, e certos sectores, em particular, ganhariam em discernimento e desenvolvimento se a ele recorressem para se analisarem certos fenómenos e, a partir daí, tomarem decisões.

Karl Popper sublinhou esta ideia, dando particular destaque à transposição do modo de pensar científico para o campo político, que é o que interessa neste texto, por se reportar a recentes declarações dum secretário de estado da educação a um jornal, aqui lembradas por Carlos Fiolhais.

Afirmou esse secretário de estado: "Temos essa espuma dentro das escolas, provavelmente aqui à porta do ministério e nos blogues, mas nas salas de aula não foi assim. Ali as medidas de política tomadas resultaram. (...) Dificilmente me lembro de um período de que as escolas se possam orgulhar tanto em relação ao resultado do seu trabalho".

Ora, esta é uma declaração nitidamente acientífica, entre muitas outras de tal teor provenientes desta equipa ministerial e doutras que passaram e que se seguirão. Corresponde ao tipo de declarações ao qual nos habituámos e, nessa medida, ouvimo-las sem lhes dar demasiada importância. E, se damos é para concordar ou discordar a partir da nossa perspectiva, da nossa opinião, apresentada sempre, como não poderia deixar de ser, de modo altivo.

Desta maneira, não haverá muitas pessoas que perguntem: “Em que dados se apoia o senhor secretário de estado, para afirmar que sabe, com certeza, o que acontece nas salas de aula e que as medidas de política tomadas, efectivamente, resultaram? E, já agora, a que resultados se refere, em concreto?"

São perguntas, que como sociedade, deveríamos fazer, exigindo, correlativamente, respostas fidedignas e consistentes. Não procedendo assim, somos, como está bem de ver, co-responsáveis pela demagogia de que nos queixamos (cada vez mais) em privado.

Ora, sendo o secretário de estado em questão: (1) licenciado em Biologia; (2) Master of Education pela Universidade de Boston (3) Mestre em Ensino das Ciências por equiparação pela Universidade de Lisboa; (4) professor; (5) responsável na área da formação de professores… poder-se-ia pensar que recorre a alguns princípios do raciocínio científico, que a sua formação e funções desempenhadas lhe devem ter permitido incorporar, para se pronunciar sobre o que, de facto, se passa na educação à escala nacional.

Porém, e voltando à declaração acima transcrita, o que se me oferece dizer é que pouco se sabe acerca do que se passa nas nossas salas de aula. Estudos sobre o ensino que abranjam um campo alargado, teoricamente bem fundamentados, que recorrem a metodologias rigorosas e instrumentos adequados, por diversas razões (que aqui omitimos), não se têm realizado. Do que dispomos é de estudos pontuais, centrados em casos e em percepções dos sujeitos, alinhados por teorias várias, que recorrem a metodologias e instrumentos dispersos, não permitindo, portanto, comparações fiáveis. Tal não significa que este último tipo de estudo seja destituído de qualquer interesse, o que significa é que, mesmo que o senhor secretário de estado recorresse a eles, não poderia pronunciar-se acerca do que se passa na generalidade das aulas portuguesas, desde as do ensino básico até ao ensino secundário.

Na década passada a conscialização da importância de se conhecer de perto e da maneira mais objectiva e rigorosa o ensino em sala de aula ressurgiu de modo particularmente acutilante, por via da discussão que os dados dos programas de avaliação internacional TIMSS (no qual Portugal só participou uma vez) e PISA (no qual Portugal participou três vezes, indo participar também que se realizará neste ano lectivo) desencadearam.

Alguns investigadores, como Keitel & Kilpatrick (1998), têm alegado para que esses programas no colocam face a um “jogo de números”, fazendo notar a necessidade de se empreenderem estudos que permitam compreender o que se passa e como se passa nas salas de aulas nos diversos países que neles participam, bem como o que dele resulta em termos de aprendizagem.

A título de curiosidade, refiro que a equipa do TIMSS foi a primeira a procurar uma melhor compreensão para os dados obtidos nos testes de conhecimentos/competências implementando o Videotape Classroom Study, que incidiu nas aulas de Matemática no 8.º ano de escolaridade nos Estados Unidos, Japão e Alemanha, e foi dirigido por James Stigler da Universidade da Califórnia; o Survey of Mathematics and Science Opportunities Study, que incidiu no ensino da Matemática e Ciências em seis países, e foi dirigido por William Schmidt, da Universidade do Estado de Michigan; e o Curriculum Analysis Study, que incidiu nos propósitos curriculares, e foi dirigido por William Schmidt, igualmente da Universidade do Estado de Michigan.

Foi com base nestes estudos e em muito outros com validade científica reconhecida que o Painel Consultivo constituído nos Estados Unidos da América para estudar o estado do ensino da Matemática se pronunciou, tendo recomendado vivamente mais recolhas nos terrenos em que a aprendizagem tem lugar.

A rematar, diria que a resposta à citada declaração do secretário de estado é dada por uma personalidade lendária do mesmo partido político, Edmundo Pedro, apesar dessa resposta não se referir a ele mas ao próprio primeiro ministro, a propósito da utilização do mesmo tipo de lógica:

… falei com José Sócrates e perguntei-lhe como é que ele estava tão certo de que o partido vai bem. Eu até acredito que ele pense isso, mas não vai às secções. Como pode, então, ter a certeza disso? Perguntei-lhe como formou essa opinião, se foi através das pessoas que o rodeiam. Mas se essas pessoas também não vão às secções! Limitam-se a consultar os secretários e para eles é tudo cor-de-rosa. Mas não é verdade.

Eu não iria tão longe, não subscreveria a afirmação final, pois, no caso em apreço, não podemos dizer que não é verdade o que o secretário de estado disse, nem... o contrário. Apenas podemos dizer que pouco sabemos sobre o assunto e que seria importante empenharmo-nos em saber mais.

Referências bibliográficas:
- Keitel, C. & Kilpatrick, J. (1998). International comparisons in mathematics education (Studies in mathematics education series 11) Londres: Falmer Press.
- Popper, K. (1992). Em busca de um mundo melhor. Lisboa: Fragmentos.
- U.S. Department of Education (2008). US Presidential Math Panel 2008. Final-report. Education Publications Center: U.S. Department of Education.

6 comentários:

Anónimo disse...

O que é isso do modo de pensar científico, como se distigue dos outros modos de pensar, e por que razão será melhor do que os outros (algo que está implícito no texto)? E já agora, o que é isso de um "modo de pensar"?

Anónimo disse...

Anónimo,

Um modo de pensar talvez se associe a estruras de pensamento. Veja estruturalistas ( tipo causa/efeito), ou com dedução, indução ou intuição, ou tb com pensamento linear ( tipo associativo), ou então em rede ( ou lateralizado) , ou ainda pensamento sistémico. E , finalmente para os cientificos: o pensamento racional, lógico-matemático. Os estruturalistas tb são racional-lógicos.

Falta + algum ?
Ah , sim , os do tipo: imaginativo, sonhador , ocultista, esoterico, alquinista,lunático, lirico, poeta,religioso....Mas, esses podem, segundo alguns pensadores, levar à loucura!!


Cumpts,
Madalena Madeira

Anónimo disse...

Acontece que:
os grandes progressos em ciência não se fizeram do uso apenas e só da racionalidade dura, isto é, apenas da indução e da dedução. Nas rupturas houve, há, haverá o papel decisivo da abdução, da "intuição matemática", da imaginação e, para alguns, da sociedade.

a dúvida da certeza será mais do "modo de pensar" da Filosofia do que da Ciência. Afinal, como argumentou tantas e tantas vezes Popper, do que podemos ter genuína certeza em ciência?

Anónimo disse...

E isso são "modos de pensar" ou resultado de doenças mentais?

Há quem diga que as melhores obras de arte vêem de maniacos-compulsivos...

Aplaudo a sabedoria e o reconhecimento dos valores da pós-modernidade.

Fartinho da Silva disse...

O problema "desta gente" (Medina Carreira, 2009) que nos tem governdado nos últimos anos é o facto de não possuírem currículo que justifique a sua escolha enquanto ministros. Há quem diga que se trata de um problema bem definido no tempo uma vez que se trata da geração licenciada administrativamente no PREC, há quem diga que é a geração que não necessitou de trabalhar para conquistar o lugar hoje detido uma vez que o lugar estava à sua espera!

Seja uma razão ou a outra uma decisão tomei, não voto em nenhum partido enquanto não me indicarem o nome dos ministros!

Se até ao dia das eleições não me for possível conhecer os nomes dos ministros propostos, não votarei em nenhum partido.

Como diz o outro, escolher quem vai gerir o futuro do país é demasiado importante para o fazer sem sequer conhecer o currículo das pessoas.

Escrevo tudo isto porquê? Depois de ter consultado o curriculum vitae dos ministros que nos têm "governado" desde 1999 fiquei de tal forma assustado que prometi a mim mesmo nunca mais confiar o futuro do meu país a promessas da banha da cobra!

Anónimo disse...

Dúvida?! Para pensar,

NUma estrutura de pensamento, não será a realidade virtual a verdadeira realidade em sintonia com a ordem implicada de Bohm (que defende no universo halográfico, denominado dinâmico, a existência de níveis superiores de ordem e informação, contidos na estrutura do espaço, matéria e energia) e das teorias das variáveis “ocultas”, que dizem que existir dois níveis de realidade, do espaço/tempo, uma implicada (tudo o que ocupa o seu lugar no domínio) que se revela como manifestação de uma ordem subjacente ou implicada, outra explicada, ou seja, tudo o que observamos?

Cumpts,
Madalena Madeira

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