domingo, 22 de abril de 2012

O Deputado Paulo Rangel, Canudos e Desemprego


“Perdemos com a revolução e a contra-revolução. Perdemos também com trinta anos de demagogia” (António Barreto).

Numa altura em que Nuno Crato detém a pasta da Educação demonstrando não embarcar em facilidades e demagogias, ontem, em noite chuvosa de Abril (que cumpria o adágio “em Abril águas mil”), dei comigo a reler uma crónica de jornal intitulada “Sobre o que não fala a ministra nem ninguém” (Público, 17/08/2006).

Nessa crónica do então deputado do PSD Paulo Rangel (actual eurodeputado desse partido político) era feita uma crítica à extinção das escolas técnicas e liceus que viriam a dar lugar a escolas básicas e do ensino secundário. O respectivo conteúdo sintetiza-se em poucas linhas que se transcrevem:  

“O que falta ao país, decididamente, não são historiadores e biólogos. Mas todos sentem a falta de electricistas, de picheleiros, de carpinteiros, de informáticos, de operadores de maquinaria de toda a sorte e ordem”.

Porque o título dessa crónica dizia que o assunto não tinha merecido atenção pública, corri a consultar uma pasta com artigos de jornais da minha autoria. E nela encontrei, para descanso da minha consciência de cidadania, um artigo da minha autoria  publicado no Diário de Coimbra (26/07/2001) com o título “A extinção dos liceus e escolas técnicas”. Dele transcrevo alguns excertos:

“Meses atrás, foi reconhecido por uma figura socialista com ampla audição no sistema educativo francês: ‘O collège único é uma ficção, um igualitarismo funcional que nada tem a ver com a igualdade real” (Jean-Luc Melénchon, L’Express, 22 de Março de 2001). [Abro um parêntesis para referir o facto de Jean-Luc Méchenlon ser actualmente candidato às eleições de hoje à presidência da República de França, em representação dos comunistas e parte da extrema-esquerda].

(…) Com a extinção das escolas industriais e comerciais, que tão boas provas deram na formação de técnicos competentes (carpinteiros, electricistas, serralheiros, mecânicos de automóvel, contabilistas, etc.) ficou o país sem mão mão-de-obra qualificada de crédito reconhecido que representava a espinha dorsal do seu desenvolvimento tecnológico e económico. Actualmente, os alunos do ensino básico estão mal preparados quando entram nas escolas secundárias deparando-se com escolhos sem fim que os tornam, vezes sem conta, náufragos do mar proceloso de um  ensino superior exigente. Ou então, desistindo dos estudos superiores,  submetem-se a um  ensino técnico livresco que os não habilita a bem desempenhar uma profissão que os ventos da democracia portuguesa (elitista no mau sentido da palavra) tem como menos digna e valorizada socialmente.

(…) Em vez de se continuar a dar a toda essa juventude a possibilidade de um enxada para, dignamente e com proficiência, ganhar a vida, distribuem-se mãos cheias de graus académicos universitários ou politécnicos de duvidosa qualidade pelos mais favorecidos de meios de fortuna, de audácia, de persistência em chumbar anos seguidos, sem ter em conta a suas reais capacidades e as necessidades de Portugal no competitivo e altamente especializado mundo laboral da União Europeia, exigente para que a qualificação académica corresponda a um exercício profissional de qualidade".

Em nossos dias, ao contrário de antigamente, o ensino profissional tornou-se, em vez de uma vocação, um recurso dos que não conseguem, por cabulice ou deficiência económica, terminar um ensino secundário destinado à entrada no ensino superior. Quantos pais – neste cantinho ibérico em recessão económica que os mais pessimistas temem transformar-se em antecâmara de futura bancarrota – poderão continuar a suportar dispendiosas explicações no ensino secundário (ou até mesmo no 1.º ciclo do básico) para que os filhos acedam a cursos universitários mais procurados, por exemplo, Medicina e Arquitectura? E a prover, por outro lado, a deslocação a instituições do ensino universitário distantes de casa, com as inerentes despesas de quarto e alimentação? E a pagar propinas, livros, sebentas, fotocópias e outro material escolar tendo como o horizonte o desemprego ou uma ocupação temporária, depois de formados, como caixas de supermercados? E o que dizer dos empréstimos bancários para fazer face a estas despesas a serem pagos com dinheiro usufruído em empregos que se transformarão em desempregos?

Canudos e desemprego trazem-me à memória o aviso de um autor estrangeiro que li algures: “A infantaria das novas revoluções será formada por licenciados que o Estado forma sem ter emprego para lhes dar”. Num sistema educativo enfermo (em que nas escolas secundárias funcionam simultaneamente cursos humanísticos e científicos destinados ao ingresso no ensino superior e cursos profissionalizantes livrescos, deixando deteriorar-se e sem lugar para o ensino prático oficinal das antigas escolas industriais, chega de aplicar mezinhas de curandeiro que dão “a ilusão de um país de doutores”, segundo ainda Paulo Rangel, e em que se chegou ao ponto de se desejar, à outrance, uma licenciatura de pechisbeque como adorno do mais elevado cargo da ex-governação socialista!

Esta verdadeira pandemia de etiologia secular em Portugal, mereceu, aliás, a crítica de Eça de Queiroz, ele próprio bacharel em Leis, quando exaltou as qualidades da Ramalhal figura, seu companheiro literário em As Farpas e dilecto amigo, dizendo que "tem saúde e não é bacharel". O autor de Os Maias faz mais do que isso transportando a pandemia para o outro lado do Atlântico (talvez por considerar que “o Brasileiro é um Português dilatado pelo calor”), ao afirmar que o Brasil é um país de doutores. Mas o  mal no nosso torrão natal não está tanto no número de licenciados, mas no desemprego que grassa, qual erva daninha, e que os espera, defraudando esperanças de colher dividendos por  terem queimado as pestanas em noites insones de estudo. Como diz a sabedoria popular, "fama sem proveito faz dor de peito".

Na imagem: Escola Industrial 1.º de Maio do Maputo, antiga Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque, da então Lourenço Marques, onde fui professor antes da vinda para Portugal, passando a leccionar nos ensinos secundário e universitário. 

2 comentários:

Armando Inocentes disse...

Quem foi professor em Moçambique ou em Angola tem uma noção diferente de ensino e de educação.

E quem foi aluno por lá também... por que será?

Cumprimentos!

Rui Baptista disse...

Caro Armando Inocentes: Ontem, 1.º de Maio, às 22:04, neste blogue publiquei um novo post em que pretendi dar uma resposta a este seu comentário.
Cordiais cumprimentos,

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