“Perdemos com a
revolução e a contra-revolução. Perdemos também com trinta anos de
demagogia” (António Barreto).
Numa altura em que
Nuno Crato detém a pasta da Educação
demonstrando não embarcar em facilidades e demagogias, ontem, em noite chuvosa
de Abril (que cumpria o adágio “em Abril águas mil”), dei comigo a reler uma
crónica de jornal intitulada “Sobre o que não fala a ministra nem ninguém” (Público,
17/08/2006).
Nessa crónica do
então deputado do PSD Paulo Rangel (actual eurodeputado desse partido
político) era feita uma crítica à extinção das escolas técnicas e liceus que
viriam a dar lugar a escolas básicas e do ensino secundário. O respectivo
conteúdo sintetiza-se em poucas linhas que se transcrevem:
“O que falta ao país, decididamente, não são historiadores e biólogos. Mas todos sentem a falta de electricistas, de picheleiros, de carpinteiros, de informáticos, de operadores de maquinaria de toda a sorte e ordem”.
“O que falta ao país, decididamente, não são historiadores e biólogos. Mas todos sentem a falta de electricistas, de picheleiros, de carpinteiros, de informáticos, de operadores de maquinaria de toda a sorte e ordem”.
Porque o título dessa
crónica dizia que o assunto não tinha merecido atenção pública, corri a consultar
uma pasta com artigos de jornais da minha autoria. E nela encontrei, para
descanso da minha consciência de cidadania, um artigo da minha autoria publicado no Diário de Coimbra (26/07/2001) com o
título “A extinção dos liceus e escolas técnicas”. Dele transcrevo alguns
excertos:
“Meses atrás, foi
reconhecido por uma figura socialista com ampla audição no sistema educativo
francês: ‘O collège único é uma ficção, um igualitarismo funcional
que nada tem a ver com a igualdade real” (Jean-Luc Melénchon, L’Express, 22 de
Março de 2001). [Abro um parêntesis para referir o facto de Jean-Luc Méchenlon ser actualmente candidato às eleições de hoje à presidência da República de França, em representação dos comunistas e parte da extrema-esquerda].
(…) Com a extinção
das escolas industriais e comerciais, que tão boas provas deram na formação de
técnicos competentes (carpinteiros, electricistas, serralheiros, mecânicos de
automóvel, contabilistas, etc.) ficou o país sem mão mão-de-obra qualificada de
crédito reconhecido que representava a espinha dorsal do seu desenvolvimento
tecnológico e económico. Actualmente, os alunos do ensino básico estão mal
preparados quando entram nas escolas secundárias deparando-se com escolhos sem
fim que os tornam, vezes sem conta, náufragos do mar proceloso de um ensino superior
exigente. Ou então, desistindo dos estudos superiores, submetem-se a um ensino técnico livresco que os não habilita a
bem desempenhar uma profissão que os ventos da democracia portuguesa (elitista
no mau sentido da palavra) tem como menos digna e valorizada socialmente.
(…) Em vez de se
continuar a dar a toda essa juventude a possibilidade de um enxada para,
dignamente e com proficiência, ganhar a vida, distribuem-se mãos cheias de graus
académicos universitários ou politécnicos de duvidosa qualidade pelos mais
favorecidos de meios de fortuna, de audácia, de persistência em chumbar anos
seguidos, sem ter em conta a suas reais capacidades e as necessidades de
Portugal no competitivo e altamente especializado mundo laboral da União
Europeia, exigente para que a qualificação académica corresponda a um
exercício profissional de qualidade".
Em nossos dias, ao
contrário de antigamente, o ensino profissional tornou-se, em vez de uma vocação, um recurso dos que não conseguem, por cabulice ou deficiência
económica, terminar um ensino secundário destinado à entrada no ensino
superior. Quantos pais – neste
cantinho ibérico em recessão económica que os mais pessimistas temem transformar-se em antecâmara de futura bancarrota – poderão continuar a
suportar dispendiosas explicações no ensino secundário (ou até mesmo no 1.º ciclo
do básico) para que os filhos acedam a cursos universitários mais
procurados, por exemplo, Medicina e
Arquitectura? E a prover, por outro lado, a deslocação a instituições do ensino
universitário distantes de casa, com as inerentes despesas de quarto e alimentação? E a pagar
propinas, livros, sebentas, fotocópias e outro material escolar tendo como o
horizonte o desemprego ou uma ocupação temporária, depois de formados, como caixas de supermercados? E o que dizer dos
empréstimos bancários para fazer face a estas despesas a serem pagos com dinheiro usufruído em empregos que se transformarão em desempregos?
Canudos e desemprego
trazem-me à memória o aviso de um autor estrangeiro que li algures: “A
infantaria das novas revoluções será formada por licenciados que o Estado forma
sem ter emprego para lhes dar”. Num sistema educativo enfermo (em que nas
escolas secundárias funcionam simultaneamente cursos humanísticos e científicos
destinados ao ingresso no ensino superior e cursos profissionalizantes
livrescos, deixando deteriorar-se e sem lugar para o ensino prático oficinal das antigas escolas industriais, chega de aplicar mezinhas de
curandeiro que dão “a ilusão de um país de doutores”, segundo ainda Paulo
Rangel, e em que se chegou ao ponto de se desejar, à outrance, uma licenciatura de pechisbeque
como adorno do mais elevado cargo da ex-governação socialista!
Esta verdadeira
pandemia de etiologia secular em Portugal, mereceu, aliás, a crítica de Eça de Queiroz, ele próprio
bacharel em Leis, quando exaltou as qualidades da Ramalhal figura, seu
companheiro literário em As Farpas e dilecto amigo, dizendo que "tem saúde e
não é bacharel". O autor de Os Maias faz mais do que isso transportando a pandemia para o outro lado do
Atlântico (talvez por considerar que “o
Brasileiro é um Português dilatado pelo calor”), ao afirmar que o Brasil é um país de
doutores. Mas o mal no nosso torrão natal não está tanto no número de licenciados, mas no desemprego que grassa, qual erva daninha, e que os espera, defraudando esperanças de colher dividendos por terem queimado as pestanas em noites insones de estudo. Como diz a sabedoria popular, "fama sem proveito faz dor de peito".
Na imagem: Escola Industrial 1.º de Maio do Maputo, antiga Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque, da então Lourenço Marques, onde fui professor antes da vinda para Portugal, passando a leccionar nos ensinos secundário e universitário.
2 comentários:
Quem foi professor em Moçambique ou em Angola tem uma noção diferente de ensino e de educação.
E quem foi aluno por lá também... por que será?
Cumprimentos!
Caro Armando Inocentes: Ontem, 1.º de Maio, às 22:04, neste blogue publiquei um novo post em que pretendi dar uma resposta a este seu comentário.
Cordiais cumprimentos,
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