sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A INSULINA E A DOENÇA RENAL


Nova crónica de António Piedade saída no "Diário de Coimbra":

A hormona Insulina, produzida pelas células do tipo beta dos ilhéus de Langerhans, encontrados no pâncreas, está há muito associada à regulação do metabolismo do açúcar glicose. Como é sabido, perturbações na sua acção levam naturalmente ao desenvolvimento da condição conhecida por Diabetes.

O principal papel bioquímico estabelecido para a insulina, em termos muito gerais, é o de interagir especificamente com processos que facilitam a assimilação de glicose por parte das células de determinados tecidos. Por exemplo, em células como as dos tecidos musculares e adiposo, a presença de insulina é condição essencial para que a glicose possa entrar para dentro da célula. Recorde-se que a glicose é essencial como fonte de energia para a actividade celular.

Na ausência ou em concentrações insuficientes de insulina, a glicose não é facilmente assimilada pelas células e a sua concentração no sangue tende a aumentar para valores característicos da condição designada por hiperglicémia. A continuação desta condição, por um tempo mais ou menos longo, desencadeia perturbações mais ou menos graves em vários sistemas como o circulatório e o renal, entre outros. De facto, a excessiva concentração de glicose no sangue, e de forma crónica, causa danos, muitas vezes irreversíveis, sobre estruturas funcionais de vários órgãos. Por isso, o conhecimento geral atribui à insulina um papel central na regulação da concentração plasmática de glicose. Mas, sabe-se hoje, a insulina desempenha muitos outros papéis.

Por outras palavras, sabia-se que a insulina regula inúmeras vias metabólicas ligadas à homeostase da glicose. Mas são pouco mencionados outros papéis da insulina que, apesar de poderem parecer secundários, contribuem no mínimo para o normal funcionamento do organismo como um todo.

Sabe-se que a insuficiência renal pode ser originada ou acentuada pelo menos indirectamente por uma insuficiência insulínica. Mas o que não se sabia e foi agora publicado num artigo na revista Cell Metabolism, na sua edição de 6 de Outubro (aqui) é que a presença de insulina influencia a estrutura e a função normal de um grupo particular de células renais especializadas, os podócitos (células do epitélio glomerular renal e com aspecto “tentacular”), cuja actividade é essencial para que o rim consiga filtrar o sangue e com um papel especial na retenção de proteínas importantes. Os autores do artigo descobriram que, quando a insulina deixa de sinalizar os podócitos, estes cessam a sua actividade filtrante, causa directa para uma deficiente função renal. Ou seja, a presença ou não de insulina modela, desta forma, a função dos rins e estes precisam desta hormona para funcionar bem.

O conhecimento deste mecanismo regulador da função renal dependente de insulina vem contribuir não só para um melhor conhecimento dos mecanismos moleculares da doença diabética a nível renal, mas principalmente para uma compreensão mais fin, a nível molecular, da regulação do funcionamento renal.

António Piedade

7 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

E na fotografia, qual é o tecido? As células amarelas quais são? E as vermelhas?...

António Piedade disse...

Na imagem, os podócitos, com os seus inúmeros e tentaculares prolongamentos, estão corados de amarelo. Encontram-se a "abraçar" a membrana basal dos capilares glomerulares, aqui a vermelho.

António Piedade

José Batista da Ascenção disse...

Muito obrigado.

Ana disse...

"Na ausência ou em concentrações insuficientes de insulina, a glicose não é facilmente assimilada pelas células e a sua concentração no sangue tende a aumentar para valores característicos da condição designada por hiperglicémia."

Não somente na ausência ou em concentrações insuficientes de insulina (esta é a origem da Diabetes mellitus do tipo 1, geralmente insulino-dependente). No outro tipo diabético, o II ou geralmente insulino-resistente, a insulina está presente em concentrações normais e as células pancreáticas beta encontram-se funcionais; contudo, o seu receptor é-lhe insensível, o que leva a que não se consiga transportar glucose para o meio intra-celular.

Só a título de curiosidade, o nome da doença significa algo como "sifão doce como o mel" :D devido à prova de urina dos pacientes diabéticos, por parte dos médicos :D.

António Piedade disse...

Cara Vani

Obrigada por ter acrescentado esse rigor. Mas eu não quis centrar este texto na definição clássica de Diabtes tipo I ou II (a primrira mais estrutural, a segunda derivada mais de hábitos alimentares, de vida, et cetera), mas sim deixar isso em aberto à discussão. Cada vez mais, como sabe, vemos a Diabetes como um conjunto de sintomatologias e disfunções expressas pelas concentrações encontradas para distintos biomarcadores do que como uma Doença per si. Aliás, sem muito esforço, caímos no ainda pouco conhecido e mal definido sindrome metabólico e encontramos sobreposição em disfunções e perturbações na homeostase energética.
Regresso ao meu objectivo: quis, somente, indicar ao público não conhecedor, que a insulina está cá, no nosso organismo, para muitas coisas, numa interacção dinâmica (como não poderia deixar de ser) com muitas outras hormonas, actuando em diversos órgãos e processos que não só e exclusivamente os ligados à concentração de glicose no sangue (que, como sabemos, não depende só dos níveis de insulina).

António Piedade

José Batista da Ascenção disse...

Outra curiosidade: a constatação de que a urina dos diabéticos é doce não terá resultado (inicialmente) da prova (gustativa) feita pelos médicos, mas sim da observação de que muitas formigas se podiam juntar no chão onde tivesse caído a urina das pessoas com sintomas de diabetes. As formigas procuravam o açúcar depois de evaporada a água...

Ana disse...

António Piedade, é verdade, não queria imiscuir-me no texto, apenas conversar :). Em muitos meios de investigação é utilizada a distinção tipo I e tipo II que é simplista e em que geralmente se considera o tipo I insulino-dependente e o tipo II insulino-resistente, quando a realidade -como sabemos- não é assim tão linear. A distinção tipo I e II em termos médicos remete mais para a possível origem auto-imune do primeiro tipo de sindrome diabético (que é como diz, muito bem, um síndrome e não uma doença per se). Mas a bem verdade, e como tão bem refere, a Insulina está envolvida em inúmeros eventos metabólicos, que só agora começam a ser conhecidos (o uso de insulino-miméticos tem ajudado a esclarecer pormenores destes pathways tão intrincados e intimamente relacionados).

José Baptista, não conhecia essa curiosidade! :D Obrigada, irei partilhá-la com quem trabalha no meio :).

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