sexta-feira, 1 de outubro de 2010

FACILITISMO E ALDRABICE


Minha crónica de hoje no "Público":

Quem recentemente acertou na mouche ao falar sobre a crise financeira e económica que o país atravessa foi Ernâni Lopes, o ex-ministro das Finanças e Plano do Governo do Bloco Central, dirigido por Mário Soares, que em 1983 recebeu o FMI: «Não tem a ver com taxa de juro, oferta de moeda nem finanças públicas. Tem a ver com qualquer coisa mais importante. Os problemas resolvem-se com estudo e trabalho e não com facilitismo e aldrabice».

Fê-lo pouco antes do anúncio pelo governo do PS dirigido por José Sócrates de medidas de aumento de impostos para todos e de redução de vencimentos dos trabalhadores da função pública. As palavras do ex-ministro não podiam ser mais certeiras. Com efeito, não foi há muito tempo que o IVA desceu e os salários subiram, por mera conveniência eleitoral, numa altura em que as crises nacional e internacional já eram mais do que visíveis (a primeira, para mal dos nossos pecados, mais antiga do que a segunda). O governo minoritário que resultou das eleições continuou teimosamente a negar a realidade. Foi facilitando o mais que pôde. E foi aldrabando até mais não poder. Por pressão externa e não por convicção interna, anunciou um PEC 1, depois um PEC 2 e agora um PEC 3, uma vez que a dívida continuava a aumentar. Num mundo em crise os outros bem podiam fazer de formiga, com a Grécia, a Irlanda e a Espanha a diminuírem os salários, que nós continuávamos a fazer de cigarra, como se o crédito fosse ilimitado. De facto, o mundo mudou. Mas o nosso Governo, contrariamente ao que se impunha, não mudou, e não fez a tempo o que era preciso fazer, que era estudar o défice e trabalhar para o diminuir. Agora, tarde e a más horas, parece ter acordado. E o Presidente do PS, António de Almeida Santos, que tinha sido colega de Ernâni Lopes no governo do Bloco Central (lembram-se de não se poder sair do país com mais de sete contos?), não encontrou melhor justificação para a mais recente ida do Governo aos bolsos dos contribuintes do que dizer que «o povo tem que sofrer as crises como o Governo as sofre». Se o povo não sabia, ficou enfim a saber que tem de partilhar as crises do Governo...

E o que diz ao PEC 3 o PSD, que tinha assinado o PEC 2 numa quase reedição do Bloco Central? O seu porta-voz António Nogueira Leite, de quem se fala para ministro das Finanças (fez o tirocínio como secretário de Estado das Finanças de Guterres), foi tudo menos coerente e credível. Embora defendendo os cortes nos salários, pediu com candura ao Governo para “reconsiderar o aumento do IVA, porque não é bom para as famílias". A diminuição dos rendimentos salariais é, para ele, boa para as famílias. Estas, encolhidas pelos apertos de cinto, continuarão decerto a sofrer as crises, mesmo que mude o governo que as sofre. E não têm grande esperança que o facilitismo e a aldrabice acabem se houver uma mudança governamental.

Poderia ser de outro modo? Dificilmente poderia. Uma sociedade não pode ser melhor do que a escola que a molda. Facilitismo, o termo que tão bem se adequa à política em geral, é também o certo para designar a política escolar, também ela de Bloco Central. Mostra-o, por exemplo, o caso do aluno que entrou na Universidade, com 20 valores, pela porta do cavalo das Novas Oportunidades. E aldrabice é a palavra justa para descrever uma situação em que se passam diplomas a certificar sabedoria e competências a quem é manifestamente ignorante e incapaz. Uma aldrabice pegada, como cada vez é mais claro.

Dei-me conta outro dia de que a palavra aldrabar, de origem árabe, não é conhecida no Brasil. Mas a prática é. Mário Pratas, o autor do dicionário de português europeu para brasileiros “Schifaizfavoire” (Editora Globo, 1993; o título deriva do modo como se chama entre nós um empregado de mesa), comenta: “Depois de morar algum tempo em Portugal você começa a entender de onde veio essa nossa mania de levar vantagem, de dar golpinhos, de enganar o próximo, de tirar proveito das situações. Está certo que os brasileiros aperfeiçoaram a aldrabice...”

15 comentários:

Ricardo Sousa disse...

concordo plenamente consigo e acrescento: têm que lutar contra a economia paralela, tantos que vivem de subsidios sociais e que prestam serviços sem passar facturas...

Fernando Martins disse...

Excelente texto - já era tempo de começarem aqui a chamar os bois pelo nome. A culpa não é só deste senhor que está retratado no post e que nos envergonha a todos - mas não tenho dúvidas que deu um contributo importante, pelo exemplo e pelas suas decisões políticas, para o estado a que chegou o Ensino em Portugal.

PS - espero que a Doutora Palmira não se enxofre com este ataque ao PM...

Fartinho da Silva disse...

Excelente texto! E o problema é todos sabemos que enquanto não se mudar a escola, continuaremos a empobrecer alegremente... até um dia!!

José Batista da Ascenção disse...

Muito bem dito. Verdadeiro. Frontal. Honesto.
Parabéns, Professor Fiolhais.

Augusto Küttner de Magalhães disse...

Excelente texto. Totalmente em acordo!

Anónimo disse...

Caro Fernando Martins: o problema não é de enxoframento, é de rigor que é o que falta na sua análise. Note que Sócrates foi eleito e não há suspeita fundada de fraude nas eleições. Logo para sermos coerentes teremos de nos envergonhar dos eleitores. Mais, se houvesse eleições agora provavelmente o primeiro ministro manter-se-ia. Então quem se envergonha está certo e os leitores é que estão errados! Ai, como é fácil chamar nomes quando não sabemos resolver um problema e nos sentimos perdidos. Ai, como é difícil sermos rigorosos e sérios.
Já agora: se houvesse eleições eu não votaria no partido do Sócrates. Não escrevo estas linhas para o defender mas somente tento (sem o conseguir, eu sei) ser rigoroso e honesto.

De Montesquieu disse...

Não podia estar mais de acordo com o texto de Carlos Fiolhais. Na mouche!

Anónimo disse...

Caros encomiadores: " Uma sociedade não pode ser melhor do que a escola que a molda". Esta afirmação não tem ponta por onde se lhe pegue. Ora pensem. Este blogue caracteriza-se por ter uns que escrevem, depois outros que aplaudem com o que chamam comments. Não há quem tenha um espírito crítico mais aguçado? Não digo que seja tudo combinado, acho que resulta só da falta de espírito crítico dos que viajam por estas bandas. Ou só faz visitas quem já sabe que gosta.

Anónimo disse...

Ó clandestino das 19:13: e você vem a este porque não gosta?

Fernando Martins disse...

Caro anónimo das 17.59:

Alguém que promete mundos e fundos antes de umas eleições, sabendo que nada pode fazer, como foi no caso de Sócrates (o político...) é um aldrabão.

Mas confesso que é coerente, penosamente coerente. Desde há longa data que o faz, publicamente: assina projectos de estrumeiras ilegalmente (e sabe-se lá o que haverá nos arquivos da Câmara da Covilhã, assinado pelo actual Presidenta da Câmara da Guarda mas feito por Sócrates...), faz uma licenciatura fantasma com trabalhos por fax e a um domingo, gere de forma espantosa o caso Freeport, coloca em diversos locais falsificações das suas habilitações, gere os casos na imprensa como um mafioso com um bom advogado, limita-se a mentir a reciclar as mentiras sucessivamente...

Hoje o país está à beira da bancarrota, sem credibilidade nos mercados e com muitos sectores, incluindo a Educação e Ensino, de rastos.

Folgo que haja anónimos e "abrantes" que defendam José Sócrates - dá outra dimensão à esterqueira em que ficámos.

Anónimo disse...

Eu sou o clandestino das 19:13. Resposta: venho a este blogue porque gosto, ninguém me obriga.

Anónimo disse...

"faz uma licenciatura fantasma com trabalhos por fax e a um domingo, gere de forma espantosa o caso Freeport, coloca em diversos locais falsificações das suas habilitações, gere os casos na imprensa como um mafioso com um bom advogado, limita-se a mentir a reciclar as mentiras sucessivamente..."
Continua a haver um grave problema de falta de rigor. Por que saiu ele imune de tudo o que cita? Há várias hipóteses: (1) ele comanda o sistema de justiça e o Ministério Público, (2) é tudo falso e nada se consegue provar. Há mais...
Mas não se pode descartar a hipótese (2) só porque não se gosta do homem. Qual é o problema de se obter uma licenciatura ao domingo. Qual o dia ideal para isso? "Sabe-se lá o que haverá nos arquivos da Câmara da Covilhã". Concordo, não se sabe. Claro, não se pode concluir que, não se sabendo terá de ser algo prejudicial a Sócrates.
E, já agora, qual é o anónimo que defende Sócrates?
Mais rigor precisa-se.

A.Küttner disse...

Anonimo , faz parte da sua forma de ser e estar ir a todos os blogs, sobre o anonimato comentar negativamente os comentarios de outras pessoas que comentam identificados?

trata-se de algo que é feito por muitos, quando são unicamente mal-dizentes.

Continue que lhe faz bem. Enriquece-o!! mais que não seja o seu ego

Sílvia Ferreira disse...

Professor Fiolhais, excelente texto. E, já agora, muitos parabéns por este blogue.

Fernando Martins disse...

"Continua a haver um grave problema de falta de rigor. Por que saiu ele imune de tudo o que cita? Há várias hipóteses: (1) ele comanda o sistema de justiça e o Ministério Público, (2) é tudo falso e nada se consegue provar."

O ponto 1 não é possível: ele não controla o MP, só algumas franjas e chefias. Quanto ao ponto 2, o é tudo falso, o seu chefe já admitiu muito sobre o assunto para que diga o que diz.

Há ainda mais duas hipóteses: parte dos crimes prescreveram e já não são julgáveis e outros, quando Sócrates sair do poder, serão novamente analisados e então julgados (v.g. a usurpação do título de Engenheiro, que é reservada a Engenheiros, segundo os estatutos legais da Ordem dos mesmos...).

Mas o que interesse é que estas coisas fiquem na Internet, para memória futura, pois daqui a uns anos ir-nos-emos rir bastante destes textos, quando falarmos de burlões do século XXI.

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