quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A distinção entre o bom e o mau professor

Os bons acabam felizes, os maus infelizes. Isso é o que se chama ficção” (Oscar Wilde, 1854-1900).

O derradeiro comentário (15.º) de um anónimo ao meu post “Estatuto da Carreira Docente: remendos novos em pano velho” levantou o velho problema da distinção entre o bom e o mau professor.

Nem de propósito, numa longa e interessante entrevista (Público, 01/02/2010), Jaime Carvalho e Silva, professor da Universidade de Coimbra, recentemente nomeado secretário-geral da Comissão Internacional para a Instrução da Matemática, entre outros assuntos de relevo, tece considerações sobre o que entende ser um bom professor de Matemática quando escreve que “sabe muita Matemática, sabe comunicar, tem uma caixa de ferramentas pedagógicas para usar em diferentes situações, trabalha com os colegas, vai a encontro de formações; sabe o que se passa na sua cidade, no país, no mundo”.

Sem nada ter a ver com a burocrática avaliação da ex-ministra Maria de Lurdes Rodrigues ao transformar os professores em mangas-de-alpaca a preencherem rimas de fichas de avaliação, na véspera desse mesmo dia, redigi e publiquei um comentário em resposta à pergunta formulada por outro anónimo (comentário 14.º): “Como é que se distingue um professor medíocre de um professor não medíocre? Alguém sabe?”

“Por acreditar naqueles que procuram a verdade e desconfiar daqueles que a encontram”, como escreveu André Gide, limitei-me a dar uma resposta condicionada pelo espaço de um simples comentário, e que passo a transcrever: “Quanto à maneira de proceder à avaliação dos docentes, eu excluo à partida que seja feita, exclusivamente, pelos próprios pares que hoje são avaliadores e amanhã poderão vir a ser avaliados por aqueles que avaliaram criando entre eles uma cumplicidade que não garante a necessária isenção. Portanto, apenas uma pequena e muito modesta achega: o professor medíocre é aquele que falta por sistema, que não mantém a disciplina na sala de aula, cuja aprendizagem dos alunos não sofre evolução favorável, cujos conhecimentos científico, pedagógico e de cultura geral são deficientes, que se relaciona mal com os colegas e restante pessoal da escola, etc”.

Mais uma vez, o 15.º comentário, citado no início deste meu post, veio demonstrar que a resposta à pergunta “o que é um bom professor?” não se esgota em soluções fáceis pelo facto de estarmos a lidar com pessoas (docentes e discentes) e respectivas idiossincrasias no complexo fenómeno da educação e da instrução. Embora o ideal seja o entrosamento entre ambas, aqui corremos o risco de entrar num outro labirinto de difícil saída que é o de estabelecer fronteiras bem delimitadas entre uma coisa e outra, porque se pode inclusivamente educar sem instruir e vice-versa. A propósito de teorias sobre educação, ocorre-me citar um pedagogo que dizia com uma certa desilusão: “Dantes tinha seis teorias sobre educação e nenhum filho, hoje tenho seis filhos e nenhuma teoria!” Ou seja, nem sempre a teoria anda de braço dado com a prática e vice-versa.

No ponto 1 do 15.º comentário, referido logo no início deste post, é evocado o conceito de benchmarking, ou seja a busca na indústria de um melhor rendimento inspirado em situações similares bem sucedidas. Mas, neste caso específico, não estamos em presença da complexidade inerente à avaliação dos docentes. Mas isto não significa, de forma alguma, que desistamos de encontrar um processo capaz de distinguir o bom do mau professor para evitar a injustiça de os igualar porque, como escreveu Camilo, “o despotismo da igualdade é o mais insuportável e o mais feroz dos despotismo, porque tem a sua origem na vontade dos impotentes, dos estúpidos, dos insignificantes”.

No ponto 2 são referidos vários condicionalismos que interferem na indisciplina do aluno (e aqui estamos ambos do mesmo lado da barricada no que se refere à vergonhosa permissividade do actual estatuto do aluno) e na sua boa ou deficiente aprendizagem e apresentados um rol de situações sócio-económicas que influenciam o êxito ou fracasso do processo educativo com responsabilidades repartidas entre quem ensina e quem aprende. Dando de barato a validade desses condicionalismos, somente, um reparo: como se compreende que um mesmo aluno numa mesma turma tenha comportamento cognitivo e afectivo bem diferenciado relativamente aos professores a e b? Não dependerá parte substancial destes comportamentos na acção desenvolvida por ambos os docentes em circunstâncias idênticas?

No ponto 3 é dito não serem as faltas e o mau relacionamento entre as personagens intervenientes no processo educativo problemas das escolas nem dos professores. Eu atrevo-me a pensar de forma diferente: as faltas dos alunos e dos professores reflectem-se forçosamente nas aprendizagens. O mau relacionamento entre alunos ou entre estes e os respectivos professores, ou, ainda mesmo, unicamente entre os professores, impedem, igualmente, um desejável clima de paz, concórdia e mesmo de empatia intramuros escolares.

No ponto 4 não podia estar mais de acordo quando escreve que “o Governo (a que eu acrescentaria certas políticas sindicais e os lóbis das Ciências da Educação que parecem nutrir, como diria Ortega y Gasset, “ódio aos melhores”) não quer valorizar os conhecimentos científicos, pedagógicos e de cultura geral”. E tanto assim é que, no acesso à docência, faz letra morta destes conhecimentos. E, mesmo quando pretende fazer algo no sentido de inverter este statu quo, logo surge o coro sindical a dizer que todas as formações para a docência devem ser havidas em plano de igualdade fazendo crédito no aval estatal. Ou seja, aquela ratificação estatal de complementos de licenciatura obtidos em meia dúzia de meses ou de licenciaturas em universidades privadas que o ministro Mariano Gago se viu coagido a mandar encerrar, pressionado pelo escândalo público então desencadeado.

A própria triagem que nesse sentido era feita pelas antigas ordens profissionais foi interditada permitindo, por outro lado, a criação de novas ordens profissionais que metem no mesmo saco diplomas que vão de um simples curso secundário a licenciaturas de prestígio. E, desta forma, o Estado se fez monarca absoluto do reino da mediocridade atribuindo idêntico estatuto a licenciaturas universitárias para o ensino de uma única matéria curricular dos 2.º ciclo dos ensinos básico e/ou secundário e a licenciaturas de escolas superiores de educação destinadas ao magistério simultâneo de duas disciplinas do 2.º ciclo do ensino básico.

Os dados estão lançados pelas mãos de um jogador amador, as minhas. Conveniente seria que especialistas nesta matéria lançassem simples lampejos ou as luzes dos holofotes sobre um tema que se mantém na penumbra dos que tiram altos dividendos desta situação dizendo ser difícil fazer a destrinça entre os bons e os maus professores. Tornando simples o que é complexo, os sindicatos querem transmitir para a opinião pública que não há maus professores. Apenas, professores mais ou menos bons!

Bondade que não serve os desígnios de um ensino de qualidade que o país merece e a sociedade portuguesa deve exigir. Só através de uma séria avaliação dos professores se poderá pôr cobro a um sistema educativo suportado pela iniquidade de igualar desiguais como se, em legado deixado por Victor Hugo, “a primeira igualdade não fosse a justiça”.

9 comentários:

Carlos Cabanita disse...

Pode ser uma lapalissada, mas um bom professor é aquele que ensina. Tudo o mais decorre daqui.

Rui Baptista disse...

Prezado Carlos Cabanita:

Obrigado pelo comentário. Mas se me permite, eu faria um acrescento: "um bom professor é aquele que ensina" e os alunos aprendem.

Quanto à forma como ensina, "hoc opus hic labor est" (aqui é que está a dificuldade), julgo estar subentendida no seu comentário: ensina bem. Pois, infelizmente, como sabe, ou, melhor, todos nós sabemos, há quem ensine de forma medíocre, mal ou, mesmo, péssima.

Quem defende (e infelizmente há muito quem o faça, em benefício próprio) que todos os professores são bons, está a prestar um mau serviço ao país, à sociedade e ao ensino. E, principalmente, aos professores que cumprem briosamente o seu magistério e têm o mesmo tratamento das entidades oficiais e dos sindicatos que aqueles professores que ensinam mal.

Uma hipócrita solidariedade profissional pode, até, tentar encontrar (uma má) justificação para este “statu quo”, mas não pode, de forma alguma, sancionar tamanha e tão gritante injustiça.

joão boaventura disse...

Só por associação de ideias me lembrei de inserir um comentário a propósito.

Na PSP, por exemplo, há uma distinção curiosa entre o bom e o mau polícia. O bom é o que não apresenta serviço, e o mau, o que aoresenta serviço.

Para se entender melhor esta linguagem policial, é entendido por "não apresentar serviço" (bom polícia) como o agente que conseguiu resolver os problemas que se lhe depararam na ronda. E não só, também, o que, pela sua presença e forma de estar, inspira confiança e respeito.

É entendido por "apresentar serviço" (mau polícia), o agente que, em vez de solucionar diferendos, prefere fazer uma informação sobre os acontecimentos e levar os casos para a esquadra da polícia.

Nestas condições e em estudo comparado forçado com o bom e o mau professor, se pode atribuir as mesmas qualidades o bom e do mau polícia.

O bom professor é o que "não apresenta serviço" , isto é, inspira confiança e respeito, pela sua presença e forma de estar, evitando ou resolvendo de impromptu os casos que se lhe deparem. A criação do bom ambiente é meio caminho andado para que o processo ensino decorra como o melhor desejável.

O mau professor é o que "apresenta serviço", isto é, por não inspirar confiança nem respeito, e por conflituar em vez de apaziguar, com dificuldades pedagógicas, e incapaz de comunicar, acaba por transportar os problemas para a direcção da escola (apresentar serviço.

Para terminar relata-se um caso curioso passado numa escola do ensino básico, e este a propósito do bom e do mau ladrão.

A professora depois de explicar a crucifixação de Cristo e do bom e do mau ladrão que o ladeava, perguntou a um dos alunos o que é que preferia ser: se o mau ladrão que não se arrependeu, se o bom ladrão que se arrependeu.

O aluno respondeu que preferia ser Cristo.

Fartinho da Silva disse...

Caro Rui Baptista,

Neste caso, estou em completa sintonia com Carlos Cabanita.

O problema essencial no nosso sistema de "ensino" público é todos termos perdido o Norte, ou seja: temos que definir a missão da escola.

Como bons portugueses que somos, temos andado a flutuar no espaço e com isso perdemos o contacto com o solo, ou seja com a realidade.

Não é possível a nenhuma organização corresponder às expectativas da sociedade ou do mercado (como se quiser) sem colocar os pés no chão e definir o edifício organizacional desde as fundações até ao telhado. Não há outra forma.

Como bons portugueses que somos, começámos a misturar tudo e a dar de novo. Como resultado, temos uma "escola" sem uma missão bem definida que toda a gente entenda. Como consequência disto, hoje, ninguém sabe bem qual a função do professor e como consequência ninguém consegue delimitar bem as suas responsabilidades.

Mas as consequências são ainda mais graves para os alunos. Estes foram transformados em cobaias burocrático-pedagógico-ideológicas.

Como quer o Rui Baptista avaliar os professores do sistema de "ensino" público quando ninguém conhece a missão da escola, as funções do professor, do aluno e dos encarregados de educação?

Como base em todos os disparates burocrático-pedagógico-ideológicos que fomos produzindo, a "escola" pública de hoje está condicionada pelas vontades de quem ganha com o caos instalado, ou seja o lobby das "ciências" da educação, aqueles "encarregados de educação" que foram capazes de colocar filhos no mundo mas que consideram que educá-los é uma maçada e como tal servem-se da "escola" pública para depositar os meninos e os jovens e aqueles "encarregados de educação" que colocam os seus filhos na tal "escola" com o objectivo de garantir os subsídios que o pai Estado lhes garante todos os meses desde que os seus filhos estejam entretidos na "escola"!

Caro Rui Baptista, como quer avaliar professores se os alunos não são VERDADEIRAMENTE avaliados?

Quantos verdadeiros exames de CONHECIMENTOS existem hoje?

Inventaram-se as competências que é mais um jargão do "eduquês" para se facilitar ainda mais a avaliação dos alunos. Toda a gente percebe que a competência nesta ou naquela matéria só aparece se o aluno tiver conhecimentos sólidos e se os aplicar durante vários anos. Toda a gente que contrata pessoas para as suas empresas sabe isto muito bem. Toda a gente, excepto quem manda verdadeiramente no nosso sistema de "ensino" público.

Caro Rui Baptista, como se pode acreditar nas intenções de quem manda neste país se no momento em um docente de física consegue, com grande esforço, obter o seu doutoramento em física quântica depende de uma comissão de sábios (constituído por especialistas nas "ciências" da educação) para que o seu doutoramento seja considerado para efeitos de progressão na carreira, enquanto que um docente do 1º ciclo do ensino básico se obtiver o doutoramento em ciências da educação obtém a progressão de forma automática?

Como se pode considerar sérias as pessoas que têm governado este sector a seu belo prazer, quando publicam uma lei dando conta que um doutorado em informática tem o nível básico de competências em tecnologias da informação e da comunicação, enquanto que um mestre ou doutor em ciências da educação tem automaticamente o nível mais elevado de competências?

Que país é este?

Por isso aqui digo. Quando se discute a avaliação de professores do "ensino" público, o objectivo é desviar as atenções para o que REALMENTE se passa nas "escolas".

Caro Rui Baptista, não caia na armadilha de, ao discutir este assunto, participar neste jogo que inevitavelmente nos levará ao fim da escola pública para todos e que transformará o sistema público de ensino na escolha para quem não tem dinheiro e/ou cultura para oferecer um futuro melhor aos seus filhos.

Rui Baptista disse...

Caro João Boaventura:

Obrigado pela perspectiva apresentada sobre o bom e o mau polícia ( o leitor encontrará esse diferenciação retratada no seu comentário).

Recordo-me, a propósito, do meu saudoso e remoto tempo de aluno liceal em que havia um professor que não tinha mão nos alunos. Quando a indisciplina na sua aula se tornava insuportável, tocava à campainha para solicitar a presença de um contínuo (hoje, auxiliar de acção educativa) para este, por sua vez, chamar um outro professor da turma que quando aparecia à porta da sala de aula transformava “energúmenos” em meninos de coro.

Bem sei que os tempos eram outros: os alunos não dispunham da permissividade do actual estatuto do aluno. Mas esses tempos eram vividos por estes dois professores: um sabia dar-se ao respeito, outro não.

Mesmo em conturbados nossos dias de indisciplina generalizada, há professores que resolvem por si só os problemas surgidos na sala de aula; outros passam a vida a pôr os alunos na rua (quando eles acedem à ordem de expulsão!) e/ou bater à porta do conselho executivo ou da direcção das escolas a fazer queixas dos alunos. Qual destes dois é o bom professor? E o mau? Ou deverão neste parâmetro serem ambos avaliados da mesma maneira?

Rui Baptista disse...

Caro Fartinho da Silva:

Obrigado pelo seu comentário.

Oportunamente, será dada a resposta merecida pela oportunidade e pertinência das questões por si levantadas.

Rui Baptista disse...

Caro Fartinho da Silva:

Acaba de ser publicada sob a forma de post, intitulado "Ainda a distinção entre o bom e o mau professor", a minha resposta ao seu comentário.

Cordiais cumorimentos

João Correia disse...

o meu professor de geografia é um mau exemplo

José disse...

Olha não és o único, a minha filha também é maltratada pelo professor

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