quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

OS PROBLEMAS DE PORTUGAL 1


Do recente livro de Vitorino Magalhães Godinho, o grande historiador e cientista português, "Mudar de Rumo" (Colibri), transcrevemos este excerto sobre os computadores na escola:

"O Governo ideou e realizou um ambicioso programa, de pôr À disposição das crianças e dos jovens computadores portáteis (de dificuldade escalonada, dando no final acesso à internete) e incitou à utilização da informática como método de aprendizagem e de crescimento cultural. Possìvelmente um erro. Os oftalmologistas desaconselham a precoce ocupação do tempo diante de um écran. Gostaríamos antes de ver a miudagem a jogar à bola na rua, a correr entre árvores e a brincar com os animais. Sobretudo a entreterem-se uns com os outros, desenvolvendo a formação da percepção do "outro" e das consequentes relações sociais. Um dos grandes males do nosso tempo é o viver num mundo virtual e ficar canhestro na presença dos outros, agir sobre imagens mais do que ao contacto de seres reais. São primeiro os jogos, é certo, mas precisamente nesta fase o jôgo é importante porque constroi a alteridade real. É um absurdo uma aula em que o professor está atrás de um monitor e casa aluno também atrás dos meu, e por ele comunicam. A aprendizagem tem de fazer-se a partir de operações em acções com material físico e no domínio mental de outras operações; primeiro saber elaborar uma ficha, manusear livros e cadernos, realizar pesquisas na biblioteca ou em arquivos, saber notar a observação dos outros e dos actos e situações, dominar a gramática (em vez de esperar pelo corrector automático, geralmente errado, para mais), conduzir cálculos ou traçar figuras geométricas com papel e lápis e operações mentais. Depois virá a máquina de calcular e o computador, abrindo vastos horizontes, efectuando com rapidez operações que eram morosas ou mal acessíveis pela quantidade de dados a manejar. Mas já não se vai cair em manipular o computador sem nos apercebermos que devemos estar a lidar com pessoas e não símbolos."

5 comentários:

Anónimo disse...

Concordo plenamente com o autor do texto, e volto a repetir a minha opinião sobre o assunto:

Que até ao fim do 3º ciclo os computadores só estejam presentes no processo de aprendizagem durante a frequência de disciplinas de informática. vou mais longe, ao contrário da política, deveria ser proibido nas escolas fora dessas disciplinas o uso de qualquer computador por parte dos alunos, salvaguardando claro as situações como pesquisa bibliográfica de bibliotecas e afins.

Rolando Almeida disse...

Nada mais errado e preconceituoso. Pertenço a uma geração que brincou na rua, que desenvolveu a "formação da percepção do outro" e, no entanto, pelo que se prova, não passa de uma geração de canhestros. É uma geração de ousados sim, mas para o disparate e frivolidades. Um contra exemplo é que a esmagadora maioria das crianças que hoje são adultas brincaram na rua e pelo menos para já não consta que sejam adultos exemplares.

Anónimo disse...

Rolando:

Os computadores utilizados desde muito cedo a substituirem outros métodos atrofiam as crianças, estas precisam de aprender a ler, escrever e contar tudo pelas cabecinhas dela e com as mãozinhas delas, para apurarem a caligrafia, a letra e corrigirem os erros.

Depois quando forem mais velhas sim, venha o computador, o que estamos a fazer com os magalhães e afins é privar as crianças de um esforço que devem ter para aprenderem conceitos e regras elementares como a tentativa e erro e a memorização prática.

Quanto à socialização, não tenha dúvida que a rua ensina muito mais que os magalhães dentro de quartos e salas onde estão isolados quase todo o dia.

Somos bombardeados com modernices que de moderno não têm nada, só atrasam a vida, computadores para nos ajudar sim, para nos substituir de pensar e viver não!

Leonel Morgado disse...

Esta opinião, como tantas outras "anti-computadores" é um exemplo clássico de como o senso comum pode estar errado - como quando pensa que o Sol anda em redor da Terra.

De facto, retire-se "o computador" e ponha-se "os livros" e imagine-se esta argumentação... Era a argumentação de "nem pensar nas letras e números antes dos 6 anos", que hoje se sabe falsa. Era a argumentação do "não leias tanto que ficas doido como o D. Quixote", que ainda se ouvia muito em Portugal nos anos 70..

Sabe-se hoje, graças à investigação neurológica do Prof. Castro Caldas, que o que fazemos em crianças afecta a forma de funcionamento do cérebro em adulto. Que aprender a ler em criança afecta a forma como fazemos outra coisas - não apenas ler - em adultos.
Os computadores são uma ferramenta potentíssima para organizar e apoiar a nossa forma de pensar. Quem não os contactou em criança não tem noção da diferença de visão do mundo entre si e os jovens de hoje - a não ser que esteja preparado para aceitar outras formas de pensar como possíveis e válidas... Mesmo na visão matemática do mundo, como já muitos investigadores se surpreenderam, ao não encontrar certas compreensões mas a dar de cara com outras... enfim...
O que há que evitar é sedentarismo em demasia. Mas isso tanto é verdade para os computadores como para os livros e a escrita!
E claro que há um aspecto... tudo o que diz o Prof. Godinho sobre o uso de um computador é ridiculamente limitativo em relação ao uso REAL que se faz hoje... ele vê o computador como o vêem as pessoas que aprenderam primeiro com papel, que formataram a visão do mundo dessa forma. Não está mal, mas não acho bem impor essa forma como "a certa" só por ter sido a dele...

Rolando Almeida disse...

Anónimo,
Os médicos pertencem a uma classe com formação universitária e com efeito parece que não apuraram a caligrafia e toda a gente aceita pacificamente que escrevam de forma verdadeiramente ilegível. Não creio que o seu argumento seja muito bom. O problema das criancinhas não são os computadores, mas o que fazem com eles, tal como não são os cadernos, mas o que fazem com eles. Senão, diga-me lá a diferença entre dar de mão beijada um computador a uma criança ou dar um caderno??? Para ambos os casos a criança tem de aprender.O argumento do autor do texto é preconceito, na linha de Virilio, outro preconceituoso em relação ao uso que podemos fazer da tecnologia.

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