sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
PORTUGAL E A ROYAL SOCIETY
Minha crónica no semanário "Sol" de hoje (revista "Tabu"):
Este ano, a Royal Society de Londres, a Academia das Ciências do Reino Unido e a mais antiga academia do seu género ainda em actividade, está a comemorar os seus 350 anos. Com efeito, foi em 28 de Novembro de 1660 que uma dúzia de sábios decidiram fundar um “colégio para promover a aprendizagem físico-matemática experimental”, reconhecido dois anos depois pelo rei Carlos II (o marido de Catarina de Bragança).
Logo em 1668 era eleito o primeiro membro português, António Álvares da Cunha, guarda-mor da Torre do Tombo e pai de D. Luís da Cunha, que haveria de ser embaixador em Londres no tempo do rei D. João V. Ao longo dos séculos XVII e XVIII os livros de assentos da Royal Society incluem 22 nomes portugueses. O 10.º foi o Marquês de Pombal, que, tal como D. Luís da Cunha, foi embaixador português na capital britânica. Decerto que a sua entrada como fellow, em 1740, foi mais uma gentileza diplomática do que o reconhecimento do mérito científico do nosso futuro primeiro-ministro. Já o mesmo não se pode dizer do português eleito no ano seguinte: Bento de Moura Portugal, um dos nossos maiores físicos e engenheiros (foi comparado a Newton por um sábio alemão da época: "depois do grande Newton em Inglaterra só Bento de Moura em Portugal”).
Moura Portugal, apesar de irmanado ao Marquês nos anais da Royal Society, foi uma das numerosas vítimas do regime pombalino. Acusado por carta anónima de nutrir simpatia pelos Távoras, acabou por falecer, no forte da Junqueira, em 1760, ao fim de dez anos de cativeiro em condições miseráveis, que o levaram à loucura e até a uma tentativa de suicídio. De nada lhe valeram os notáveis serviços que prestou à coroa, nomeadamente na área das obras hidráulicas. Nem a invenção de uma “máquina simples de fogo”, um tipo de máquina a vapor, que foi demonstrada em Belém perante a família real em 1742 e divulgada mais tarde ao mundo científico pelo engenheiro inglês John Smeaton, o “pai” da engenharia civil, precisamente nas Philosophical Transactions, a revista da Royal Society.
Na sua minúscula cela nos cárceres da Junqueira, onde também padeceram os Távoras, Moura Portugal ainda conseguiu papel, pena e tinta improvisados (o papel era pardo e untado, a pena um osso de galinha e a tinta um preparado de ferrugem) para escrever secretamente algumas notas que haveriam de sair postumamente, 61 anos mais tarde, num livro intitulado “Inventos e varios planos de melhoramento para este Reino”. Que o melhoramento do Reino foi difícil, devido entre outras causas à falta de cientistas e de outros livres pensadores, é mostrado pelo facto de, ao longo dos séculos XIX e XX, só ter sido acrescentado mais um nome português ao livro de fellows da Royal Society!
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
ESTUQUE
Por A. Galopim de Carvalho Uma das utilizações do gesso, a um tempo técnica e artística, vem de longe e materializa-se no estuque, produto...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
Cap. 43 do livro "Bibliotecas. Uma maratona de pessoas e livros", de Abílio Guimarães, publicado pela Entrefolhos , que vou apr...
2 comentários:
Afinal, o Marquês de POmbal não era assim tão bronco como se tem pretendido fazer crer: ainda deu para ser o 10º membro português da prestigiada e presigiante Royal Society. Quem diria! JCN
Em Nespereira, no concelho de Gouveia, ainda existe o solar, com capela, de Bento de Moura Portugal, neto do marquês de Castelo Rodrigo, Cristóvão de Moura, o diligente embaixador de Filipe II para a anexação de Portugal. Impunha-se promover a sua classificação como imóvel de interesse público ou mesmo até de monumento nacional. E porque não? JCN
Enviar um comentário