sábado, 27 de fevereiro de 2010

NÓS IREMOS A JERUSALÉM


Novo texto do historiador João Gouveia Monteiro sobre uma outra grande derrota militar (saiu no dia 19 de Fevereiro no "Diário de Coimbra"):

A história passa-se no Egipto e na Tunísia, no séc. XIII. O protagonista é o rei de França, Luís IX, conhecido por São Luís, monarca emblemático da história francesa (na fachada principal da basílica do Sacré Coeur, em Paris, é ele quem aparece representado em estátua equestre, ao lado de Joana d’Arc).

Nos finais do séc. XI, a Igreja, saturada da indisciplina dos senhores feudais, tinha lançado o projecto das Cruzadas. A ideia era canalizar para a Síria-Palestina a energia destruidora dos cavaleiros, propondo-lhes um ideal muito mais nobre: a conquista dos Lugares Santos, então nas mãos de Árabes e de Turcos. A Primeira Cruzada (1097-1099) foi um sucesso e permitiu recuperar Jerusalém. Mas as seguintes foram um fiasco e uma delas redundou mesmo na pilhagem da maior cidade cristã do Mundo (Constantinopla, em 1204)!

São Luís (rei entre 1226 e 1270) era um bom diplomata, um excelente administrador mas também um monarca bastante piedoso. Em 1248, resolveu encabeçar a Sétima Cruzada, que dirigiu contra o Egipto por considerar que era no Cairo que residia o verdadeiro poder do Islão. Reuniu 25.000 homens que embarcaram em Aigues-Mortes (pequena cidade do sul da França onde o rei criou um sistema de canais ligando o rio Ródano ao Mediterrâneo). Em meados de Setembro, a hoste, transportada em navios genoveses, aportou no Chipre e passou aí o Inverno. Em inícios de Junho de 1249, os Cruzados atacaram finalmente Damieta, no Norte do Egipto. Animados com o sucesso, recusaram as ofertas generosas do sultão egípcio, que prometia devolver Jerusalém, Ascalon (a norte da faixa de Gaza) e o território a leste da Galileia aos cristãos, caso estes retirassem. Em Novembro, os Cruzados avançam e, em Fevereiro de 1250, faz agora precisamente 760 anos, cruzam o rio Nilo num vau. Mas, logo a seguir, um irmão de São Luís desobedece à ordem de espera para reagrupar e conduz a vanguarda francesa por um combate desastroso nas ruelas da fortaleza de Mansurá. O destroço é grande e a Cruzada sobrevive a custo. O novo sultão acorre e os muçulmanos fazem tudo para debilitar o exército cristão. Carente de alimentos e munições, enfraquecido pela doença, o exército cruzado acantona-se entre Damieta e o Cairo. Em Abril, junto a Sharamsah, São Luís é encurralado pelos Egípcios e rende-se. Um mês depois, seria libertado contra a entrega de Damieta e o pagamento de um avultado resgate. Uma trégua de 10 anos seria também concluída com os temíveis Mamelucos, que então tomaram o poder no Egipto. Derrotado, São Luís não quis todavia regressar a França sem fazer nada de útil à causa dos Cruzados. Passaria os quatro anos seguintes na Síria-Palestina, reorganizando o governo dos territórios latinos que subsistiam e restaurando as fortalezas francas da região (Acre, Jafa, Cesareia e Sídon).

Depois sim, regressou a França, mas em 1270 voltou a tomar a cruz e conduziu a Oitava Cruzada, que se desmembrou logo na Tunísia, vítima de uma epidemia de disenteria ou de tifo que roubou a vida ao próprio rei. Segundo as crónicas, São Luís teria murmurado, na noite que precedeu a sua morte, estendido num leito de cinzas espalhadas em forma de cruz: “Nós iremos a Jerusalém”

João Gouveia Monteiro

2 comentários:

Anónimo disse...

Que falta de humor, que é o sal da inteligência! JCN

Anónimo disse...

Q8uem nos impede de ir também... a Jerusalém e deixar uma cartinha no muro das lamentações?!... Quem de nós aliás não possui uma costela judaica?... JCN

UM TIPO CENSURA DE LIVROS AINDA SEM DESIGNAÇÃO

Não sabemos ao certo, mas podemos colocar a hipótese, muito plausível, de a censura da expressão humana, nas suas mais diversas concretizaçõ...