segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Estatuto da Carreira Docente: remendos novos em pano velho

“Leva tempo para alguém ser bem sucedido porque o êxito não é mais do que a recompensa natural pelo tempo gasto em fazer algo direito” (Joseph Ross, 1878-1948).

Escreve Daniel Sampaio, no início da sua crónica “Escolas: e agora?”, o seguinte: “Todos estiveram de acordo que foram positivos os resultados alcançadas pela negociação entre o Ministério da Educação (ME) e os sindicatos de professores. O entendimento foi possível pela mudança de atitude dos intervenientes e pelo estilo de negociação: ficou claro que a ‘pressão’ de muitas horas de discussão consegue melhores resultados do que o adiamento sucessivo, pois a pausa entre reuniões reforça os argumentos de cada parte e conduz à não tomada de decisões conjuntas” (Revista "Pública", 24/01/2010).

Mas, porque nada se repete na vida exactamente da mesma forma, até porque alguns dos seus intérpretes são outros, embora um tanto ou quanto diferente do desfecho do polémico “Memorando de Entendimento”, assinado entre o Ministério da Educação e a Plataforma Sindical (02/04/2008), que mereceu o repúdio quase generalizado da classe docente, o facto de ter havido organizações sindicais que não assinaram este “Acordo de Princípios” (que eu definiria, procurando respaldo pessoano, como “uma coisa em que está indistinta a distinção entre nada e coisa nenhuma”), põe em causa o optimismo de Daniel Sampaio quanto aos resultados nele alcançados, quando escreve, com indisfarçável optimismo que, e volto a citar, “todos estiveram de acordo que foram positivos os resultados alcançados pela negociação entre o Ministério da Educação (ME) e os sindicatos de professores”.

Mesmo que à voloiseau, uma visita por inúmeros posts de blogues, e respectivos comentários dos chamados Movimentos Independentes de Professores (v.g., Movimento Mobilização e Unidade dos Professores e PROmova) não espelham, de forma alguma, um clima de festa, de contentamento ou, apenas, de mera concordância com a opinião do autor da crónica em causa. De igual modo, o blogue de Paulo Guinote, “A Educação do meu umbigo”, não lança foguetes a anunciar os festejos. Bem pelo contrário!

Procurando uma opinião de quem não estivesse directamente envolvido nesta querela, encontrei-a em Inês Pedrosa ao pôr, em sérias dúvidas, que esta desgastante tarefa negocial se tenha ficado por aqui ao escrever, com o título, "Agora os alunos, por favor”: “Esperamos que [a saga] tenha terminado mesmo, apesar das ameaças não veladas do secretário-geral da Fenprof à saída da árdua maratona negocial” (“Expresso”, 26/10/2010). Por seu lado, Isabel Alçada lança, urbi et orbi, o aviso de que “o país estará sempre à frente dos interesses de uma classe” (id.; ibid.).

Mesmo antes da nomeação de Ana Maria Bettencourt (em finais de 2008), vinda da docência da Escola Superior de Educação de Setúbal, para a presidência do Conselho Nacional de Educação, ocorrência que poderia levar a pensar num possível favorecimento às Escolas Superiores de Educação, pareceres deste órgão colegial vieram reforçar e até ampliar a intenção em dar a estes estabelecimentos de ensino um estatuto em desacordo com a génese que presidiu à respectiva criação. Ou seja, apenas a formação de educadores de infância e professores do 1.º ciclo do ensino básico (antigo ensino primário), apenas com a atribuição do grau académico de bacharel ofendendo, uma vez mais, com a pressão despudorada de certos sindicatos, os direitos dos professores licenciados por universidades antes do chamado Processo de Bolonha.

Assim, à largura de toda a página, foi publicada a seguinte notícia: “Parecer provisório do CNE defende que as Escolas Superiores de Educação formem professores do ensino secundário” (“Público”, 30/01/97). Este parecer atentava contra uma longa e exigente formação científica dos professores do ensino secundário, pondo em risco a sua tradicional formação universitária. Como escrevi, avant la lettre, em artigo de opinião, havia já na altura “licenciados pela Faculdade de Letras de Coimbra que nem sequer tiveram acesso ao respectivo estágio pedagógico, desencadeando uma crise que pode pôr em causa a sobrevivência da própria escola” (“Correio da Manhã”, 16/06/1996).

Existe, agora, o perigo da Fenprof e outras organizações sindicais poderem pensar que têm as vela enfunadas em ventos de feição pelo facto de a actual ministra da Educação Isabel Alçada ser professora da Escola Superior de Educação de Lisboa, ter sido dirigente da Fenprof e poder estar mandatada superiormente para desfazer, a qualquer preço, a má impressão deixada pela teimosia da sua antecessora Maria de Lurdes Rodrigues que tanto prejudicou a classe docente do ensino não superior, podendo até ter feito com que o Partido Socialista, nas ultimas eleições legislativas, tenha perdido a maioria absoluta. Ora, como diz o povo, "gato escaldado de água fria tem medo".

Por outro lado, devido à longa e extenuante maratona de negociações pela madrugada fora, com o estômago dos intervenientes mitigado por refeições leves e apressadas, tudo leva a crer que os sindicatos, que assinaram o “Acordo de Princípios”, não terão convencido a equipa ministerial pela força da razão, mas mais pela força do cansaço. Receio, portanto, que ao contrário do defendido por Joseph Rossi, se não tenha assistido, de nenhuma forma, a uma “recompensa natural pelo tempo gasto em fazer algo direito”. Depois desta “pacificação”, que tratou pela rama assuntos importantes, receio que ela torne os professores reféns de sindicatos que “para tudo isto têm dado uma eficaz mãozinha, não raro intervindo, com desenvoltura, em áreas que não são, nem da sua vocação, nem da sua competência", como escreveu Eugénio Lisboa (“Jornal de Letras”, n.º 964).


A finalizar a sua crónica, em atitude digna de todo o apoio, defende Daniel Sampaio oito pontos essenciais para, em sua opinião, melhorar o sistema de ensino. Ou seja, a condição sine qua non de “nos centrarmos no essencial: ensinar os alunos”. Porém, esta problemática transcende o âmbito dos dirigentes sindicais, entre outros motivos, pelo simples facto de muitos deles se terem tornado profissionais da actividade sindical deixando de ter durante décadas, e por completo, contacto com a docência, visto a sua agenda estar preenchida com questões meramente laborais. Aliás, como é da competência sindical.

Assim, para que os professores possam ser ouvidos a uma só voz, não pode ser deixada à Fenprof e a outros sindicatos a assunção do papel que devia estar, de há muito, a cargo de todos os docentes - a exemplo de outras actividades profissionais de natureza pública -, mas que tem sofrido uma feroz contestação por parte daquela federação sindical, que chega ao ponto de defender que a elaboração do código deontológico da classe deve ser da sua competência e responsabilidade, indo "o sapateiro além da chinela". Claro que estou a referir-me à urgente e inadiável criação de uma Ordem dos Professores para que os docentes, devidamente titulados como professores, deixando, assim, de ser “um arrebalde de si próprios”, como diria Pessoa, não sejam havidos como simples mercenários do ensino em genuflexão aos pés do trono do rei Midas.

Sem desmerecer a sua real importância, mas, por outro lado, em nome do reforço do prestígio da classe docente, não devem estes profissionais ater-se a meras e intermináveis discussões de mais ou menos euros no fim do mês ou de mais ou menos horas de serviço lectivo semanal. Parafraseando o Vate, “outro valor mais alto se alevanta”: um ensino de qualidade ao serviço incondicional da sociedade portuguesa.

15 comentários:

Carlos Pires disse...

Rui Baptista:

Discutir as horas de aulas semanais e os euros no final do mês tem reflexos directos na qualidade do ensino.
Mais horas = mais alunos, mais testes para corrigir, menos horas para ler e preparar aulas.
Mais alguns euros no final do mês e possibilidade de pagar a alguém para fazer os trabalhos domésticos = mais horas para ler e preparar aulas.
Seja como for, receio que estas negociações não tenham tocado em questões salariais - pelo que continuarei a ser eu a aspirar a casa e arrumar a cozinha.

Mas tem razão ao dizer que o acordo não chegou ao essencial.
Discutiram-se as quotas de Bons e Excelentes, mas não os critérios para determinar quem deve ter Bom ou Excelente, para não falar em Insuficiente ou Suficiente. A esse respeito vale a pena ler esta opinião , infelizmente minoritária.
E não se falou daquilo que está a destruir o trabalho dos professores e a aprendizagem dos alunos. Dois exemplos.
Não se falou do regime de assiduidade dos alunos, que promove o absentismo (contrariamente aquilo que o governo diz) e que enterra os professores em papelada e formalismos sem real impacto na aprendizagem dos alunos.
Não se falou da falta de exigência e da ausência de exames nacionais na maior parte das disciplinas e ciclos de ensino (e do do facilitismo daqueles que existem) que a influência do "eduquês", com o apoio muito activo do anterior governo, tem originado.

Infelizmente, o facto dos sindicatos não falarem disso não se deve apenas à falta de visão dos seus dirigentes, mas exprime as opiniões e atitudes da maioria dos professores.
Mudar não será por isso fácil - mesmo que a ministra da educação não seja arrogante e autista como Maria de Lurdes Rodrigues nem 'insonsa' e sem ideias próprias como a actual.

Nan disse...

Acredito que o acordo tenha sido o que foi possível. Mas o ambiente nas escolas está muito mau, houve muitas pessoas que fizeram e disseram coisas que agora não podem retirar e ficou uma desconfiança latente nas salas de professores. Os alunos foram contagiados pelo ambiente anti-professor e estão convencidos de que podem fazer não importa o quê porque nada lhes pode acontecer - e têm razão. Muitos pais foram contagiados pelo mesmo ambiente e vão à escola pedir satisfações porque o professor ralhou com o filhinho - ou seja, os pais que não educavam os filhos, esperando que a escola o fizesse, agora nem educam os filhos nem deixam que a escola o faça.
Os professores estão afogados em papelada inútil. Criaram-se pequenos poderes na escola que frequentemente descambam em pequenos despotismos que não matam, é verdade, mas massacram.
Estragar o que havia foi fácil. Fazer de novo qualquer coisa que se pareça com um sistema de ensino vai demorar um bocadinho mais...

José Batista da Ascenção disse...

Caro Rui Baptista:
E para que servia uma Ordem?
O que fazia essa Ordem com todos os que são professores (!?) mas nunca puseram os pés numa universidade? Ficava uma Ordem só de alguns (eventualmente menos de metade?) dos professores?
O mal está feito... E agora, como remediá-lo?
Aqui há uns anos, quando foram revistos os actuais programas de Biologia/Geologia do ensino secundário procurei estudar os seus esboços prévios e, assarapantado com o que se propunha, tentei, através da Ordem dos Biólogos, então recentemente constituída, chamar a atenção para algumas barbaridades. E o meu espanto e a minha dor tornaram-se maiores quando a tal Ordem (que para mim se transformava numa desordem) deu cobertura àqueles programas. Só me coube devolver-lhes o meu cartão. resultado é conhecido. Até então não tínhamos um problema com o ensino da biologia. Agora as piores classificações dos exames do ensino secundário são precisamente da biologia! Mas não há ninguém que assuma responsabilidades, conquanto elas existam...
E depois, as Ordens começam a ser tantas que me admira que não haja também uma para os sapateiros...
A fazer um organismo não sindical para representar professores não podia arranjar-se outra palavra que não "Ordem" ou "Liga" ou outra igualmente gasta?
Acredite que o que deixo escrito não traduz pouco respeito por si nem pela sua luta.

Anónimo disse...

Daniel Sampaio, por muito respeito que eu tenho por ele, está confundido. O essencial da Escola é ter professores motivados que possam se centrar nos seus alunos. E as relações laborais pesam com algum peso nesta questão. Ou o tempo de trabalho. Ou a auto-auditoria constante presente na super-burocratização do ensino.
Os problemas maiores do ensino são: indisciplina e/ou estatuto do aluno(mais ligeiro e mais rígido, penalizando a assiduidade e maior poder na sala de aula ao professor), o currículo e os programas(eliminação de algumas aberrações horárias no 2º e 3º ciclos, programas mais consistentes e adaptados aos níveis etários, remodelação de algumas parvoíces no secundário ) e a avaliação de alunos ( exames nacionais a todas as disciplinas no 9º ano, a LP e Mat no 6º ano).
Também se deve intervir no caos "bolonhês" do novo percurso criado para formar professores. E isso não se resolve com provas de acesso ou criação de Ordem de PRofessores. The damage is done beforehand...

António Silva

Rui Baptista disse...

Rectificação:

Na antepenúltima linha, do penúltimo §, onde escrevi "arrebalde", deverá ser feita a rectificação seguinte: "arrabalde".

Só hoje ao ler, novamente, o meu post me dei conta desta gralha. As minhas desculpas ao leitor.

Rui Baptista disse...

Caro Carlos Pires:


Começo por lhe agradecer o amável e lúcido comentário.

Como costumo dizer, a seiva dos post’s, aquilo que os vivifica, reside nos comentários que lhes são feitos com a intenção honesta de discutir pontos de vista que tanto podem ser de acordo ou não. Por vezes, esse acordo nem sempre é muito evidente por deficiente comunicação entre quem escreve e quem lê os textos. Assumo a responsabilidade que me possa ser imputada neste contexto.

Foi minha intenção (caso contrário, estaria a demonstrar um desprezo hipócrita por “aquilo com que se compram os melões”, como se dizia na gíria da minha juventude: o dinheiro) salvaguardar o aspecto material que subjaz em todas as profissões. Aliás, isso mesmo o escrevo na 1.ª linha do último parágrafo do meu post, iniciando-o da seguinte forma: “Sem desmerecer a sua real importância (…)”.

Igualmente, não desmereço essa importância no que respeita às horas de trabalho semanal que, como diz, têm um papel fundamental para que a sua sobrecarga não se reflicta negativamente nas tarefas ingentes que esperam o docente como, por exemplo, preparar as aulas, ver testes, etc. Talvez, eu devesse ter dado mais ênfase a este aspecto em que a minha preocupação foi deixar explícito que nem só de pão vive o homem… Assumo, portanto, que o meu objectivo não tenha atingido o alvo em chamar a atenção, de forma bem vincada, que a nobreza do magistério não se pode confinar a aspectos laborais a cargo, esses sim, da estrita competência sindical. E quando os sindicalistas querem ir (ou vão) além da chinela borram a pintura.

Diz, e muito bem, que o acordo não estabeleceu critérios de avaliação. Nem podia estabelecer numa sociedade igualitária em que se substituiu a meritocracia pela mediocracia. Tempos atrás, um sindicalista de topo dizia na televisão que na classe dos professores, uns eram excelentes, outros menos excelentes! Talvez seja bom lembrar-lhe o que a respeito escreveu William Arthur Ward: “O professor medíocre diz, o bom professor explica; o professor superior demonstra e o grande professor inspira”. Há que ter a coragem em dizê-lo, encontrando valiosa aliança em Platão: “A pior forma de desigualdade é tentar fazer duas coisas diferentes iguais”.

Prossigo em outros aspectos que levantou. Mas, entretanto, quero pôr em evidência a sua chamada de atenção quando alvitra:”A esse respeito vale a pena ler esta opinião”. Li, apreciei e reflecti sobre a opinião- post da autoria de Sara Raposo.

Mas seja-me permitido destacar o muito interesse do comentário por ela feito em resposta a um comentário, e que transcrevo: “Há bons e maus profissionais em qualquer classe, a dos professores não é excepção. Só que para alguns o discurso fraterno em que somos todos iguais é uma hipocrisia preferível à análise da realidade” (11/ 01/2010, 23:11).

Não o tendo como heresia, sob o meu ponto de vista, a avaliação dos professores sofre de raiz a contestação dos medíocres para que a sua mediocridade não seja tornada pública, embora reconhecida por todos os que com eles convivem.

Ademais, elencou, ainda que pela rama que um comentário consente, inúmeros vícios do nosso sistema de ensino: o paradoxo de alunos que faltam às aulas como se estivessem presentes; a burocratização dos professores tornando-os em verdadeiros escriturários sem a contrapartida de os escriturários darem “aulas” que aliviem a tarefa docente; a ausência de exames, ou quando existem sem um mínimo de exigência; o EDUQUÊS, etc.

Anotei e subscrevi esse elencar de razões para o mau estado do nosso ensino que faz com que, por vezes, se continue a discutir o sexo dos anjos mesmo depois dos turcos já não se encontrarem à porta de Constantinopla: invadiram a cidade do saber, da responsabilidade, da dignidade numa acção devastadora que levará muito tempo a contrariar se os professores dissidentes deste lamentável “statu quo” continuarem a lutar sozinhos numa causa que deveria arregimentar todos os que da situação discordam em surdina, deixando correr o marfim.

Rui Baptista disse...

Nan:

Julgo que encontrará no meu comentário a Carlos Pires muitas respostas aos problemas levantados por si no que se refere aos problemas de que enferma a nossa Escola(talvez deles, os directos responsáveis pelo estado a que se chegou: uma escola que não ensina). Os pais demitiram-se de educar os filhos. Mas pior do que isso, pedem satisfações aos educadores que o fazem.Mas há que assumir responsabilidades: tempos houve de desvario em que os professores incitavam os alunos a pôr em causa a autoridade paternal. E, como se costuma dizer, quem "semeia ventos colhe tempestades" que incidem, hoje, por quem não têm qualquer culpa no cartório, pagando o justo pelo pecador.

Como diz, estragar é fácil. Demora é tempo para reparar o mal feito. Mas há que começar por algum lado: o seu contributo preconiza e defende isso mesmo.

Fartinho da Silva disse...

Com esta gente no leme, não há rigorosamente nada a fazer! Temos que perceber de uma vez por todas que a "escola" pública não é dos professores, não é dos alunos, não é da sociedade, etc.,etc.! A "escola" pública é do lobby das "ciências" da educação.

A "escola" pública existe para garantir a existência do lobby das "ciências" da educação.

O trabalho dos professores tem como missão, justificar o emprego de terceiros - lobby das "ciências" da educação;

O trabalho ou a falta dele por parte dos alunos tem como único objectivo justificar os papers escritos pelos membros do lobby das "ciências" da educação.

Os encarregados de educação, servem apenas para ter filhos e pressionar os professores a seguirem a doutrina das "ciências" da educação.

Caro Rui Baptista,

O lobby das "ciências" da educação NUNCA permitirá a criação de uma Ordem de Professores se não a COMANDAR.

Rui Baptista disse...

Caro António Silva:

O caos “bolonhês”, como sabe, teve génese na atribuição do grau de licenciado ao fim dos 3 anos lectivos de estudos superiores, quer universitários, quer politécnicos, apesar de nos países de língua inglesa esse diploma ter, apenas, a designação, de “bachelor” (bacharel).

Por outro lado, o usufruto, por inteiro ou amputado, desse grau académico (por se tratar de uma licenciatura universitária de antes ou depois de Bolonha) trouxe uma confusão enorme que quase obriga os interessados a andar com um livrinho na algibeira em português, e traduzido para as outras línguas da Comunidade Europeia, para deslindar toda esta confusão criada pela pressão sindical que movimentou os cordelinhos para que, por exemplo, a habilitação para a docência passasse a ser um mestrado pós- Bolonha, quer se trate do ensinos infantil, 1.º, 2.º e 3.º ciclos do básico ou secundário.

Como escreve, “the damage is done beforehand” aos transformarem-se os antigos e prestigiados cursos médios de formação de professores (v.g., escolas do antigo magistério primário) em escolas superiores de educação da noite para o dia com a autorização de um simples papel com a chancela governamental. Num dia eram escolas médias, mas assim como a lua transforma os homens em lobisomens, no dia seguinte surgiam como escolas superiores. E qual cereja em cima do bolo do facilitismo, mandaram-se professores licenciados do respectivo quadro docente para Boston para em 3 meses surgirem no torrão natal com o grau de mestre para proverem o respectivo corpo docente de professores-adjuntos.

Quanto às provas de acesso à docência (que já foram, por pressão sindical, abolidas em certas situações) têm, pelo menos, a vantagem de aferir o domínio mínimo da língua portuguesa, evitando que professores cometam erros de palmatória quando manuscrevem um simples e pequeno texto no seu dia-a-dia.

Num país em que a antiga 4.ª classe de instrução primária não tolerava ou sancionava erros de ditado, através dessa triagem, evitar-se-iam, embora tardiamente, muitos atentados ao idioma de António Vieira que se reflectem dolosamente nos alunos de uma forma que se torna numa vergonha nacional.

Desta forma, se perpetuam direitos adquiridos “com ratos em cima do telhado e pássaros na cave”, como escreveu um poeta da pátria de Racine. Ou seja, em vez de ser tratada a doença da ignorância é ela fomentada para em termos estatísticos serem apresentados, para consumo interno e uso externo, um rol imenso de licenciados portugueses…que têm licença para serem ignorantes!

A questão da Ordem dos Professores será abordada num próximo comentário.

Anónimo disse...

Há um provérbio muçulmano que diz que de um rato não pode nascer senão outro rato. Das "ciências" da educação não poderia nascer senão esta insuportável mediocridade.

Um optimista desiludido.

Rui Baptista disse...

Caro José Batista da Ascenção:

A sua pergunta inicial, “E para que servia uma Ordem?”, levanta questões que me já têm feito reflectir sobre o meu entusiasmo inicial nessa criação. Pelo interesse de que se reveste, reservo-me, portanto, para a elaboração de um post sobre o assunto que continua a merecer as luzes da ribalta.

Desde já, um dos motivos encontro-o na sua admiração em “não haver, também, uma [ordem] para os sapateiros”, embora mais merecedores na sua arte que os remendões que infestam o nosso ensino.

Finalmente, por aquilo que transparece dos seus inúmeros, e benquistos, comentários anteriores, nunca me passaria pela cabeça que aquilo que escreve traduzisse “pouco respeito por mim ou pela minha luta”. De quando em vez, é salutar., até, que chamem a nossa atenção para pontos que merecem ser repensados de uma luta que tenho como útil, embora sem ser remédio eficaz para todos os males de que sofre o nosso maltratado sistema educativo.

Rui Baptista disse...

Caro Fartinho da Silva:

E cá estamos ambos, outra vez, a malhar em ferro frio com a consciência tranquila de não pactuarmos , como escreve, com a gente ao leme de um sistema educativo que “retira qualidade e credibilidade a tudo o que faz” (parafraseando Medina Carreira) para ser coerente com os seus interesses, defendendo, de forma descarada ou subtil , que interessa ensinar bem (ou seja, de forma indelével) às nossas criancinhas e jovens os maiores disparates científicos, embora Lee Schulman (1986), com a sua reconhecida autoridade, seja o primeiro a criticar “o reducionismo às técnicas pedagógicas na concepção da formação e da avaliação dos professores”. Reducionismo que tem encontrado terreno úbere nas nossas escolas superiores de educação.

Se, como escreve, “o lobby das ‘ciências da educação NUNCA permitirá a criação de uma Ordem dos Professores se a não COMANDAR”, encontro razões de sobejo para a sua criação. Acrescento ao rol dos seus opositores, em declaração pública, a Fenprof na defesa de um monopólio que tutele uma grossa fatia dos professores sindicalizados em conquistas desajustadas numa democracia que preze o valor das pessoas. Mas pode ser, meu Caro Fartinho da Silva, que o ditado, “água mole em pedra dura, tanto dá até que fura”, seja cumprido com a força que lhe advém por ser havido com a “vox populi”.

Anónimo disse...

Como é que se distingue um professor medíocre de um professor não medíocre? Alguém sabe? Então, que ensine o governo a fazê-lo.

Rui Baptista disse...

Antes de ensinar o(s) governo(s) a fazer essa destrinça seria conveniente ensiná-los, de antemão,a resistir a pressões sindicais descabidas para servir os interesses das suas clientelas, como, por exemplo, o inicial Estatuto da Carreira Docente que transformou anões em gigantes e gigantes em anões.

E, principalmente, não permitir que aqueles que se continuam a intitular professores optem pelo dirigismo sindical como se de uma profissão se tratasse para toda a vida, até chegarem ao topo da carreira docente ou até encontrarem encontrar algo melhor . E o pior de tudo é quando dizem que o estão a fazer por “amor à arte” em prejuízo próprio.

Quanto a distinguir o professor medíocre do professor não medíocre, qualquer aluno o sabe fazer recordando mesmo com saudade os bons professores que teve durante o seu percurso escolar marcando-o pela positiva e aqueles maus que o marcaram negativamente. Agora um sistema educativo em que os governos permitiram que todos os professores chegassem ao topo da carreira, independentemente do seu valor, está a passar um certificado de competência a toda uma classe. Ora, como é sabido “quando a fartura é muita, o pobre desconfia”. Só quando houve a malfadada divisão entre professor-titular e professor foram os próprios docentes a chegarem à conclusão que os melhores, muitas vezes, foram ultrapassados pelos piores. E, só então, em plena vivência republicana, aqui d’El Rei!

Várias vezes solicitei publicamente a quem de direito dados estatísticos que informassem sobre a percentagem de professores que cumpridos os anos necessários não chegaram ao topo da carreira docente. Mas nada! Se essa percentagem não ultrapassar um dígito será a altura dos pais e da própria sociedade exigirem dos governos que avaliem os docentes de forma a que a docência não se identifique com o reino da utopia de ser uma profissão de excelência que só é abalada quando os media dão conta de meia dúzia casos escandalosos motivadores de processos disciplinares ou de cairem sob a alçada da justiça.

Quanto à maneira de proceder à avaliação dos docentes, eu excluo à partida que seja feita, exclusivamente, pelos próprios pares que hoje são avaliadores e amanhã poderão vir a ser avaliados por aqueles que avaliaram criando entre eles uma cumplicidade que não garante a necessária isenção.

Apenas uma pequena e muito modesta achega: o professor medíocre é aquele que falta por sistema, que não mantém a disciplina na sala de aula, cuja aprendizagem dos alunos não sofre evolução favorável, cujos conhecimentos científico, pedagógico e de cultura geral são deficientes, que se relaciona mal com os colegas e restante pessoal da escola, etc. É pouco, reconheço, mas o suficiente para indicar pistas a governos que, a este respeito, têm optado pelo facilitismo em deixar correr o marfim.

Entendi o seu comentário com muito útil pela polémica levantada sobre a avaliação dos docentes, com a ressalva de que essa competência deve ser da exclusiva responsabildade governamental. Eu, pela minha parte, sem pretender meter foice em seara alheia, limitei-me a exercer o dever de cidadania de ser uma voz, que bem ou mal, formulou uma opinião pessoal.

Anónimo disse...

1 - Benchmarking: Alguém quer indicar algum sistema de avaliação de professores praticado em alguma parte do mundo que distinga os bons professores dos maus professores?

2 - A indisciplina e a aprendizagem dos alunos dependem muito das condições sociais (cada caso é um caso), políticas (por exemplo, estatuto disciplinar do aluno...) e físicas (das escolas, salas de aula, recursos auxiliares, meios audiovisuais, informáticos, experimentais, etc); e dependem pouco dos professores, a não ser que dêem a cada professor aquilo de de que necessita para ser bom professor. Não é por acaso que uma das modalidades mais praticadas nas escolas é a fuga a certos anos de escolaridade (7º, 8º e 9º anos em geral), a certas turmas, ou a certos cursos (cef, profissionais, etc).

3 - Faltas e mau relacionamento. Não é esse o problema dos professores, nem o das escolas.

4 - Conhecimentos científicos, pedagógicos, e de cultura geral. Não é o que o governo quer valorizar. Vou dar-lhe um testemunho:
Um professor está a fazer um Mestrado na FCUP. A média das classificações obtidas nos exames que já realizou é 16 (máximo 20). O director da sua escola e o director do centro de formação de professores disseram-lhe que, com essas classificações, não terá excelente no domínio da formação para a avaliação do desempenho. Aconselharam-no a fazer 25 horas de formação no próprio centro, tipo colocação de voz, teatralização, uso de calculadoras gráficas nas aulas, operação de quadro interactivo ou outra coisa qualquer, em que facilmente terá 9,9 (máximo 10), para ser excelente. Esse professor (aliás, todos os professores) tem alguma culpa que quem inventou o sistema seja assim tão estúpido? E ainda acham que os professores não deviam estar revoltados? Quando se quer exigir tanto aos professores, é preciso dar-lhes condições para poderem corresponder à exigência.

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