quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Religião à portuguesa

Há qualquer coisa de bizarro no modo como a religião é vivida na cultura portuguesa. Vejamos: os mais importantes pensadores da religião cristã procuraram desde sempre distinguir a religião cristã, enquanto um sistema justificável e sofisticado de crenças verdadeiras, da mera crendice e da superstição. É verdade que podemos defender que, historicamente, esta atitude dos filósofos da religião teísta é meramente a continuação da atitude de Paulo, que precisava de vender o cristianismo a um povo civilizado e culto, no Império Romano, mostrando que o cristianismo era uma "filosofia superior" às filosofias pagãs, e não apenas uma crendice de povos ignorantes do deserto. Podemos argumentar, e é sem dúvida plausível, que a religião é intrinsecamente crendice, e que é na religião popular que se encontra a verdadeira religião, e não nas sofisticadas elucubrações dos mais importantes filósofos religiosos, de Agostinho a Tomás de Aquino, passando por Ockham e avançando até Leibniz ou até à actualidade, com Swinburne e Plantinga.

Apesar de tudo isto, a verdade é que há toda uma concepção sofisticada da religião, assim como toda uma tradição de discussão filosófica séria sobre estes temas. Ora, sempre que escrevo qualquer coisa neste blog tentando informar os leitores de tal discussão, tenho sempre uma reacção muito bizarra de alguns leitores crentes. A reacção varia entre a assunção de que realmente a religião é mera crendice popular, o que é uma afirmação surpreendente para um crente, e o protesto de que a religião está para lá do pensamento "logicista" — querendo com isto dizer o tipo de pensamento sofisticado e cuidadoso que é tradicional nesta área, tal como foi desenvolvido por Agostinho, Anselmo, Tomás ou Leibniz, para dar só uns exemplos.

O que pensar disto? Será que a religião à portuguesa tem de ser a religião da Titi do Raposão, que Eça descreve em A Relíquia? Uma religião feita de crendice e superstição? Um pensamento religioso hipócrita, sempre com medo que, ao pensar cuidadosamente, se descubra que afinal não há justificação defensável para a crença religiosa? Se for isto, é a suprema duplicidade intelectual: trata-se de afastar à partida a possibilidade de descobrir que a nossa crença religiosa é injustificável. Mas qualquer filósofo religioso diria que isto significa apenas que a fé destas pessoas é terrivelmente insegura: quem acredita realmente que a crença religiosa é justificável não tem medo de estudar cuidadosamente as bases de tal justificação, pois acredita firmemente que as vai descobrir.

Isto é deplorável, evidentemente. Mas é talvez surpreendente e informativo saber que uma razão para este tipo de atitude é... o cientismo. O cientismo é, em traços gerais, a ideia de que só a ciência e os métodos da ciência podem produzir resultados. De modo que se não vislumbramos tais métodos para discutir questões religiosas, se tudo o que vemos é a discussão aberta cuidadosa, com argumentos e contra-argumentos, objecções e refinamentos de posições, isso parece uma pura perda de tempo. Kant foi um dos primeiros filósofos a sofrer de cientismo e por isso declarou que todos os argumentos tradicionais a favor da existência de Deus eram meras ilusões, sendo intrinsecamente impossível provar se Deus existe ou não — o que ele queria dizer é que é cientificamente impossível provar tal coisa e não vale a pena andar com discussões estéreis. Acontece que esta posição é auto-refutante: pois se não se consegue provar cientificamente que Deus existe, nem que não existe, como raio conseguimos provar que não se consegue provar? Não é tal pretensa prova tão falha de cientificidade como qualquer tentativa de provar que Deus existe? Claro que sim. Essa pretensa prova é apenas um argumento tipicamente filosófico, tal como as provas tradicionais a favor da existência de Deus.

A procura da verdade provoca angústia a quem sofre de cientismo porque é tipicamente uma procura aberta, isto é, uma procura sem que tenhamos metodologias que garantam resultados. Esta angústia é um dos grandes disparates do nosso tempo, e o sistema de ensino em que estamos mergulhados tem muitas culpas no cartório. Muitas pessoas pensam que procurar a verdade só pode ser feito assim: vestimos uma bata branca, vamos para um laboratório, aplicamos as metodologias, e temos a garantia de obter resultados. Mas isto é apenas uma pequena parte da procura da verdade. Muitas vezes não sabemos sequer qual é a melhor metodologia; e não temos qualquer garantia de obter resultados. Que fazer, nessa circunstância? O cientismo diz-nos: abandona tal pretensão, pois só pode ser ilusão e sofisma. E assim a alternativa é um ateísmo ignaro ou a crendice da Titi do Raposão, que vê a religião apenas como uma espécie de masturbação espiritual, em que cada qual fala da fenomenologia da sua crendice, como se fosse a coisa mais interessante do universo.

Escusado será dizer, penso que as duas atitudes são insustentáveis e que se baseiam em confusão intelectual. Procurar a verdade é continuar a procurar mesmo que não tenhamos metodologias nem garantias. Procurar a verdade é pensar como pensamos normalmente, e não inventar sofistas sobre os limites do pensamento "logicista" — ignorando que, ironicamente, as únicas alternativas actuais ao pensamento "logicista" são precisamente as lógicas não-clássicas desenvolvidas nas últimas décadas, e não elucubrações sofísticas baseadas em jogos de palavras simplórios. Procurar a verdade é não deitar areia para os olhos das pessoas, não disfarçar um discurso redondo e circular com palavras caras e referências falsamente eruditas. Procurar a verdade é estudar quem discorda de nós, e não começar por escolher cuidadosamente os autores que dizem precisamente o que queremos ouvir, para depois os usarmos como a palavra final sobre o tema. Procurar a verdade é não impedir a discussão em curso pondo em causa os termos da própria discussão, sem qualquer razão convincente excepto o medo que temos de que tal discussão não justifique o que queremos justificar.

Finalmente, é importante dizer o seguinte: a generalidade das pessoas é incapaz de justificar adequadamente quer o seu ateísmo quer a sua crença religiosa. Isto é normal e não há qualquer problema com isso. Eu não sei justificar adequadamente a minha crença de que houve um Big Bang — não sou físico, não tenho os conhecimentos para isso. Faz parte da ciência e da filosofia a procura de justificação das nossas crenças mais básicas — por vezes descobrimos que têm justificação, outras vezes que não têm. Como somos muito limitados, quem sabe justificar o Big Bang não sabe geralmente justificar a sua crença ou descrença religiosa, e vice-versa. É conversando entre todos que podemos alargar a nossa compreensão das coisas. Mas isso exige que não se use a duplicidade intelectual para pôr fora de jogo tudo aquilo que à partida nos parece desfavorável às nossas crenças mais queridas. Estar disposto a abandonar as nossas crenças mais queridas é a condição de possibilidade da genuína procura da verdade.

96 comentários:

Anónimo disse...

Desidério
As adjectivações parecem-me a mais. Uma espécie de atitude de superioridade intelectual. E o último parágrafo não está de acordo com os restantes. Neste caso para melhor ou mais razoável.

João Vasco disse...

Estar disposto a abandonar as crenças não é o mesmo que abandoná-las.

Por exemplo, se derem boas razões para acreditar que o núcleo da terra tem diamante em vez de metal, os cientistas devem abandonar a crença de que o núcleo tem metal.

Devem estar dispostos a abandonar essa crença se surgirem boas razões, mas isso não quer dizer que a abandonem.

Isto é tão óbvio, que até é triste que tenha de ser explicado.

João Vasco disse...

"Devem estar dispostos a abandonar essa crença se surgirem boas razões, mas isso não quer dizer que a abandonem já, enquanto elas não surgirem."

João Vasco disse...

«Estar disposto a abandonar as nossas crenças mais queridas é a condição de possibilidade da genuína procura da verdade.»

Exactamente!

João Vasco disse...

A única coisa que discordo neste artigo é o "à portuguesa". Não se tenho boas razões para acreditar que noutras partes do mundo não existam as mesmas tendências que aqui são descritas.
São enviesamentos cognitivos que estão inscritos na psicologia humana, e em nenhuma parte do mundo a educação e a cultura conseguiu evitar totalmente.

Em todo o lado as pessoas tendem a proteger o seu lado da disputa com recurso às mais indefensáveis manobras de diversão, e a duplicidade intelectual é o "pão nosso de cada dia", seja em relação à religião, seja em relação à política, ao desporto ou a tantos outros assuntos.

Neste aspecto não tenho razões para pensar que Portugal ocupa um lugar de destaque.

Anónimo disse...

Caro Desidério;

Quanto à religão não tenho grandes questões, pois tenho ideia que as crenças se alimentam de si próprias e por inércia dessa tendencia irão sempre ser capzes de se re-explicar.

Quanto à ciência e à filosofia é que tenho dúvidas.

Atendendo à definição que nos dá de si própria, no dia em que nos explicar a ciência extingue-se porque nada mais terá para se questionar.

E a filosofia quando encontrar " a verdade"? Grita Eureka e faz o quê ?

Mariano

Anónimo disse...

A Religiosidade portuguesa é estranha às restantes porque não é Cristã mas Mariana. No resto é igual em todo o mundo, em toda a gente, não há assim tantas particularidades. Muda é a Intensidade na Vida própria e Colectiva.
Para comprender esta complexidade os filosofos modernos têm um pequenino problema : não sabem nada da Natureza. Não quero ser indelicado, mas custa-me a crer num filósofo que saiba quase nada dos mecanismos da Vida.É como construir um castelo com ideias de densidade zero.

Anónimo disse...

Não creio que as 'velas de pensamento crítico e de educação', desejadas por H. Kroto, varram alguma vez do mundo a panóplia de crenças infundadas nem a disparidade de ideias (ditas irracionais) com que nos 'arranjamos' (Gadamer) e nos entretemos.
Porque a autoregulação fisiológica que não dominamos e a vertigem do sonho que nos escapa continuarão a produzir, inexoravelmente, seres deste material indomável, dito de estrelas.
E porque a 'improbabilidade da comunicação' (G.Abamben) não deixará de nos afligir, restar-nos-á sempre alguma 'caridade interpretativa (H. Putnam)
E, haja paciência (Zé)

Fernando Dias disse...

Aspectos que em minha opinião dificultam a elucidação do debate sobre religião:

1 – Conceptuais.
O que está em causa é o relacionamento dos conceitos e redes conceptuais do pensamento para compreendermos o sentido do mundo. O sentido move-se no seio da linguagem que configura o nosso esquema conceptual. As conexões e relações conceptuais são reguladas normativamente dentro da teia linguística. Por exemplo, a psicologia empírica não consegue descobrir pela experiência se uma crença é um “estado mental” ou uma “disposição mental”, ou nem uma coisa nem outra. Isto é um problema conceptual. É certo que a explicação dos fenómenos e de como as coisas são no mundo é tarefa das ciências. Mas as questões do sentido, não a verdade ou falsidade empírica, é tarefa da filosofia. Mas a filosofia não pode fazer aproximações ao sentido da mesma maneira que as ciências fazem aproximações à verdade. A filosofia para determinar o sentido não pode produzir teorias com margem de erro, como faz a ciência. O que se deve perguntar é como sabemos se faz ou não sentido a existência de Deus. Isto só tem resposta no âmbito de uma investigação conceptual filosófica e não no âmbito de uma investigação empírica científica.

2 – Falácia representacional em relação ao mundo.
Não faz sentido pensar que nós conhecemos o mundo através da representação. É certo que tem sido difícil em filosofia e em ciência prescindir-se do modelo representacional do mundo. Mas o mundo como substância fixa e estável não existe. Mesmo que pudéssemos conhecê-lo por um acesso privilegiado, como por um golpe de magia, nós nunca o encontraríamos. O mundo em si mesmo é impermanente, é dinâmico, não tem qualquer substancialidade fixa. Por isso Deus também não pode existir. A permanência e a substancialidade é-lhe dada por nós apenas por mera necessidade de sobrevivência, e como estratégia heurística para construção do conhecimento. Assim, devemos fazer um esforço intelectual no sentido de perder a esperança ou a ilusão de um dia virmos a conhecer os fundamentos ou a essência da realidade tal como é pensada pelo realismo ingénuo.

3 – Falácia representacional em relação a nós.
Por exemplo, na ideia representacional, uma dor seria um estado mental, e a crença nela seria a sua representação. Mas não faz sentido dizer que se tem uma crença no sentir. Sente-se e não é preciso mais nada. Dizer que acredito na dor que tenho é uma aberracção conceptual. A realidade da existência da dor e o facto de ela ser sentida são a mesma coisa. O sentir não é nenhuma representação da dor.

4 – Ora isto tem a ver com os gnósticos, que para além de reivindicarem ser a raiz do verdadeiro cristianismo, dizem ter acesso directo ao mistério. Sentem a realidade mística como sentem uma dor, e pronto. Aqui a crença também seria uma aberracção. E esta? Parece que são estes que agora estão a provocar grandes dores de cabeça ao Vaticano. Não sei se é verdade ou não…

SATANUCHO disse...

hummm ....6ª linha do 2º paragrafo: falta lá um «É» para a frase fazer sentido , não?, ou será a moleza de fim de dia que me impede de pensar direito?

João Vasco disse...

« Sentem a realidade mística como sentem uma dor, e pronto. Aqui a crença também seria uma aberracção.»

Pode ser defensável que esse sentimento é como a dor, e que eles o sentem, mais do que acreditar que sentem.

Daí não se pode concluir que a realidade seja mística, pelo que isso acaba por ser irrelevante.
Ou seja: eles sentem a realidade mística, e por isso podem acreditar que ela o é. Mesmo que consideremos impossível que eles meramente acreditem que o sintam, é fácil alegar que eles meramente acreditem que o seja.

Um exemplo simples é o de ter a mão gelada e pô-la em água fria. Posso sentir calor, e esse sentimento não é falso. Mas é falso que a água esteja quente.


Quanto a tudo o resto, parece-me que o facto de não podermos abarcar a realidade não implica que ela não "exista", independentemente das nossas representações. Posso estar enganado, mas pelo que li pareceu-me que estava a ser estabelecida esta implicação.

João Vasco disse...

Ups! Reli melhor e não estava escrito nada daquilo que entendi. Mais vale ignorar o último parágrafo do meu texto anterior..

Desidério Murcho disse...

Caro Vasco

Acho que não me expliquei bem. Claro que em qualquer parte do mundo a religiosidade é vivida pelo comum das pessoas como crendice e superstição. Nesse aspecto somos iguais ao resto do mundo.

O que não acontece em Portugal é haver, entre os intelectuais e os académicos outro tipo de religiosidade que não seja a crendice saloia. A discussão sofisticada nunca ocorre porque foge sempre para o pé-de-chinelo: o "redutor", o "esgrimir de argumentos", o "logicismo", o cancelamento da discussão com sofismas da treta.

Veja-se o livro "O Regresso do Sagrado", que ocorre entre professores universitários portugueses. Só um deles mostra vontade em discutir argumentos; os outros fogem disso como o diabo da cruz e chamam nomes feios à discussão aberta. Enfim, uma miséria à portuguesa.

Em contraste com isto, posso indicar-lhe livros e artigos académicos de filosofia da religião em que ocorre verdadeiro debate, e muitos dos debatedores são pessoas religiosas.

Em suma: não me aflige que as pessoas comuns vivam a religião como crendice, mas é preocupante que não haja no país formas intelectualmente sólidas de discutir a religião. Mas, por outro lado, não há no país formas intelectualmente sólidas de discutir seja o que for, não é?

Desidério Murcho disse...

Santanucho: obrigado pela correcção. Tem razão!

Anónimo disse...

Muito bem. Apoiado. Pronto, já está. Podemos agora deixar-nos de discussão, religião e "filosofão" e passar à ACÇÃO?

Venho convidar-vos a participar nesta acção de divulgação da melhor das causas (o melhor do mundo são as crianças, como soi dizer-se): http://umjardimnodeserto.nireblog.com/post/2007/11/29/peticao-online-para-a-proteccao-das-criancas-em-portugal

Já agora, só um pequeno esclarecimento ao autor do texto, que talvez lhe venha a ser luminar, nessas suas queixas contra as reacções dos crentes:
1º. Enquanto cristão, estou muito pouco interessado em discutir religião e, ao contrário, muitíssimo interessado em perceber (do latim percipere: conhecer, ver, ouvir) Deus;
2º. Enquanto homem de Fé, estou muito menos interessado na elocuçaõ das questões humanas do que na acção sobre elas;
3º. Enquanto homem completo (racional, emocional e espiritual) posso ajudá-lo a fundamentar essa sua crença no Big-Bang, através de uma apresentação que tenho por aí guardada e que posso enviar-lhe (aos poucos, porque é um "PowerPoint" um bocadinho pesado). Esta apresentação pretende demonstrar a existência de uma enorme coerência entre a visão da ciência e a da religião.

Nota: Claro que só lhe enviarei os ficheiros componentes da apresentação que refiro se me comunicar (por email, p.ex.) ter interesse nisso.Ok?

Desidério Murcho disse...

Eu, enquanto português, também só me interesso por chouriço e vinho tinto.

Enquanto veraneante, só me interesso por praias e biquinis sugestivos.

Enquanto crente, só me interessa ouvir os suspiros de Deus quando se masturba às sextas-feiras à tarde: é divino!

E enquanto mulher só me interesso por homens de bigode.

O comentário do Zé de Portugal é o perfeito QED do meu post.

E já que vamos proteger as crianças, e que tal protegê-las da educação religiosa? A educação religiosa é equivalente à pedofilia, pois viola a autonomia e intimidade de crianças que não têm ainda a necessária maturidade para saber se querem ser religiosas ou não. Devia ser proibida por lei.

Anónimo disse...

Caro Desidério

As suas observações são injustas. Nos primórdios deste blogue foi o Desidério que mandou os comentadores aprendizes de filósofo estudarem a bibliografia básica antes de discutirem.

Posteriormente, noutro post mais recente, amuou e decidiu afastar-se do debate na caixa de comentários argumentando que era um filósofo profissional e era injusto discutir com amadores, que era necessário conhecer lógica modal para discutir, etc, etc.

De repente, dá-lhe na gana discutir filosofia da religião e distribui chibatada por tudo o que é ateu e crente, afirmando que não sabem discutir.

O que se passa, na minha modesta opinião, é que o pessoal não parece aderir aos termos da discussão e debate que o Desidério gostaria de lançar. Possivelmente, porque os crentes que andam pela caixa de comentários não olham a religião e Deus como um mero jogo intelectual. É mais uma forma de vida e não se muda de vida com uma troca de meia dúzia de mensagens nas catacumbas de um blogue.

Depois, a filosofia está muito desvalorizada na sociedade portuguesa, o que é uma pena, e os filósofos profissionais nada fazem para a valorizar.

Tal como na Igreja, em que os leigos terão de levantar a bandeira para o Cristianismo não definhar, se calhar no campo da filosofia são os aprendizes de filósofo como eu, pessoas ignorantes e incultas que terão de passar noites de insónia a fazer amor casto com a filosofia, que terão de carregar a cruz de tornar a filosofia popular dado que os filósofos profissionais passam o seu tempo a apelidar de bovinos os seres simples e pouco inteligentes.

Anónimo disse...

Caro Desidério

Diga-me que não pensou quando escreveu o comentário das 18:54. Que se excedeu na cachaça. Não gostaria de perder o respeito que tenho por si.

Carlos Medina Ribeiro disse...

Já que se fala de Eça (a propósito d' «A Relíquia» e da titi do Raposão), calhava aqui muito bem (se não fosse demasiado longo) outro texto do autor.

Refiro-me a «A Correspondência de Fradique Mendes», na carta a Guerra Junqueiro, a propósito das religiões e dos seus ritos.
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O texto da referida carta, pela sua extensão, não se presta bem a ser afixado em comentário.

No entanto, pode ser lido, dividido em 4 partes, em: [1], [2], [3], [4],

Desidério Murcho disse...

Olá, Parente!

Se uma pessoa quer reflectir cuidadosamente sobre x isso é necessariamente um mero jogo intelectual? Por que razão não pode ser um estudo cuidado e bem feito, uma procura honesta da verdade?

"É mais uma forma de vida e não se muda de vida com uma troca de meia dúzia de mensagens nas catacumbas de um blogue."

E aqui está o busílis: as reacções de defesa são precisamente porque as pessoas estão a proteger o seu modo de vida. Mas quem lhe disse que eu estou a querer mudar o modo de vida dos crentes? Trata-se apenas de dar a conhecer a filosofia da religião às pessoas -- e para minha surpresa quem não gosta disso são os crentes mais cultos. Isto não é surpreendente?

Eu compreendo que uma pessoa crente sem grande cultura possa desinteressar-se do debate filosófico, tal como não se interessa por ler Fernando Pessoa. E compreendo que um ateu se esteja nas tintas para a filosofia da religião. Mas acho surpreendente que uma pessoa culta e crente se esteja nas tintas para a filosofia da religião, inventando mil sofismas para sustentar a ideia peregrina de que discutir os problemas tradicionais e centrais desta disciplina é redutor e logicista. Enfim. É o país que temos -- ou a parvalheira que temos.

Desidério Murcho disse...

Olá, Carlos

Obrigado pelas referências ao Eça.

É natural que um não crente como Eça encare a religião como mera crendice, pensando que se não for isso, nada restará.

O que me surpreende -- bom, agora já não -- é que os crentes concordem com isso.

Os filósofos crentes estão convencidos de que há excelentes razões para pensar que Deus existe e para levar uma vida religiosa. Não pensam que a religião é crendice ou coisa nenhuma.

Anónimo disse...

"Mas, por outro lado, não há no país formas intelectualmente sólidas de discutir seja o que for, não é?"
Isto disse o Desidério. Portanto, o Desidério não é intelectualmente sólido. A não ser que seja o único. Segundo o comentátio, eu não o serei. Nem mais ninguém aqui. Uma cambada de ignorantes.
Por isso me retiro da discussão. Embora pudesse esperar que, à falta de algo intelectualmente sólido, a seriedade servisse para alguma coisa.
E, atendendo aó último parágrafo desse mesmo comentário, tenho de estar arrependido por ter contribuído para os meus filhos gostarem do Sporting, e ainda com igual ou maior influência da mãe segundo os casos, do Beethoven, do Salvador Dalí, da Teoria da Relatividade, ou deste país que não é da treta mas que nós transformamos no reino dela de cada vez que fazemos juízos assim generalizadores.
Estou azedo. Ponto final de parágrafo.

artur figueiredo disse...

Gerrit Komrij, destacado autor holandês da actualidade que reside no nosso país há mais de vinte anos, num documentário que passou recentemente numa televisão nacional, mostrava-se surpreso com a vivência religiosa dos portugueses que caracterizava como algo semelhante a uma pândega de fantasia e festarolas (estando a citá-lo de memória, as palavras podem não ter sido exactamente estas). Na opinião do escritor, se o Vaticano tivesse conhecimento da forma como os portugueses encaram e vivem a religião, certamente o catolicismo seria proibido no nosso país.

Pareceu-me que o Gerrit Komrij acha divertida a religiosidade portuguesa e, na sua opinião, há muita coisa que parece a brincar neste país…

Anónimo disse...

O Desidério diz que o importante é discutir argumentos, mas o excelente comentário do F. Dias não teve qualquer resposta dele. Porquê?
Aliás, penso que a forma como F. Dias colocou a questão acerca da religião (mas não só), mostra como a abordagem feita pelo Desidério é, de facto, redutora e logicista, e nessa medida uma perspectiva muito pobre do que é o fenómeno religioso, e muito pouco aberta à sua compreensão.
Se eu não soubesse, eu diria que se alguém aqui é filósofo, esse alguém é o F. Dias. No mundo filosófico do Desidério é impossivel haver lugar para autores como Kierkgaard, Nietzsche, Scheleimecher, Dilthey, Heidegger ou Foucault, já que nesse seu mundo só entram «crenças justificadas e verdadeiras».
Desidério é, no fim de contas, um filho do espirito cartesiano que faz da clareza, da distinção e da evidência os critérios para distinguir ideias «boas e verdadeiras» de ideias «más e falsas». E portanto tudo o que se oponha à «mathesis universalis» é excluído do seu modelo ideal do que deve ser a Filosofia. Pobre Filosofia...

Fernando Dias disse...

Esse autor holandês deve-se estar a referir ao folclore, aos rituais, à mercearia das sacristias. As raízes das nossa tradições populares remontam aos tempos do paganismo pré-cristão. E se bem entendo o Desidério Murcho, não é a religiosidade tradicional do povo português que ele critica, mas a uns certos economistas e que tal, que sendo influenciadores de opinião pseudo-intelectual, são tão devastadores como o Osama Bin Laden.

Fernando Dias disse...

Pelos meus cálculos, trinta e cinco por cento da população no mundo (apesar de ter também o seu folclore e rituais não necessariamente com vínculo religioso), não precisa de deus para resolver as suas equações de vida, tal como Laplace não precisou para impressionar Napoleão, dizem. Isso não significa ausência de religiosidade ou qualquer tipo de deslumbramento, seja pelo sagrado ou por outra coisa sublime qualquer. Aqui serão noventa e cinco por cento.

Há naturalmente pré-conceitos. Há mais profundidade em Confúcio ou Lao Tzu do que os europeus ou norte-americanos querem. Tal preconceito significa que toda e qualquer forma de pensamento asiática, africana e oceânica só é válida se encaixar na rede conceptual da gaiola que protege o nosso umbigo. Claro, as traduções. Ao preconceito aquino-tridentino junta-se o preconceito científico. Um europeu ou um norte-americano, mesmo que leia a melhor tradução do Tao Te Ching, não o quer perceber. Pois não, para quê? Os Jesuítas ainda tiveram veleidades mas… apenas se safou a acupuntura. A Índia também é antiga, e agora já há muita gente a ler o DharmaKaia e outras coisas budistas. Mas aqui não há lugar para deus lato senso.

Civilizações distintas podem absolutamente inferir o que chamamos de lógica formal e, no entanto, dar-lhe um destino completamente diferente. Cosmologias como a budista ou taoista são processuais, centradas num movimento criativo dialético que se manifesta através de interacções e co-dependências ou oposições complementares. Aqui também não entra deus. Alguns dirão: Sim, e depois?

Os que se entregam à procura racional de verdades com investigação paciente são os cientistas lato senso, matemáticos estrito senso, lógicos e teólogos. Podem ter graus de aproximação à verdade diferentes, conforme padrões de exigência e época histórica.

A filosofia analítica de um modo geral e a filosofia da mente em particular, não se ocupam da verdade. Elas ocupam-se da correcta articulação dos conceitos e do sentido ou ausência dele na rede do nosso pensamento sobre tudo, incluindo deus, visto este ser um conceito criado pelo pensamento humano num determinado tempo histórico com evoluções como naturalmente seria de esperar.

Fátima Lopes disse...

Visto que o meu comentário de ontem foi considerado um "desenho borrado" não quis estragar mais a pintura e tenho observado paulatinamente o avançar do debate. Surpresa, surpresa agora foi o próprio "mestre" quem borrou a cena toda. O seu problema, apesar do discurso brejeiro em que tem incorrido, não é da linguagem, do conhecimento, dos argumentos ou do pensamento. o seu problema é do sentir. Você não sabe o que é sentir por isso não sabe explicá-lo ou justificá-lo. O amor existe? e como sabemos que é amor verdadeiro? é legitimo ou é uma "crendice popular"? só os menos cultos é que o sentem ou pensam que sentem? os cultos sentem o quê? vontade de procriar e satisfazer os instintos sexuais? (esses sim são legitimos, sobretudo considerando que evoluímos dos animais mas se assim é não teremos evoluído muito!)Bom e se o amor existe é justificável? Deduzo que pelo seu raciocinio não é, trata-se de uma ilusão. O racional e legitimo seria talvez ensinar as nossas crianças a acreditar que o amor é uma invenção humana, um "whisfull thinking". Dentro em breve, com os avanços da ciência poderão adquirir um "robô" para companheiro. Aliás, dentro em breve todos seremos "robôts" pois o "sentir" não faz cá falta, já evoluimos muito está na hora de excluir do nosso "modo de vida" tudo o que não é cientifica ou filisoficamente justificável, desculpem o sarcasmo!. Amar porque sim (amor incondicional ensinado na grande maioria das religiões)é impensavel para as nossas crianças. Elas, eventualmente, só poderão amar se...(amor condicional da sociedade racional, cientifica e tecnologica actual). Felizmente temos os Daniel de Sá, os António Parente e muitos mais incluindo eu própria que não pouparão esforços para que tal não aconteça. Quanto a si, enquanto insistir em ser um pensador antes de ser um ser humano vai ter como apoiantes apenas os que de algum modo já andam "robotizados". Pelo que aqui tem demonstrado você não procura apenas Deus no exterior, mas tudo o resto. E eu, inculta e crente tola que sou, digo-lhe que tudo o que precisa saber está dentro de si e não fora. Tudo incluindo Deus, o amor, a felicidade e a sabedoria por isso pare de procurar na casa de banho ou noutro sítio qualquer. O que você não tem dentro de si não se manifesta fora de si. Por isso o seu "edifício argumentativo" ruiu aqui perante os nossos olhos porque é até arranjadinho por fora mas falta-lhe o recheio.

afhahqh disse...

Tenho uma resposta a este post do Desidério Murcho no meu blogue "A ermida", passe a publicidade, que não quero para nada. O link para o post é o seguinte:

http://aermida.blogspot.com/2007/11/fenomenologia-da-experincia-religiosa.html

Cumprimentos,
Nuno Maltez.

Manuel Rocha disse...

Pink, vejo que você é susceptível !!

Permita-me então que meta uma colherada de humor nesta polémica recorrendo a uma citação livre do celebrado Corso
Ocatarinetabellatchitchix :" Definitivamente agradas-me, pequena !!"

Anónimo disse...

Caro Desidério

A pedofilia é um crime execrável, profundamente repugnante. Afirmar, como o Desidério o fez, que a pedofilia só é condenável "pois viola a autonomia e intimidade de crianças que não têm ainda a necessária maturidade (...)" é também repugnante.

A pedofilia é uma agressão física e mental a um ser indefeso. É uma violência.

Quanto à educação religiosa não pode fazer uma afirmação desse tipo, comparando-a com a pedofilia. Dar educação religiosa a uma criança de modo e levá-la a matar e a suicidar-se é um crime muito grave, execrável? É, não tenho quaisquer dúvidas sobre este facto. Mas se um Volvo for um péssimo carro, cheio de defeitos e avarias, o Desidério diz que a marca Volvo não presta ou que todos os carros não prestam? Sabe bem, pelos seus critérios filosóficos, que não pode afirmar isto.

Para quem não sabe, este argumento do Desidério sobre educação religiosa versus pedofilia é uma cópia rasca de um conjunto de argumentos de Richard Dawkins sobre educação religiosa que estão algures publicado na rede. Todavia Richard Dawkins fez comparações legítimas embora superficiais: argumentou que se não se ensina economia a uma criança para ser economista então não também se devia ensinar religião para se ser padre. Este argumento é fraco porque ninguém ensina religião para que uma criança seja padre, tal como não se ensina matemática para que seja matemático, etc.

A educação religiosa serve para que os pais transmitam aos filhos os valores em que acreditam. Quando atingirem a idade da razão os filhos escolherão o seu próprio caminho. Se a educação religiosa fosse tão castradora do pensamento livre então não existiriam ateus nem agnósticos. E eles são cada vez mais. E nenhum crente anda por aí a exigir que o ateísmo seja proibido por lei como o Desidério o faz em relação à religião.

Aliás o Desidério corre um risco que infelizmente não entende: que se gere um movimento a solicitar que a filosofia não conste dos currículos escolares porque as crianças e adolescentes não têm maturidade para filosofar, etc. O Desidério sabe muito bem que em países anglo-saxónicos a filosofia só é ensinada na Universidade.

Um último argumento que se costuma utilizar nestas coisas e foi utilizado por Richard Dawkins no prefácio ao seu último livro e que já me foi repetido numa discussão privada é sobre a pessoa traumatizada pela educação religiosa e que sofre em silêncio porque não percebe que não pode ser ateu! Por amor de Deus, haja juízo e vergonha quando se usam argumentos deste calibre! É uma vitimização completamente bovina, usando os termos do Desidério.

Lamento imenso que o Desidério não tenha consciência da gravidade da sua afirmação. Estou convencido que a fez num contexto de stress emocional. Como já fiz afirmações de que mais tarde me arrependi, sei o que custa escrever o que não se devia.

Como pai que dá educação religiosa aos filhos sinto-me profundamente insultado pelo Desidério. Como cristão perdoo a ofensa que me foi feita tal como outros me perdoaram as ofensas que eu lhes fiz.

Por mim o assunto morreu aqui. Sobre filosofia da religião a caixa de comentários de um blogue não é o sítio ideal para o fazer. Mas dentro de pouco tempo estarei em condições de falar sobre o assunto noutro espaço. Mesmo sem ter a carta de filósofo profissional.

Desidério Murcho disse...

Pink, e que diria de alguém que está profundamente apaixonado pelo Chico, que por acaso só existe na imaginação dela?

E que tal este argumento:

Sinto que Deus existe e amo-o profundamente.
Logo, Deus existe.

Pois é. Só que você sente que o seu deus existe, e outros sentem que existem fadas e outros sentem que existem unicórnios e outros sentem que existe apenas o universo. E há até quem sente profundamente que é o Napoleão.

Haja paciência!

artur figueiredo disse...

F. Dias

Concordo inteiramente consigo quanto aos propósitos do professor Desidério, que aliás também partilho, e por isso terminei o comentário com "há muita coisa que parece a brincar neste país…"

Por vezes dava um jeitão que a linguagem fosse matemática :)

Penso aliás que a maioria do tradicional que subsiste ou é inócuo ou favorece o poder.

Relativamente à questão de deus, também o vejo como simples instrumento humano. Quem precisa usa, quem não precisa não usa.

Fátima Lopes disse...

Sentir é perigoso não é? Pode levar-nos para terrenos pouco seguros ou escorregadios. Quem disse que era fácil? Quem disse que a vida é feita apenas de estradas pavimentadas? Mais fácil é sem dúvida resguardarmo-nos na solidez da "armadura" da razão "não vá o diabo tecê-las". Mas olhe que também aqui ninguém disse que o "caminho do meio" não era possível. Díficil, concerteza mas não impossivel.É o Desidério que insiste em se colocar num extremo ou no outro (eu falei em sentir não falei em alucinar, para sentir não precisa de se meter na droga, pela sua saúde!)Sentir não me retira a capacidade de pensar, inclusivé de pensar sobre o que sinto. Aliás até escrevo sobre isso, quer ver? Recomendo o post "A Dor" mas sirva-se à vontade. Até para sentir é preciso uma certa dose de coragem, muitos fogem...

Anónimo disse...

E que tal este argumento:

Sinto que Deus existe e amo-o profundamente.
Logo, o meu amor existe.

João Vasco disse...

Pink&Blue:

Até tenho pena de objectar a essa bonita ode ao sentir, tão difícil e complicado que conheço muito poucos que sejam capazes. Exige coragem, e porque não acrescentar "determinação", "esforço árduo", "criatividade", "persistência" e mais qualquer qualidade que lhe queiram acrescentar.

Só que... não me lembro do Desidério ter dito nada contra o sentir.
Ele limitou-se a falar sobre a existência de boas razões para acreditar em Deus.
Limitou-se a criticar aqueles que não querem discutir estas razões, em particular nas "supostas" elites.

Se «Sentir não me retira a capacidade de pensar, inclusivé de pensar sobre o que sinto.», então o que raio é que um desabafo sobre a falta de vontade de pensar sobre este assunto tem a ver com alguma espécie de objecção ao "sentir"?

Novamente aqui temos um texto que prova o ponto do Desidério: o que não faltam são sofismas manhosos na hora de evitar pensar a sério sobre o assunto da fé.

O que me espanta é que ele se espante com isso. Talvez ele tenha razão e "lá fora" seja diferente, porque eu realmente por cá nunca tive contacto com mais do que isso...
E esta caixa de comentários é uma demonstração eloquoente dessa situação.

João Vasco disse...

Sinto que Afrodite existe e amo-a profundamente.
Logo, o meu amor existe.

Afrodite é amor.

Eh!Eh!Eh!

:)

Anónimo disse...

Um del�rio erotoman�aco � amor?

O amor por um duende � um verdadeiro amor ?

A cren�a em Ovnis nem torna os Ovnis verdadeiros nem torna a cren�a verdadeira - o amor, como a cren�a religiosa � uma experi�ncia subjectiva complexa radicada em respostas emocionais, basicamente psicofisiol�gicas. Curiosamente, a religi�o ou a experi�ncia religiosa coloca-nos muito pr�ximos da nossa animalidade mais funda porque joga com emo�es b�sicas, como a c�lera, o medo ou a exalta�o, ou o sentido de perten�a animal a um grupo.

Manifesta�es de religiosidade est�o muito pr�ximas do sentido greg�rio dos clubes de futebol, de comportamentos instintivos mais b�sicos, onde a sexualidade joga um importante papel.
Por tudo isto parece-me paradoxal e um pouco absurdo fazer uma �abordagem cognitiva� da exist�ncia de deus com um discurso estruturado em argumenta�o racional.

O que � poss�vel analisar � a cren�a religiosa � e � poss�vel estudar cientificamente a cren�a enquanto um fen�meno humano.

Mas a cren�a religiosa n�o demonstra de forma alguma a exist�ncia do seu objecto, tal como a cren�a nos unic�rnios ou nos ETs n�o demonstra a exist�ncia destas entidades�
Tal como a experi�ncias perceptiva da alucina�o n�o demonstra a exist�ncia do conte�do da alucina�o�

João Vasco disse...

«Por tudo isto parece-me paradoxal e um pouco absurdo fazer uma �abordagem cognitiva� da exist�ncia de deus com um discurso estruturado em argumenta�o racional.»

Se acreditasse em Deus e na racionalidade, isso não deveria parecer absurdo.

Para mim que não acredito em deus, também não creio que seja absurdo.

Mas a generalidade das críticas a esta discussão vêm de pessoas que pelos vistos não acreditam no poder/utilidade da discussão racional. Pelos menos quando sentem que existe o risco desta fragilizar as suas crenças...

MiguelT disse...

Oferecem-se-me os seguintes comentários:
De facto, a religião "à portuguesa", tal como sentida pelas massas e subscrita pela intelectualidade vigente, pode ser um bocado primária. Mas isso não é mais do que um reflexo do grau cultural do nosso povo. Quais as razões desse atraso cultural? O debate que procura abordar este tema é, ele próprio, algo masturbativo, uma vez que poderia ser argumentado que mais do que perder tempo a discutir o tema, deveria tentar fazer-se algo para alterar este estado de coisas. Contudo, fenómenos semelhantes em outros grupos humanos (por exemplo, o negros norte americanos), paracem sugerir que pode haver uma componente genética nesta tendência nacional para a incultura. Mas fará sentido revoltarmo-nos contra esta realidade, se nós próprios que aqui discutimos somos portadores dos mesmos genes?
Eu compreendo que ao Desidério (ao que sei, residente, ou pelo menos visitante do Reino Unido) cause alguma estranheza ou repulsa estas crenças marianas tão "primitivas" ou "supersticiosas". As religiões protestantes, de que o anglicanismo é um membro algo duvidoso, ou mesmo o catolicismo nos países onde houve Reforma, são caracterizados por uma maior "secura" ou racionalismo, e quem crê tem necessidade (ou gosta) de professar mais do que em Portugal uma base pelo menos parcialmente racional para a sua crença. Isto decorre, em parte, da fraca tradição filosófica no nosso país, que se inscreve na realidade mais vasta da incultura a que aludi acima. E por outro lado, é devido à necessidade que os crentes nos 2 ramos do cristianismo tiveram de justificar as suas crenças numa altura em que houve grandes convulsões religiosas. Nada disto aconteceu em Portugal, como se sabe, pois a Reforma não teve qualquer impacto entre nós, e o nosso catolicismo eivado de superstições nunca foi realmente contestado.
Agora parece-me de uma certa saloiice que se manifeste aquela "indignação" tão estereotipada contra o que um povo é. Se um povo, nomeadamente o português é o que é, existem fortes razões para que assim seja. Portanto, não faz grande sentido que fiquemos escandalizados com estas coisas, como um familiar que subiu na vida e se envergonha dos seus parentes miseráveis...
Quanto à atitude condescendente dos intelectuais portugueses (alguns deles ateus) para com a concepção comum de religião, acho que eles tomam relativamente a essa questão uma posição muito semelhante à que tomam quanto a outros temas controversos ou "fracturantes", como por exemplo o racismo.
Essa posição é a cobardia intelectual, a incapacidade de defender ideias em que se acredite, mesmo se impopulares ou "escandalosas", e até porventura uma certa dúvida na existência da verdade filosófica.
Quanto às causas para esta atitude, elas podem ser talvez atribuídas à inferioridade genética dos ditos intelectuais (contra a qual, como referi, não faz sentido revoltar-nos), ou será um reflexo (por difusão) da inferioridade genética da maioria que os rodeia. Pode ainda ser interpretada, mais simplesmente, como uma pura estratégia de adaptação, "para estarem bem com todos", e evitarem "chatices"...

João Vasco disse...

«O debate que procura abordar este tema é, ele próprio, algo masturbativo, uma vez que poderia ser argumentado que mais do que perder tempo a discutir o tema, deveria tentar fazer-se algo para alterar este estado de coisas.»


Que raio!
O Miguel MT prefere particupar num debate "vazio" e "masturbatório" em vez de arregaçar as mangas e resolver os problemas do país?
Já sabe: enquanto eles não estiverem resolvidos ninguém deve falar em nenhum blogue sobre nada senão nesta resolução. Calem-se os poetas, os humoristas, os escritores de ficção, ou todos aqueles que falam sobre os seus problemas diários. Ninguém discute mais nenhum assunto enquanto os problemas do país não estiverem resolvidos.
E certamente que a forma como debatemos não é um deles.
Não vamos agora imaginar que uma crítica à forma como o debate acontece em Portugal pode porventura ser um passo na direcção certa!

Temos é de assumir que é um problema genético, abster-nos de qualquer crítica, e não escrever sobre o assunto "masturbatório" da religião. Aliás, sobre nenhum assunto que não tenha utilidade para resolver esta situação, tal como uma crítica directa à forma como o debate acontece.

Agora já sem ironia, os genes têm muita importância ao nível individual, mas parece-me que o Miguel não parece ter bem noção em que medida é que eles condicionam o comportamento de cada pessoa, e menos ainda como é que eles condicionam as sociedades. Só com uma noção completamente distorcida é que eu entendo muito daquilo que escreveu.

Desidério Murcho disse...

Olá, Vasco

Concordo com a sua posição crítica relativamente ao Miguel, em geral, mas penso que ele tem uma certa razão: há algo de bizarro na cultura portuguesa que faz as pessoas queixar-se muito mas não fazer nada de concreto para mudar as coisas.

E que se pode fazer, por exemplo, para mostrar como se pode fazer uma discussão de ideias sobre religião?

Entre outras coisas, fazer o que eu fiz neste blog: explicar alguns aspectos elementares da filosofia da religião e dar indicações bibliográficas introdutórias, que qualquer pessoa pode ler se estiver interessada. E podemos também publicar livros, tanto para o ensino como para o público em geral, sobre este tema.

Concordo com o Miguel que seria algo estéril dizer mal da falta de debate crítico sofisticado sobre a religião, mas nada fazer para mudar isso. Penso que o Vasco também concorda com isto, apesar de, levado ao exagero, ter os resultados absurdos que o Vasco muito bem aponta.

O que me levou a escrever este último post é a surpresa de ver da parte dos crentes uma recusa liminar em discutir filosofia da religião. Por mais que nos habituemos ao "caso mental português", não deixa de ser surpreendente.

Sofisticamente, pode-se defender que são os termos do debate que estão viciados à partida porque eu sou ateu e distorço as coisas; mas a verdade é que esses crentes não oferecem alternativas públicas para o debate crítico de ideias religiosas -- tudo o que oferecem é aulas de Religião & Moral pela televisão e nos jornais. (Veja-se o caso célebre do Armindo noutro post meu.)

Parece-me que tudo isto é de uma enorme hipocrisia: estes crentes não querem mesmo ver a religião a ser criticamente debatida, não vá o povão começar a pensar seriamente. É um bocado como no tempo do Salazar: podia-se debater as ideias de Marx, desde que o debate não estivesse viciado à partida, e só não estava viciado à partida se à partida a conclusão inevitável fosse "Marx é uma besta". Enfim...

Anónimo disse...

Caro Desidério

Durante uns tempos tive uma série de problemas como comentador residente de alguns blogues. Comecei por pensar que o problema era dos outros. Até que um dia percebi que o problema também era meu e talvez fosse só meu nalguns casos particulares. Se quem discutia comigo não era exactamente um modelo de tolerância, educação, sofisticação intelectual, etc, eu também tinha muitos defeitos e era culpado por estimular (muitas vezes insconscientemente) comportamentos desabridos por parte dos meus interlocutores.

Talvez o problema do Desidério seja semelhante. O estilo dawkinsniano que adoptou gera imediatamente anti-corpos por parte de uma parte das pessoas que o lêem. E o Desidério defende-se imenso quando não consegue ser eficaz na argumentação. Puxa dos galões de filósofo profissional, menospreza quem fala consigo, manda-os ler uns livros, etc, etc. Depois tem uma série de ajudantes que não primam exactamente pelo brilho intelectual embora se considerem a si próprios "brights" e que montados nos seus unicórnios e em pedaços de esparguete voador se julgam supremas autoridades em religião, retórica e lógica. É como se por serem ateus, Deus os agraciasse com mais umas gramas de inteligência. Simplesmente, ninguém mais os considera brilhantes.

Julgo que neste momento não há condições para discutir filosofia da religião. O que escreveu na caixa de comentários deste post matou o tema durante bastante tempo. Pelo menos com os crentes que passam por aqui se eu os aprendi a conhecer.

Mas existe sempre a possibilidade de começar de novo. Não desista. Jogue nos caixote do lixo as suas crenças e preconceitos, deixe o "bovino" e o "bovinamente" em casa, apure o seu estilo e com certeza encontrará pessoas para debaterem consigo. Até lá estou convencido que ficará sózinho ou com os que lhe dirão sempre "yes! yes! deisdério is our mourinho!". A escolha é sua.

p.s. - se continuar a pensar que é por causa do "povão" que não discutem religião consigo então é porque não percebe o que se passa à sua volta.

Desidério Murcho disse...

Caro Parente

Eu acredito que você acredita que realmente é por causa do que eu escrevi que não há debate sobre religião. Mas não é.

Se for ver cuidadosamente, fiz outros posts sobre filosofia da religião e... nicles. Só há ateus primários e crentes primários em Portugal? Aparentemente é mesmo assim.

É uma ilusão pensar que foi por causa do que eu escrevi nos comentários que as pessoas não discutem. Para a imbecilidade nacional as coisas são muito simples: há quem acredita e há quem não acredita e todo o debate é absurdo. Para os que sofrem de cientismo, é absurdo porque Deus não se pode pôr ao microscópio para analisar; para os outros, é absurdo porque a religião está "para lá" do pensamento redutor. Enfim.

Anónimo disse...

Caros leitores,
Antes de tudo, como disse o Parente, também sou um daqueles que tem o unicórnio do não sei o quê. Claro que a atitude do Desidério é interessante porque conseguiu em 3 posts recentes, expor resumidamente alguns dos principais argumentos em discussão no que respeita à filosofia da religião. Claro que este resumo é novidade para muita gente, mas não o é assim tanto para quem se interessa em discutir os problemas da filosofia da religião, em particular, um deles, o da existência de deus. Estou em crer que o melhor mesmo seria que, se o leitor não conhece, pelo menos se interessasse em conhecer antes de começar a dar tiros ao ar. Até parece que isto da filosofia da religião é tudo culpa do Desidério, que mais não fez do que nos resumir o que actualmente se discute. querer negar esta discussão é tão só querer negar coisas tão obviamente factuais como que o 11 de Setembro não existiu e que não passou de ilusão nossa. Além do mais é ignorar por completo o que se discute, bastando para a sua confirmação consultar alguns livros no amazon, ver os indices e ver o que se escreve e publica e discute (mas é sempre recomendável que se leiam os livros). Atacar o Desidério ou quem divulgue esta discussão é pura e simplesmente ignorar que ela existe, é fazer de conta. E isso é batota. Mas deve dar um trabalho do catano por-nos a escrever em inglês para os filósofos a dizer mal do trabalho deles, por essa razão talvez, seja mesmo melhor bater no Desidério, que mais não fez do que divulgar com bom tom um pedaço do seu conhecimento. E, já agora, fê-lo bem porque o faz num país onde conhecimento público da filosofia da religião se confunde com catequese.
Assim, já há dois para bater :-)
Abraços
Rolando Almeida

Anónimo disse...

Caro Desidério

Penso que tenho razão no meu comentário. Mas também admito que tenha alguma razão naquilo que afirma: não se sabe discutir nem debater a religião.

Não há uma grande tradição de discussão filosófica sobre religião nos blogues. Trocam-se meia dúzia de ideias, começa tudo à zaragata, amua-se, mandam-se uns insultos e acabou. O pessoal gosta mais da adrenalina da discussão do que da troca serena de pontos de vista.

Da minha experiência de discussões sobre Deus tenho más recordações. Quando pretendi discutir de uma forma séria, com todas as limitações que tenho, levei com um unicórnio no meio de testa, outras vezes atiraram-me com esparguete, outra ainda explicaram-me que Deus não era uma hipótese na ciência e por isso não existia ao que eu respondi não conhecer nenhum paper em que o António Parente fosse hipótese de qualquer experiência científica mas apesar disso eu existo.

Como se pode discutir alguma coisa quando se torna a argumentação numa palhaçada? Uma vez tentei argumentar num blogue com as ideias de Santo Anselmo e S. Tomás de Aquino e fui acusado de pretender regressas às trevas medievais e de ter saudade do fogo da Inquisição!

Para que consiga interlocutores em filosofia da religião, precisa de despir o fato de ateu e vestir o smoking de filósofo. Escreva posts tipo "mackie e swinburne para idiotas", torne o carl sagan da filosofia portuguesa, leve-a ao povão.

Divulgue a filosofia da religião e a outra também. Aproveite os 2 mil visitantes diários. Se tiver saudades do aplauso do povo escreva um post sobre criacionismo que cai sempre bem e tem apoio.

Anónimo disse...

Esqueci de dizer: sinto-me insultado por não me terem ensinado nas aulas de filosofia, filosofia da religião. e sinto-me insultado por, na altura em que estudei, a única via para compreender a religião, eram aulas de religião e moral, que eu optei por nunca ter tido, mas que ainda existem nas nossas escolas. Já agora podiam dar como opção: Introdução ao Futebol Clube do Porto ou Noções Básicas de Benfiquismo, para já não falar de Avé Fátima Laboratorias. Caramba, também eu gostava que este fosse um país menos tolo. Falta ainda uma disciplina: Introsução ao Pensamento Único (também conhecida por A.P. - ausência do pensar)
Rolando Almeida

Anónimo disse...

Caro Rolando Almeida

No seu comentário está um erro importante e que eu critico sempre quando vejo. O de apontar o 11 de Setembro como sendo um sinal do mal de todas as religiões, desde a mais recôndita da floresta amazónica até ao hinduísmo, passando pelo budismo e mais o que apareça pela frente.

No meu ponto de vista, isso é reduzir a questão da religião a uma caricatura. É a tal questão de dizer que se um carro não trabalha todos os carros não prestam. Se o Rolando Almeida enlouquecer de repente e começar aos tiros acha que eu devo sair para a rua e dizer a toda a gente "bom povo, viram no que deu o ateísmo! enlouquece os seus adeptos!". Percebe a questão?

Se querem que se discuta filosofia da religião de acordo com os termos em que julgam dever ser discutidos divulguem-na, mostrem o estado da arte. Deixem os cavalinhos de pau, isto é, os unicórnios, no quarto de brinquedos e discutam seriamente.

Por hoje termino. Até 2008.

Anónimo disse...

Caro Rolando Almeida

Voltou a montar o cavalinho de pau. Assim vai continuar a brincar sózinho.

Um abraço do António Parente

Anónimo disse...

António Parente,
O exemplo talvez não tenha sido o mais feliz. Usei-o como poderia ter usado outro exemplo qualquer que ilustrasse um facto. Nada mais.
Abraço
Rolando A

Anónimo disse...

" A generalidade das críticas a esta discussão vêm de pessoas que pelos vistos não acreditam no poder/utilidade da discussão racional. "

O que acho é que a argumentação racional não é adequada quando pretensamente utilizada para defender a existência de unicórnios. Ou de Deus.

João Vasco disse...

«O que acho é que a argumentação racional não é adequada quando pretensamente utilizada para defender a existência de unicórnios. Ou de Deus.»

Discordo em toda a linha.

Quando alguém propõe uma ideia, seeja ela a de que existem sereias, a de que a astrologia funciona, ou de que o monstro do esparguete voaor criou o universo, é apenas pelos méritos das razões utilizadas para defender estas ideias - e não pelos nossos preconceitos - que podemos ou devemos concluir que elas são disparatadas.

O tempo depender do referencial já pode ter parecido disparatado...

Assim acho que a posição mais sólida é aquela que está disposta a discutir deuses, sereias, astrologias e outras superstições. Se recusamos a discussão racional a priori, a nossa posição torna-se tão acrítica como a esmagadora maioria das posições religiosas. Acabamos por não ser diferentes...

Claro que 99% das vezes o debate é inútil. Mas se consideramos por princípio que a outra posição não merece o benefício da dúvida, estamos a ser preconceituosos.

Por fim, mude o exemplo dos unicórnios para as sereias. É que existem unicórnios.

Nós é que lhes chamamos rinocerontes...

João Vasco disse...

Nota: nem todos os rinocerontes têm apenas um chifre. Só os que pertencem a estes grupos:

Elasmotherium
Rhinoceros
Sinotherium
Menoceras
Prosantorhinus
Iranotherium
Shennongtherium
Teleoceras

CA disse...

"A educação religiosa é equivalente à pedofilia, pois viola a autonomia e intimidade de crianças que não têm ainda a necessária maturidade para saber se querem ser religiosas ou não. Devia ser proibida por lei."

O mesmo digo do ensino do português e da imposição de uma nacionalidade à criança. Esta não tem maturidade para saber se quer se cidadã de um país onde os intelectuais religiosos não sabem discutir religião e onde se dá ao futebol a importância que se dá.

Por falar em futebol, devia ser proibido criar nas crianças o interesse pelo futebol. É triste ver adultos de outro modo inteligentes a perderem completamente a capacidade de discernimento quando o clube A, B ou C estão envolvidos.

O melhor mesmo é esperar que as crianças tenham 18 anos para lhes transmitir seja o que for que possa condicioná-las para o futuro, pois ainda não têm maturidade para isso.

João Vasco disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João Vasco disse...

CA:

Para quem escreve um comentário tão sarcástico, tem alguma dificuldade em entender quando são outros que o fazem...

CA disse...

João Vasco

Acho que tem razão: não entendi o sarcasmo do Desidério.

Anónimo disse...

"Quando alguém propõe uma ideia (...)é apenas pelos méritos das razões utilizadas para defender estas ideias (....) que podemos ou devemos concluir que elas são disparatadas."


Discordo totalmente quando se confunde a noção de "ideia" no sentido de construção ideológica com a noção de conceito abstracto interpretativo de uma realidade física , factual ou demonstrável.

Afirmar que uma ovelha existe, não tem a mesma validade nem a mesma possibilidade de argumentação racional que afirmar que uma sereia existe ou que um unicórnio existe ou que deus existe.

O conceito de "ovelha" ou se "sereia" ou de "deus" ou de um unicórnio ( refiro-me ao animal mitológico, como é óbvio e não a um animela como o ronoceronte) não se referem a imesmo tipo de categorias passíveis de demonstração racional...

Não tem qualquer sentido "argumentar "racionalmente sobre a existência de sereias, e depois inferir da demonstração dessa existência a partir da "qualidade dos arguemntos racionaos esgrimidos.

POr uma razão muito simples e radicalmente racional: até se demonstrar, objectivamente, através de factos observáveis e experimentalmente reproduzíveis a existência de sereias, nenhuma argumentação teórica, por mais "racional" que possa pretensamente parecer demonstra a sua exist~encia.

Porque as sereias não existem.

O que existem são fascinantes mitos sobre sereias.

POdemos no entanto teorizar racionalmente e formular hipóteses teórica srelativamente ao aparecimento desse mito.
Um possibilidade é a exist~encia deuma malformação congénita em que por um erro desenvolvimental surgem fetos em que os dois membros inferiorews surgem "colados" parecendo uma cauda de um peixe...

Ou seja, não é a racionalidae da argumentação sobre uam ideia que torna essa ideia válida .

SE assim fosse, todos os delírios bem estruturados de doentes com esquizofrenia seriam "realidade".

Desde que com uma coreência argumenativa lógica. Que muitos apresentam.

Anónimo disse...

"Quando alguém propõe uma ideia (...)é apenas pelos méritos das razões utilizadas para defender estas ideias (....) que podemos ou devemos concluir que elas são disparatadas."


Discordo totalmente quando se confunde a noção de "ideia" no sentido de construção ideológica com a noção de conceito abstracto interpretativo de uma realidade física , factual ou demonstrável.

Afirmar que uma ovelha existe, não tem a mesma validade nem a mesma possibilidade de argumentação racional que afirmar que uma sereia existe ou que um unicórnio existe ou que deus existe.

O conceito de "ovelha" ou se "sereia" ou de "deus" ou de um unicórnio ( refiro-me ao animal mitológico, como é óbvio e não a um animal como o rinoceronte) não se referem a mesmo tipo de categorias passíveis de demonstração racional...

Não tem qualquer sentido "argumentar "racionalmente sobre a existência de sereias, e depois inferir da demonstração dessa existência a partir da "qualidade dos argumentos racionais esgrimidos.

Por uma razão muito simples e radicalmente racional: até se demonstrar, objectivamente, através de factos observáveis e experimentalmente reproduzíveis a existência de sereias, nenhuma argumentação teórica, por mais "racional" que possa pretensamente parecer demonstra a sua existência.

Porque as sereias não existem.

O que existem são fascinantes mitos sobre sereias.

Podemos no entanto teorizar racionalmente e formular hipóteses teórica relativamente ao aparecimento desse mito.
Um possibilidade é a existência de uma malformação congénita em que por um erro desenvolvimental surgem fetos em que os dois membros inferiores surgem "colados" parecendo uma cauda de um peixe...

Ou seja, não é a racionalidade da argumentação sobre uma ideia que torna essa ideia válida.

SE assim fosse, todos os delírios bem estruturados de doentes com esquizofrenia seriam "realidade".

Desde que com uma coerência argumentativa lógica. Que muitos apresentam...

Desidério Murcho disse...

Bluesmile, as afirmações e as ideias não são válidas nem inválidas. As afirmações podem ser verdadeiras ou falsas, mas não válidas ou inválidas. O que é válido ou inválido são os raciocínios, inferências ou argumentos.

O seu argumento começa por presumir que não há X para depois concluir que nenhuma argumentação a favor da existência de X é inútil. Claro. Mas o que fazer quando não sabemos se há ou não X? E quando não podemos verificar directamente, pelos sentidos, que há X? Só nos resta uma coisa: desistir de tudo, como você propõe porque sofre de cientismo verificacionista, ou raciocinar com base em tudo o resto que sabemos, para ver se X se infere das outras coisas que sabemos. Ou seja, para saber se podemos saber inferencialmente que X existe.

Segundo a sua posição absurda é assim: num tribunal, discute-se se X matou ou não Y. E o seu argumento é este: não podemos saber porque ninguém estava lá para ver e não vale a pena estar com argumentos tolos atrás de argumentos, por mais coerentes que sejam. Ponto final, vamos à vida que se faz tarde.

Isto é insustentável porque 1) podemos ter boas razões inferenciais para pensar que X matou Y, raciocinando. E porque 2) para ser bom não basta que um argumento ou inferência seja coerente. Qualquer falácia é um argumento perfeitamente coerente.

O cientismo é o reverso da medalha do pensamento bovino da Titi do Raposão. Enfim.

Daniel de Sá disse...

Rolando Almeida
Não se trata de não querer ou de não ser capaz de discutir filosofia das religiões. Eu já deixei claro por que razão me retirei do diálogo: porque o Desidério o tornou impossível ao afirmar que em Portugal não há ninguém intelectualmente apto a fazê-lo. Este tipo de generalizações não fica bem a um filósofo, sobretudo quando fala na condição de que o é. Além disso, nega-se aqui a possibilidade de uma pessoa religiosa discutir com isenção a filosofia das religiões, porque ferida do preconceito de ser religioso. E um ateu não estará ferido do preconceito de ser ateu? O Alef, por exemplo, tem mantido um excelente, culto e lúcido diálogo com o Desidério a respeito da justificação da fé.
A fé parece ser, segundo a perspectiva do Desidério e de alguns outros, a única área do pensamento humano que não pode justificar-se a si mesma. E a filosofia tem de justificar-se a partir de quê? Ou a antropologia? Ou a sociologia? Ou a física ou a química? Ou mesmo a história?
Confesso que terei de esquecer este “post” do Desidério para continuar a sentir por ele o respeito intelectual que sempre me mereceu. “Zaratustra” não teria falado de maneira mais corrosiva. Com afirmações no limite da loucura sem prova alguma do seu valor ético. Pol Pot, talvez mais ainda que Stalin ou Mao, sentir-se-ia feliz se tivesse lido uma diatribe como esta.
Em que ponto assenta a legitimidade de acusar os crentes por não quererem introduzir a filosofia das religiões no ensino da sua? E as outras áreas do conhecimento que citei não teriam o direito de invocar a mesma pretensão? Que restaria à filosofia se os filósofos fossem obrigados a pensar tendo em atenção todas elas? Que haja pontos de contacto, como por exemplo a questão do tempo, que passou a ser outra depois de Einstein, de acordo. Mas nunca uma subordinação. Muito menos total.
Quando alguém usa argumentos do género “não vi Deus no quarto de banho”, nada há a contrapor. Porque o argumento ou é uma metáfora (e a filosofia não se faz com metáforas) ou é uma fuga à discussão séria. No entanto o Desidério, mesmo de olhos fechados, reconhecerá pelo cheiro que está no quarto de banho. E, a um lugar desses, nunca acompanhei ninguém que não fosse bebé ou incapacitado fisicamente

Anónimo disse...

"As afirmações e as ideias não são válidas nem inválidas. As afirmações podem ser verdadeiras ou falsas."

Tem razão o Desidério. Talvez por uam "deformação " racional, tendo a considerar válidas as afirmações verdadeiras e inválidas as afirmações falsas.
Falsas precisamente porque assentam em raciocínios, inferências ou argumentos invalidos.

EStou também "habituada", a validar desta as hipóteses formuladas para explicar a realidade não apenas em "teoremas argumentativos ou ginástica argumentativas " mas em dados experimentais que permitem retirar inferências lógicas.

Desta forma a afirmação.
" as ovelhas existem", É VERDADEIRA Porque PODE SER VALIDADA por um conjunto de demonstrações observáveis e reproduzíveis. Que permitem formular raciocínios e inferir ou deduzir conceitos.

Já afirmação "as sereias existem "ou "os deuses existem " é uma afirmação FALSA com elevada probabilidade precisamente porque não pode ser validada através de dados ou de uma experimentação reproduzível donde seja possível inferir a sua existência.

Podemos no entanto "verificar" , que apesar das sereias não existirem, a crença em sereias existe.
E formular hipóteses teóricas para a existência dessa crença. ( Que poderão ou não ser validadas..)
Mas aí já é a crença em si que passa a ser o “fenómeno “ observável e interpretável racionalmente..
Mas a racionalidade científica ( diferente do cientismo) não se esgota aqui, ao contrário das elucubrações definitivas do "filosofismo".
Precisamente porque não há "validade definitiva" e porque falsidade ou veracidade de uma afirmação não resulta de "argumentação racional desligada da realidade factual", se amanhã, ou daqui a uns minutos ou daqui a cem anos, alguém conseguir documentar a observação de uma sereia e se essa observação for validade, podermos inferir que as sereias existem.

"Mas o que fazer quando não sabemos se há ou não X? E quando não podemos verificar directamente, pelos sentidos, que há X? Só nos resta uma coisa: desistir de tudo"
Errado.
Podemos concluir, com uma probabilidade elevada de certeza que X não existe. Não se trata de nenhuma "desistência" mas de um acto de razoabilidade.
Seria pouco racional defender a existência de sereias com argumentos "filosóficos" sob pena de se cair no absurdo da ideação delirante.
Ou então , em alternativa, se a nossa crença em X for intensa e quisermos tornar essa crença numa "afirmação verdadeira" (X EXISTE), termos que reunir evidências físicas para demonstrar essa existência.

(Pode substituir a expressão X por extraterrestres, deuses , dragões ou sereias ou telepatia)

O seu exemplo absurdo resulta de uma incompreensão básica do que escrevi.

"Segundo a sua posição absurda é assim: num tribunal, discute-se se X matou ou não Y. E o seu argumento é este: não podemos saber porque ninguém estava lá para ver e não vale a pena estar com argumentos tolos atrás de argumentos, por mais coerentes que sejam"
Nada disso.
A minha posição é esta - Só podermos saber se X matou ou não Y se existirem factos observáveis , evidentes, mensuráveis e experimentalmente reproduzíveis, que indiquem com uma elevada precisão que esse facto ocorreu, que X matou y.
SE esses dados objectivos não existirem termos de concluir, com uma elevada probabilidade, que esse pretenso facto nunca ocorreu e que a afirmação X matou Y é falsa.

E sim, - não vale a pena estar com argumentos tolos atrás de argumentos tolos se não existir uma base objectiva de análise de realidade.
Como uns testes de DNA. Ou as imagens de uma câmara de vigilância... Ou uma testemunha. Ou um cadáver .. Ou os resultados de uma autópsia ou de toxicologia forense.

E já agora, para complicar mesmo o seu exemplo e explicar-lhe o que pretendo mesmo dizer, o que seria absurdo, porque inútil seria uma discussão em tribunal sobre a afirmação de que X matou Y se não existisse qualquer indício "físico " da ocorrência do facto , mas apenas uma "ideia" teórica sobre a possibilidade desse evento...

Aí sim, seria completamente delirante” estar com argumentos tolos atrás de argumentos tolos” sobre algo que não existe nenhuma evidência física que ocorreu... ou que existiu.

Anónimo disse...

Afinal, O "filosofismo "é o reverso da medalha do pensamento bovino da Titi do Raposão. Enfim.

Anónimo disse...

"Muitas pessoas pensam que procurar a verdade só pode ser feito assim: vestimos uma bata branca, vamos para um laboratório, aplicamos as metodologias, e temos ou a garantia de obter resultados. Mas isto é apenas uma pequena parte da procura da verdade. Muitas vezes não sabemos sequer qual é a melhor metodologia; e não temos qualquer garantia de obter resultados. Que fazer, nessa circunstância? O cientismo diz-nos: abandona tal pretensão, pois só pode ser ilusão e sofisma"

O cientismo talvez, mas a ciência diz-nos o oposto:se "não obtivemos resultados", há que seleccionar metodologias ou reinventar técnicas e procedimentos, experimentar novos protocolos,
reformular hióteses, testar novamente .. e novamente e novamente ...
e assim obter resultados.

E, já agora, em ciência HÁ SEMPRE RESULTADOS, mesmo que não sejam aqueles que tínhamos previsto e que o resultado seja a não confirmação da hipótese ou a inexistência de dados com significãncia.

Desidério Murcho disse...

Olá, Bluesmile

“Falsas precisamente porque assentam em raciocínios, inferências ou argumentos invalidos.”

Não. Um raciocínio inválido pode ter uma conclusão verdadeira.

“Precisamente porque não há "validade definitiva" e porque falsidade ou veracidade de uma afirmação não resulta de "argumentação racional desligada da realidade factual", se amanhã, ou daqui a uns minutos ou daqui a cem anos, alguém conseguir documentar a observação de uma sereia e se essa observação for validade, podermos inferir que as sereias existem.”

Não. A validade é definitiva, como a verdade. O que não é definitivo é a nossa crença de que um raciocínio é válido ou uma proposição verdadeira: pela simples razão de que não somos omniscientes, podemos pensar que algo é verdade quando é falso e podemos pensar que um raciocínio é válido quando é inválido.

“Podemos concluir, com uma probabilidade elevada de certeza que X não existe. Não se trata de nenhuma "desistência" mas de um acto de razoabilidade.”

Nesse caso você tem de aceitar que nunca houve Big Bang, dado que ninguém o pode observar directamente. Nem quarks. E só pode saber se tem cérebro se abrir o seu próprio crânio para ver. O que se passa é que você acredita nestas coisas todas porque há boas inferências a favor de todas, com base noutras coisas que você aceita. E por isso do facto de algo não ser observável directamente nada se segue. Pensar isso é cientismo verificacionista, que foi refutado... pelos verificacionistas, como Ayer, há mais de 30 anos.

“Seria pouco racional defender a existência de sereias com argumentos "filosóficos" sob pena de se cair no absurdo da ideação delirante.”

É pouco racional defender a existência de sereias porque não temos qualquer argumento bom a seu favor, e não porque não as podemos observar directamente.

“Ou então , em alternativa, se a nossa crença em X for intensa e quisermos tornar essa crença numa "afirmação verdadeira" (X EXISTE), termos que reunir evidências físicas para demonstrar essa existência.”

Não. Você não tem “evidências” físicas (isto é um anglicismo, você quer dizer indícios) de ter cérebro; infere que o tem com base na evidência física de que outras pessoas têm cérebro. Ora, alguns dos argumentos tradicionais a favor da existência de Deus têm a mesma estrutura: com base nas “evidências físicas” que temos do universo, procura-se inferir a existência de Deus, tal como inferimos a existência de muitos dos inobserváveis da ciência. Outra coisa é saber se tal inferência é ou não correcta. Mas nada há de errado em procurar inferir o que não pode ser observado. Fazer isso não é necessariamente uma ideação delirante, a não ser que seja uma ideação delirante pensar que você tem cérebro.

“A minha posição é esta - Só podermos saber se X matou ou não Y se existirem factos observáveis , evidentes, mensuráveis e experimentalmente reproduzíveis, que indiquem com uma elevada precisão que esse facto ocorreu, que X matou y.”

“Indicar com elevada precisão” significa apenas “podemos inferir daí que X matou Y” — mesmo que o facto de X ter matado Y não tenha sido observado por ninguém. Ou seja: você nem percebe bem o que pensa, porque confunde tudo. Neste caso, está a admitir que podemos inferir um facto não observado, com base noutros. Ora, isto é precisamente o que se faz nos argumentos tradicionais a posteriori a favor da existência de Deus.

“E sim, - não vale a pena estar com argumentos tolos atrás de argumentos tolos se não existir uma base objectiva de análise de realidade. Como uns testes de DNA. Ou as imagens de uma câmara de vigilância... Ou uma testemunha. Ou um cadáver .. Ou os resultados de uma autópsia ou de toxicologia forense.”

Mas isto são apenas dados indirectos, com base nos quais você terá de inferir que X matou Y, ou que não matou. Tal como infere que tem cérebro. E tal como se pode tentar inferir que Deus existe — com base na existência do universo. Outra coisa é saber se há alguma inferência desse género que seja boa.

“E já agora, para complicar mesmo o seu exemplo e explicar-lhe o que pretendo mesmo dizer, o que seria absurdo, porque inútil seria uma discussão em tribunal sobre a afirmação de que X matou Y se não existisse qualquer indício "físico " da ocorrência do facto , mas apenas uma "ideia" teórica sobre a possibilidade desse evento...”

Mas a existência do universo é um facto óbvio. E é com base nesse facto que alguns argumentos tradicionais a favor da existência de Deus se fazem.
Além disso, no seu exemplo está a confundir tudo. Claro, se Y está vivo, não há mais conversa. Mas se Y foi claramente morto por alguém, mas ninguém viu quem o matou, teremos de raciocinar com base em noutros dados, para tentar descobrir quem o matou. Por outro lado, em alguns casos podemos nem sequer saber se a pessoa morreu de causas naturais ou se foi morta — e mesmo assim vamos investigar para ver se descobrimos, inferencialmente, se foi ou não morta por alguém.

O que se passa é o seguinte: você pensa que se faz ciência de maneira automática: mete-se os dados por um lado e do outro sai a ciência. Se é uma cientista, o melhor é meter os papéis para a reforma, pois você está a milhas do que é fazer ciência. Fazer ciência é sobretudo raciocinar e raciocinar com muito cuidado, com base nos dados empíricos. Fazer ciência não é fazer listas de factos observáveis. Isso é colecção de selos. Oops, ou é mesmo isso que você faz?

Anónimo disse...

Caro Daniel de Sá,
Não faz qualquer sentido estar a discutir se se deve ensinar ou não a pensar os problemas filosóficos da filosofia da religião. É a mesma coisa que estar a discutir se se deve ou não ensinar matemática ou física e química. quem não ensina estas matérias centrais do conhecimento humano arrisca-se a fracassar. Acontece que não podemos colocar no mesmo saco, ensinar uma ciência e dar catequese, pela razão que a catequese é doutrinária e a física não. O mesmo acontece com a filosofia da religião que não é doutrinária, ao passo que a religião e moral que se ensina nas escolas tugas o é. Esta diferença é elementar e crentes ou não crentes, devem ensinar a filosofia da religião com isenção. Quando ensinamos uma criança a jogar futebo ensinamo-la a jogar futebol e não a amar o Benfica ou o Sporting.
O Desidério tem razão: em Portugal não existe ninguém habilitado a discutir filosofia da religião, ou se existe, não o conhecemos porque anda muito bem escondidinho. Alguém que esteja habilitado a fazê-lo o mais certo seria publicar nem que fosse um artigo sobre o assunto. Mas o que temos são papagaios funcionários de cristo. E isto é lixado. Esta discussão deveria ser do domínio público, mas não é. O que se passa é uma aceitação cega e passiva da crença religiosa. Lamentável, claro.
Rolando Almeida

Fátima Lopes disse...

Todos parecem acreditar que a fé é uma coisa que pode ser imposta quando não é assim. Ainda que a criança tenha uma educação religiosa a decisão de se tornar crente ou não é dela. Uma grande % de ateus adultos em Portugal, teve uma educação religiosa. Do mesmo modo, muitos foram educados na religião católica e mais tarde optaram por outras formas de religião ou até, não perdendo a sua fé, procuraram formas alternativas de a demonstrar. Também se verifica o inverso, crianças que não tiveram educação religiosa e que posteriormente se tornaram crentes. A fé é uma opção pessoal já que não é imprescindivel, como a matemática ou o português, para se obter um diploma. Toda esta discussão, a meu ver, inside mais sobre os rituais praticados (aspectos visiveis do fenómeno da fé) do que sobre a fé em si que é uma opção indivudual e como alguém aqui disse "um estado de alma ou um modo de vida". Alguns dos rituais praticados estão obviamente ultrapassados e isso o tempo encarregar-se-à de o demonstrar. As novas gerações já não vivem a fé do mesmo modo que era vivida há 30 anos, mas ela vai continuar a existir. Pode vir com novas roupagens mas não será abolida. Qual é a vossa proposta então para tornar a fé "aceitavel" aos vossos olhos?

Daniel de Sá disse...

Caro Rolando Almeida
E eu insisto: e por que não antropolgia da religião? Ou sociologia da mesma? Se até no tempo de Salazar se aprendiam todas as civilizações antigas, excepto a hebraica, que tanto influenciou a Europa, ainda acredita que a religião tenha sido favorecida? E note que a importância dos Hebreus na História foi muito além da religiosa.

Anónimo disse...

Daniel,
Pode insistir que eu corroboro. Claro que o fenómeno religioso pode e deve ser estudado pelos mais diversos ângulos. A filosofia da religião não esgota todo o estudo sobre o fenómeno religioso. Acontece que por acaso até se ensina sociologia da religião e antropologia da mesma, ainda que superficialmente, mas não se ensina filosofia da religião. E claro que existe uma versão tuga da filosofia da religião, por regra, entregue aos padres da igreja.
Saudações
Rolando A

Anónimo disse...

Daniel,
Esqueci de dar uma indicação relevante: o programa de filosofia do 10º ano inclui um tema de opção que se chama "a experiência religiosa". Acontece que uma parte significativa dos professores não leccionam este tema ou leccionam uma espécie de sociologia da religião, qué é o que se ensina nas universidades de Portugal, o que mais uma vez prova que o Desidério tem razão no post que motivou estes comentários.
Rolando Almeida

Anónimo disse...

1 - "Não. Um raciocínio inválido pode ter uma conclusão verdadeira."

Hum...é o que dá o filosofismo e a falta de análise crítica cuidadosa dos dados ( neste caso um simples texto escrito) e a consequente bias nos resultados desse raciocínio...


"O que se passa é o seguinte: você pensa que se faz ciência de maneira automática: mete-se os dados por um lado e do outro sai a ciência"

Noto em sim uma permanente distorção cognitiva, o que o leva a raciocínios bastante confusos e a conclusões falsas. Eu não penso nada disso e nada do que afirmei permite deduzir tal dislate. Deve ser uma questão de filosofismo, que lhe obnubila o raciocínio, mais uma vez.
A ciência constrói-se sobre dados, com "achados", com análises estatísticas complçexas, com a aplicação de modelos matemáticos, com resultados laboratoriais precisos. E com base neles elabora-se uma análise cuidadosa e detalhada. Tanto mais complexa quanto mais os dados.
Fazer ciência não é fazer listas de factos observáveis ou listas de afirmações delirantes de tipo filosófico.

"A validade é definitiva, como a verdade"

Não a verdade científica nem a validade científica. Não são definitivas nem absolutas nem descontextualizadas.

3 - "Você não tem “evidências” físicas (isto é um anglicismo, você quer dizer indícios) de ter cérebro; infere que o tem com base na evidência física de que outras pessoas têm cérebro."

Errado, mais uma vez. ( Bastante anedótica, esta afirmação).
Tenho a certeza que tenho cérebro porque:
1 - Já o observei através de imagiologia
2 - Já detectei a sua actividade através de traçado de EEG
3 - E por último, quem conhece um mínimo de anatomofisiologia do sistema nervoso sabe que basta o facto de esttar a escrever num teclado deste PC para ter a certeza de que tenho um cérebro e está funcional.
Não necessito de nenhuma dedução "com base na evidência física de que outras pessoas têm cérebro." porque já visualizei o meu pr´
oprio cérebro através de tomografia axial computorizada.
E observei outros cérebros não apenas humanos mas de outros animais.


3 - Por último, vejo que não conseguiu comprender o meu exemplo, por isso confundiu tudo.

"Claro, se Y está vivo, não há mais conversa."

Eu não puz sequer a hipótese de Y estar vivo.
O que tentei que você percebesse é que uma discussão filosófica sobre a autoria de uam morte hipotética seria completamente absurda, independentemente da validae da argumentação filosófica... ( Estava a fazer uam analogia ...
No caso de não termos sequer a evidência fisicamrente demonstrávek de que Y existe ou que que foi vítima de homicídio fazer arguemntos sobre quem o matou é uma inutilidade.
"Inútil seria uma discussão em tribunal sobre a afirmação de que X matou Y se não existisse qualquer indício "físico " da ocorrência do facto , mas apenas uma "ideia" teórica sobre a possibilidade desse evento...
Aí sim, seria completamente delirante” estar com argumentos tolos atrás de argumentos tolos” sobre algo que não existe nenhuma evidência física que ocorreu... ou que existiu."
Já percebeu agora?

Daniel de Sá disse...

Meu Caro Rolando
Sinceramente, sinto-me honrado por ter concordado comigo. Quer dizer que, afinal, não estou muito desatento em relação ao que se passa, ou deveria passar, no ensino em Portugal. O caso que refere, de haver professores que transformam em sociologia a filosofia da religião, talvez se deva a um facto de que falo com frequência: a sociologia, sendo uma "ciência" relativamente nova, julgou-se no direito de preencher áreas do pensamento muito mais antigas. Ou a psicologia, também. Desta costumo dar um dos exemplos que me parecem mais caricatos: a afirmação de que casais que vivem muitos anos juntos acabam por se assemelhar fisicamente. Basta ver uma fotografia do casamento para constatar que essas semelhanças já existiam quando se casaram, pois há uma certa tendência de um homem ou uma mulher se sentirem atraídos pelo mesmo tipo físico.
Claro que não tenho dados para contratariar a tese do Desidério, que o Rolando faz sua, da falta de gente capaz de discutir a filosofia da religião.
O que eu lamentei foi sobretudo aquela linguagem de uma violência atroz, que eu não imaginava possível num filósofo, principalmente com a craveira intelectual do Desidério. É que esse estilo de linguagem é típico da falta de argumentos.

Desidério Murcho disse...

Bluesmile, eu disse-lhe que um raciocínio inválido pode ter uma conclusão verdadeira. E você responde “Hum...é o que dá o filosofismo e a falta de análise crítica cuidadosa dos dados ( neste caso um simples texto escrito) e a consequente bias nos resultados desse raciocínio...”

Você claramente não sabe lógica. Isto é elementar. Claro que um raciocínio inválido pode ter uma conclusão verdadeira. Isto é tão elementar como saber que dois mais dois são quatro. Veja este exemplo:

Se o Cavaco é algarvio, é português.
O Cavaco é português.
Logo, é algarvio.

O raciocínio é inválido, mas a conclusão é verdadeira.

Eu disse que a validade é definitiva, como a verdade. E você responde: “Não a verdade científica nem a validade científica. Não são definitivas nem absolutas nem descontextualizadas.”

Está a confundir a verdade com o que nós pensamos que é a verdade. Claro que não era verdade no tempo de Ptolomeu que a Terra estava parada, sendo agora verdade que se move. Das duas uma: ou se move ou não. Nós é que podemos primeiro pensar que não se move, e depois descobrir que estávamos enganados. Podemos primeiro pensar que a teoria da relatividade é verdadeira e depois descobrir que é falsa. Mas isso não faz a verdade deixar de ser definitiva. O que não é definitivo é o que nós pensamos que é verdade.

“Tenho a certeza que tenho cérebro porque:
1 - Já o observei através de imagiologia
2 - Já detectei a sua actividade através de traçado de EEG
3 - E por último, quem conhece um mínimo de anatomofisiologia do sistema nervoso sabe que basta o facto de esttar a escrever num teclado deste PC para ter a certeza de que tenho um cérebro e está funcional.”

Bom, eu também acredito que você tem cérebro, apesar de nunca lho ter visto. Mas mude o exemplo. Nunca ninguém viu um quark, nem o Big Bang — nem um dinossáurio. Só vemos os efeitos dessas coisas — e inferimos que essas coisas existem. A palavra-chave aqui é “inferimos”. Eu infiro que você tem um cérebro, apesar de nunca lho ter visto. E você infere que tenho um também (apesar de funcionar muito mal porque só produz filosofices). Quando você vê uma pessoa, infere que ela tem cérebro — não vai abrir-lhe a cabeça para ver. Infere.

“No caso de não termos sequer a evidência fisicamrente demonstrávek de que Y existe ou que que foi vítima de homicídio fazer arguemntos sobre quem o matou é uma inutilidade.”

Só que isso é irrelevante para a discussão. Claro, se não temos quaisquer razões para pensar que Y existe, ponto final. Só que em filosofia da religião muitas pessoas defendem precisamente que a existência do mundo é uma “evidência” de que Deus existe. Esta ideia não é disparatada. Pode ser falsa, e o argumento que está em causa pode ser inválido, mas não é nem obviamente inválido o argumento nem obviamente falsa a ideia. Porque se o fosse teríamos de dizer que os quarks são uma fantasia, ou o Big Bang, pois nós deles só temos “evidências” indirectas.

Ou seja, você não entende o que é a ciência. Pensa que é colecção de selos. Não é. Ciência é uma actividade que exige muito raciocínio. Inferências. Com base em dados empíricos, inferimos fenómenos e entidades que não podemos observar directamente. Inferimos — não observamos directamente. Você não tem de observar o cérebro de todas as pessoas para ter a crença perfeitamente justificada de que todas elas têm cérebro. Pode enganar-se? Claro. Há bebés que nascem sem cérebro. Mas dado o que você sabe das coisas, infere que qualquer adulto normal, com uma actividade normal, tem cérebro. Mas nunca lho viu. Apenas infere isso. O que é perfeitamente legítimo. Não é uma filosofice.

Anónimo disse...

Desidério diz que não percebo de lógica elementar. E depois atira-me com um exemplo e silogismo básico, desses que se ensinam a meninos de segundo ano do ensino básico.
Abstenho-me de interpretar a atitude do Desidério, mas sempre lhe queria dizer, que o seu exemplo me vem dar razão.
Como filósofo, Você poderia fazer este exercício argumentativo ( um bocadinho fítil, mas pronto, nada de surpreendente ), de inferência, mas se fosse cientista, não se ficaria pela conclusão.
Iria verificá-la e avaliar da sua replicabilidade nas mesmas mesmas condições. Ou seja, iria verificar não apenas se a conclusão é verdadeira mas se são verdadeiras as premissas donde partiu.E iria mesmo verificar , atrvés de replicação avalidade do raciocínio.
Neste caso, se tivesse um pensamento científico baseado na lógica , nunca se ficaria pelo silogismo lógico elementar mas passaria a outro nível de abstracção.

Um outro excelente exemplo de que a “lógica científica” não é algo de tão elementar e de tão pouco rigoroso quanto o pensamento do filosofismo é dada pelo exemplo do desidério acerca do cérebro.


“Você não tem de observar o cérebro de todas as pessoas para ter a crença perfeitamente justificada de que todas elas têm cérebro“.

A inferência, em ciência ( por dedução ou indução) não é uma crença em sentido filosófico, tal como a crença na alma.
Posso inferir que o Desidério tem cérebro porque posso observar directamente o seu cérebro ou o cérebro de qualquer pessoa. Mesmo naqueles casos que você, por ignorância, diz haverem pessoas que nascem sem cérebro. Não é verdade. Mesmo nos casos de malformação congénita de “anencefalia” (que podem ser múltiplos e com vários níveis de complexidade) é possível observar e identificar certas estruturas básicas correspondentes a certas estruturas cerebrais incipientes.

Mais ainda, da observação factual e da experimentação clínica, conhecemos hoje, com um elevado grau de certeza, as funções do cérebro. E sabemos, com um elevado grau de probabilidade de certeza que para desenvolver certas actividades psicomotoras, sensoriais ou cognitivas é condição prévia a existência de um cérebro “íntegro e funcional”.

Sabemos até que esse funcionamento se altera em certas condições.

Portanto, se o Desidério tecla num PC posso deduzir que tem um cérebro, mesmo que não esteja a observá-lo neste momento. E posso até inferir, com elevado grau de certeza, que se enfiasse a cabeça do Desidério num PET observaria o seu cérebro. Ponto.

Ou seja, as inferências, em ciência, são sempre construídas a partir do “directamente observável”, do replicável e do “fisicamente demonstrável".Ponho aspas porque estes conceitos pediriam uma análise mais fina.

E por isso mesmo, as conclusões em ciência têm, uma elevada probabilidade de serem verdadeiras.
E já agora, a verdade científica é sempre contextualizada, ao contrário dascrenças do desidério.
SE amanhã, por exemplo descobríssemos uma espécie com as mesmas manifestações biofisiológicas e cognitivo-comportamentais da espécie humana , mas que não tivesse SNC, os nosso paradigmas de compreensão da realidade teriam de se alterar: Mais ainda, se amanhã tivermos “máquinas” com inteligência artificial, com as mesmas respostas dos humanos, em que os circuitos electrónicos se substituem a os circuitos neuronais, é possível que nossa noção de cérebro ou mesmo de pessoa tenham de ser alteradas. E nesse caso, o Desidério poderia ser não uma pessoa com cérebro a teclar num computador, mas um computador em rede a interagir com um humano.
Complicado?
Pois é. O compensamento científico é assim mesmo.

Não se trata de uma crença no sentido sugerido pelo desidério.
Crença seria se substituísse a palavra cérebro por ALMA e continuasse o raciocínio
Ou seja, o Desidério não faz ideia do que é ciência.
Nem percebe que mesmo modelos teóricos como a teoria do Big Bang, se baseiam em evidências experimentais e matemáticas de vário tipo enão nuam cença em sentido religiosos de "acreditar" no que ninguém o pode observar..

Por último, não deixa de ser curioso observar que o discurso de uma certa tendência do pensamento filosófico, o “filosofismo” se aproxima bastante de certas dimensões do fundamentalismo religioso expressas nos recentes debates dos criacionistas.
Os Pressupostos são os mesmos – a ideia de que a verdade é rígida, imutável e definitiva e que para se “aceder” à “verdade” ou ao verdadeiro conhecimento sobre sobre a realidade basta um conjunto de exercícios argumentativos, mais ou menos lógicos, independentemente de dados factuais, evidencias físicas, construção experimental, testagem de hipóteses e elaboração de conclusões/generalizações com condições de replicabilidade.
Uma certa “perseguição “ à ciência e ao conhecimento científico estruturado, expressa, pelo lado do fundamentalismo religiosos numa”teologia da suspeita” ou na “ideologia da vitimização” , ou mesmo na violência ( uma espécie de nova caça ás bruxas).

Do lado do filosofismo militante, de que o Desidério é um interessante exemplo, este “desconforto “ face á ciência exprime-se no retomar de uma certa a forma de argumentação puramente retórica em que ao acto de pensar, ainda que completamente desligado da realidade factual, ou da fisicalizadade da evidencia, se justifica de per si, num diletantismo um pouco ingénuo mas não inconsequente.

Queriam ou não queiram , uns e outros, é o conhecimento científico quem tem trazido algumas respostas às questões essenciais da humanidade que estiveram na origem da crença religiosa e do pensamento filosófico – sobre o controle da dor, o aumento da longevidade, ou a explicação do cosmos, só para dar alguns exemplos.
directamente. Quer queiram ou não, uns e outros , o pensamento “científico” tal como hoje o concebemos radica” na filosofia grega e mesmo n a crença religioso cristã

O que observo, nestes “debates” inflamados do desidério, bastante parecidos com certos pretensos debates dos criacionistas é um profundo desconhecimento sobre o que é fazer ciência, uma dificuldade extrema em termos de conceitos e linguagens.

Desidério Murcho disse...

Bluesmile, as premissas do raciocínio que apresentei como exemplo são verdadeiras, tal como a conclusão, mas o raciocínio é inválido. Além disso, o exemplo que eu lhe dei não é um silogismo! É um raciocínio proposicional, mas os silogismos são predicativos. Você não sabe qual é a diferença entre a validade de um raciocínio e a verdade das proposições que constituem o raciocínio. A verdade é uma propriedade das próprias proposições (premissas e conclusão), a validade é uma propriedade da relação existente entre as proposições. Raciocinar é inferir umas proposições de outras. E isso pode ser bem feito (validade) ou mal feito (invalidade), independentemente de saber se as premissas são verdadeiras ou falsas. Você pensa erradamente que basta um raciocínio ter conclusão verdadeira para ser válido, mas isto é falso. É como pensar que basta alguém acertar por sorte na lotaria para se poder dizer que sabia previamente qual era o número que ia sair.

Concordo que o raciocínio que apresentei como exemplo é elementar. Tal como é elementar fazer contas de dividir e trigonometria básica. Mas se não souber estas coisas básicas não poderá ser uma boa cientista. Mas se quiser posso apresentar-lhe um raciocínio não elementar.

“Posso inferir que o Desidério tem cérebro porque posso observar directamente o seu cérebro ou o cérebro de qualquer pessoa.”

Imagine o que seria uma pessoa ir ao médico e este dizer-lhe: “Agora vamos fazer uns exames para ver se você tem fígado.” Isto é uma tolice pegada. O médico acredita desde logo que a pessoa tem fígado e faz isso justificadamente, por indução. Mas a indução é um raciocínio como outro qualquer, é uma inferência. E você pensa que a ciência se faz sem inferências, pensa que se faz apenas por observação directa, o que é um completo absurdo.

“Portanto, se o Desidério tecla num PC posso deduzir que tem um cérebro, mesmo que não esteja a observá-lo neste momento. E posso até inferir, com elevado grau de certeza, que se enfiasse a cabeça do Desidério num PET observaria o seu cérebro. Ponto. Ou seja, as inferências, em ciência, são sempre construídas a partir do “directamente observável”, do replicável e do “fisicamente demonstrável".”

Mas o ponto importante é que são inferências! Claro que são inferências partindo do observável, nas ciências empíricas (é por isso que se chamam empíricas...). Mas com base no observável chega-se por vezes em ciência a conclusões que não são observáveis. É só isso que estou a tentar explicar-lhe. Por exemplo, você nunca poderá observar o Big Bang, nem um quark — observa apenas o que se presume serem os efeitos desses fenómenos. Ou seja: você infere com base no observável que há ou houve coisas que são inobserváveis, e depois com base nesses inobserváveis faz mais raciocínios acerca de outros aspectos da realidade.

“Por último, não deixa de ser curioso observar que o discurso de uma certa tendência do pensamento filosófico, o “filosofismo” se aproxima bastante de certas dimensões do fundamentalismo religioso expressas nos recentes debates dos criacionistas.”

Eu não sou criacionista, nem sequer religioso; sou ateu. Você não entende o que é uma crença — uma mera representação da realidade — pensando que todas as crenças são religiosas. Você não entende que a diferença fundamental entre as crenças científicas e as religiosas é que as primeiras estão justificadas, mas não as segundas — daí a noção de “fé”, que é crença sem justificação.

Para se ter boas teorias sobre a realidade temos de fazer inferências e de observar e medir cuidadosamente a realidade. Eu não nego nada disto. O que você não entende é que é preciso fazer inferências — aliás, você nem sabe o que é uma inferência, pensa que toda a inferência é um silogismo.

Eu não tenho qualquer desconforto face à ciência e condeno o criacionismo, tal como condeno o beatismo, que no nosso país é bem mais influente e grave do que o criacionismo. Mas lamento igualmente a ignorância e a estupidez, venham elas de beatos ou de pretensos defensores da ciência. Na verdade, incomoda-me muito mais o segundo caso, pois estragam uma causa que também é a minha: a defesa da ciência, da racionalidade, da liberdade mental. Quando pessoas como você estão pretensamente do mesmo lado do que eu na defesa da ciência, eu fico imediatamente assustado, como qualquer pessoa minimamente inteligente ficaria. Com tolinhas como você do lado da ciência, a ciência não precisa de inimigos: destrói-se a si mesma, vítima do preconceito e da ignorância, do desconhecimento e da incapacidade para raciocinar com pés e cabeça. Só espero que você não seja professora universitária, pois se o for, o ensino universitário da ciência no nosso país é tão mau quanto o da filosofia infelizmente o é. E a bem dos nossos estudantes eu não gostaria que o fosse.

Anónimo disse...

"as premissas do raciocínio que apresentei como exemplo são verdadeiras, tal como a conclusão, mas o raciocínio é inválido."

1 - Uma pergunta muito simples:
O que o faz acreditar que a conclusão é verdadeira?


2 - "Com tolinhas como você do lado da ciência, a ciência não precisa de inimigos"
Poderia replicar, utilizando a inteligente "argumentação filosófica" deste tipo - penso que são argumentos ad hominem , não é? - que com tolinhos como você do lado da "filosofia" , esta não precisa de inimigos.
E realmente é verdade, quer nas suas pretensas argumentações sobre Filosofia da Religião, quer na área da discussão sobre a Ciência, onde Filosofia pode ter um papel de relevo. A postura do Desidério é demasiado rígida, inflexível a agressiva, e intelectualmente pouco estimulante. não denotando um mínimo de capacidade do que se espera de um aprendiz dw filósofo.
Não cumpre sequer o desiderato da clareza de pensamento..
Lamentável.

Neste ser último texto ( verifico que não conseguiu responder a nenhuma das minhas observações a propósito da existência do cérebro) - corrobora a minha hipótese iniciL - o filosofismo está muito próximo do fundamentalismo religioso.
O segundo utiliza muitas das "armas " do primeiro, NOMeADAMENTE o ataque à ciência, à racionalidade e à liberdade de pensamento.

Anónimo disse...

E, na falta de razão, ambos usam o insulto tout court ou a "desqualificação" do interlocutor...

Anónimo disse...

"você pensa que a ciência se faz sem inferências, pensa que se faz apenas por observação directa, o que é um completo absurdo."

Mas que disparate! Porque não lê o que escrevi, para relamente comprernder o que penso? É assim tão elaborado?

Desidério Murcho disse...

Nunca ataquei a racionalidade nem a ciência.

Respondi à sua questão do cérebro argumentando que as pessoas não precisam de observar o seu próprio cérebro para saber que têm um -- limita-se a inferir isso.

O importante é que nem toda a ciência é mera observação. Dei-lhe já vários exemplos disso, mas você não responde.

No que respeita ao raciocínio sobre o Cavaco Silva, a diferença é entre saber que uma proposição é verdadeira com base na observação e saber que é verdadeira com base numa inferência. E tudo o que o exemplo pretendia mostrar, e mostra decisivamente, é que há argumentos inválidos com premissas e conclusão verdadeiras, ao contrário do que você afirmou.

Desidério Murcho disse...

O Big Bang nunca foi observado, nem os quarks. Inferimos estas entidades e fenómenos. Não os observamos. Com base noutras observações, inferimos coisas que não podemos observar.

Portanto, a ciência, mesmo a ciência empírica, apoia-se fortemente na inferência -- que era o que eu defendia desde o início.

E ainda nem falámos da matemática, que obviamente não se apoia na observação.

Você considera que tudo o que é inferencial é pura retórica e argumentação oca. E eu respondi-lhe que não, pois a ciência apoia-se fortemente nas inferências.

Você não sabe distinguir uma inferência válida de uma inválida. Não sabe sequer o que é uma inferência. Confunde as inferências com as proposições usadas nas inferências e a validade das inferências com a verdade das premissas e conclusões.

Além disso, confunde a verdade com o que pensamos que é verdade. Não é verdade que a Terra estava imóvel dantes e que agora está em movimento -- o que se passa é que dantes *pensávamos* que estava imóvel e agora *pensamos* que está em movimento. Pensar que algo é verdade é muito diferente de ser verdade pelo simples facto de que não somos omniscientes.

O que você queria dizer, mas nem é capaz de se exprimir com rigor, é isto:

A ciência, apesar de ser inferencial, apoia-se fortemente na observação, neste sentido: podemos com base em observações inferir a existência de entidades e fenómenos inobserváveis, mas tem de haver uma base observacional no início da cadeia de inferências.

Mas basta dizer isto claramente para se perceber que ter cuidado com as inferências que se fazem é crucial em ciência, tal como é crucial em qualquer outra área.

O importante é isto: não é apenas porque a ciência empírica se apoia na observação que é racional e que as teorias e leis científicas estão justificadas; é também porque as inferências são válidas. As observações poderiam ser cuidadosas mas, se as inferências forem inválidas, as conclusões não estariam justificadas. E, dado que você pensa que as crenças religiosas não estão justificadas, a ciência seria exactamente como a religião, pois as suas conclusões não estariam justificadas, ainda que se apoiassem na observação. O seu problema é pensar que a partir do momento em que nos apoiamos na observação já está tudo bem e já é ciência. Isto é um disparate.

Anónimo disse...

Vejo que finalmente leu os meus textos, embora ainda assim não os tenha compreendido integralmente e em algus casos os tenha distorcido.
Passarei a usar uma linguagem ainda mais simples.
Um exemplo:
"A ciência constrói-se sobre dados, com "achados", com análises estatísticas complexas, com a aplicação de modelos matemáticos, com resultados laboratoriais precisos. E com base neles elabora-se uma análise cuidadosa e detalhada. Tanto mais complexa quanto mais os dados.”

O desidério interpretou assim:
"O seu problema é pensar que a partir do momento em que nos apoiamos na observação já está tudo bem e já é ciência."
Nada disso.
Sim, o conhecimento científico é inferencial, e apoia-se fortemente na observação, neste sentido: podemos com base em observações inferir a existência de entidades e fenómenos inobserváveis, mas tem de haver uma base observacional no início da cadeia de inferências. Foi o que lhe expliquei relativamente ao exemplo do cérebro ou a propósito da teoria do big bang.
“ mesmo modelos teóricos como a teoria do Big Bang, se baseiam em evidências experimentais e matemáticas de vário tipo e não numa “crença” em sentido religioso de "acreditar" no que ninguém pode observar…”
“A inferência, em ciência (por dedução ou indução) não é uma crença em sentido filosófico, tal como a crença na alma.”.

Mas o conhecimento científico vai mais longe – é a observação e os dados obtidos através da verificação experimental, é a possibilidade de replicabilidade, nem que seja através de modelos abstractos, que permite validar a “verdade” das inferências, por dedução ou indução.
Escrevi-o várias vezes e com vários exemplos concretos embora você não tenha conseguido interpretá-lo. Penso que tem uma grande dificuldade em compreender a linguagem científica.
“As observações poderiam ser cuidadosas mas, se as inferências forem inválidas, as conclusões não estariam justificadas” Precisamente. Por isso mesmo é que o conhecimento científico implica a validação de resultados e a condição de replicabilidade para aferir da validade das conclusões.
POR isso é que o resultado da inferência em ciência não é absoluto nem definitivo, mas contextualizado e probabilístico - implica uma elevada probabilidade de certeza e uma baixa probabilidade de erro.

E por isso em ciência, ao contrário da religião e, pelos vistos, da filosofia, as verdades não são definitivas ou absolutas.
Voltando ao exemplo da translação da terra. Pensava-se que a terra se mantinha imóvel e o sol girava á volta da terra. Era um tipo de crença religiosa ou de conhecimento empírico... Uma conclusão errada resultante da inexistência de conclusões baseadas na observação e na aplicação de metodologia científica. Essa crença permitia uma leitura adequada da realidade? Não, era uma crença. Não era “verdade “ nenhuma, no sentido de conhecimento científico.
Com a inovação tecnológica e a invenção de algo tão simples como um telescópio foi possível observar o movimento dos astros, formular cálculos básicos e inferir que a Terra não está parada mas se move á volta do Sol.
E isto é verdade?
Os dados de que dispomos indicam que sim, com um elevado grau de certeza. Isdto porque observações posteriores, dados experimentais posteriores e cálculos posteriores vieram não apenas corroborar esta "inferência " como tornar mais precisa a informação sobre essa "verdade". E a isto chama-se conhecimento científico e não uma “crença”.
Mas então a “verdade” mudou?
Não. O que mudou foi a compreensão da realidade, o que mudou foi a possibilidade de existir uma adequação entre o conhecimento ( a compreensão /interpretação da realidade) e a realidade.
“Pensar que algo é verdade é muito diferente de ser verdade”
Monsieur de la Palisse não diria melhor. A questão de fundo não é essa.
A pergunta que subjaz a algumas tensões entre “filosofismo” e ciência é um pouco esta - Qual a metodologia mais adequada para formular conclusões verdadeiras sobre a realidade? A crença religiosa? A especulação filosófica? O empirismo? A capacidade argumentativa desligada da validação experimental? Ou a metodologia científica?
Quanto ao raciocínio sobre o Cavaco Silva, o que pretendi demonstrar foi que se as premissas são verdadeiras e se o raciocínio é válido, inevitavelmente a conclusão é verdadeira.
E fi-lo na sequência de uma afirmação na caixa de comentários segundo a qual, bastaria uma argumentação válida (ou um raciocínio válido) para obter conclusões verdadeiras. O que tem como consequência que basta uma certa ginástica argumentativa para obter conclusões verdadeiras.
Por isso escrevi.
“Como filósofo, Você poderia fazer este exercício argumentativo ( um bocadinho fútil, mas pronto, nada de surpreendente ), de inferência, mas se fosse cientista, não se ficaria pela conclusão. Iria verificá-la e avaliar da sua replicabilidade nas mesmas condições. Ou seja, iria verificar não apenas se a conclusão é verdadeira mas se são verdadeiras as premissas donde partiu. E iria mesmo verificar, através de replicação, a validade do raciocínio.”
E é essa a diferença entre conhecimento científico e “filosofismo” – só a metodologia científica permite verificar:
1 – A veracidade das premissas
2 – A validade do raciocínio.
3 – A veracidade das conclusões
O filosofismo fica-se pela “formalidade processual” e considera indiferente a verificação e replicação.
E, já agora, em ciência HÁ SEMPRE RESULTADOS, mesmo que não sejam aqueles que tínhamos previsto e que o resultado seja a não confirmação da hipótese ou a inexistência de dados com significância.
Por último, Você considera mesmo que não existe conhecimento científico mas uma crença.
Curiosamente, é precisamente essa a argumentação do criacionismo. Não existem teorias ou modelos científicos, apenas crenças.
Usando o seu exemplo, você considera que a afirmação que as pessoas tem cérebro, é uma crença, em tudo igual á afirmação que as pessoas têm alma; a afirmação de que as ovelhas existem é uma crença, qualitativamente igual á crença de que existem sereias.
Ora os criacionistas utilizam precisamente o mesmo tipo de argumentação – a teoria da evolução não é uma teoria científica, mas uma crença, e como tal pode ser rebatida apenas com “argumentação etérea”, sem necessidade de utilizar o conhecimento científico – factos, dados observáveis, replicabilidade, experimentação.
Não é preciso.
Do lado do filosofismo militante tal como do lado do fundamentalismo religioso , esta aversão á ciência”, exprime-se no retomar de uma certa a forma de argumentação puramente retórica em que ao acto de pensar, ainda que completamente desligado da realidade factual, ou da fisicalidade da evidencia, se justifica de per si, num diletantismo um pouco ingénuo mas não inconsequente.
O discurso do Desidério vai muito por aí, entre outros “tiques”( uma certa rigidez de pensamento e o insulto fácil)que tornam o diálogo que afirma pretender um pouco difícil.
È pena.

Anónimo disse...

Em suma, parafraseando Yourcenar, um cientista deve abster-se "sempre de fazer da verdade um ídolo, preferindo designá-la pelo nome mais humilde de exactidão".

Mas, para que idolatra a "verdade" como algo de imanente, imutável e definitivo a que se pretende aceder pelo intelecto (filosofismo) ou pela Fé (crença religiosa)....

Desidério Murcho disse...

1. Eu não idolatro a verdade. Apenas distingo claramente a verdade do que pensamos que é verdade, como você acabou por ter de fazer, depois de muitas voltas e tolices.

2. Repito: as conclusões dos argumentos não podem ser válidas ou inválidas, são os raciocínios ou inferências que são válidas ou inválidas. As conclusões são verdadeiras ou falsas. Quer que lhe faça um desenho?

3. A ciência não dispõe de quaisquer processos para aferir a validade dos seus raciocínios, você nem sequer sabe o que é um raciocínio e pensa que se um raciocínio tem uma conclusão e premissas verdadeiras, é válido. A grande vantagem da ciência é que quando as conclusões dos seus raciocínios são falsas, vocês batem com a cabeça na realidade. E por isso nem têm de se preocupar muito com a correcção dos raciocínios: se raciocinarem mal, batem com a cabeça na parede. Mas isto o que significa é que uma pessoa, como é o seu caso, pode ter formação científica e não saber de todo em todo raciocinar, o que é lamentável.

4. A filosofia ocupa-se de problemas que ninguém sabe resolver cientificamente, mas ocupa-se desses problemas com a mesma racionalidade e rigor do que a ciência. Pura e simplesmente não é uma disciplina empírica, tal como a matemática não é uma disciplina empírica. Ah, vai dizer agora que a matemática não é científica?

5. A filosofia não é uma disciplina formal, no sentido de se ocupar apenas da validade dos argumentos, desprezando a verdade das premissas. O que a filosofia faz muitas vezes é explorar o desconhecido: sem sabermos se algo é verdade ou não, tentamos explorar as consequências disso ser verdade e as consequências de não o ser. Chama-se a isto especulação -- mas a especulação pode ser feita com rigor e seriedade. Leia uma revista académica de filosofia, como a Analysis ou a Mind ou a Nous ou o Journal of Philosophy. Provavelmente a sua universidade dá acesso às versões electrónicas destas revistas.

6. Você entende "crença" como "crença religiosa" ou "crença injustificada", mas esse uso está errado. Aquilo a que você chama "verdades provisórias" da ciência são crenças científicas -- mas as crenças científicas são cuidadosamente justificadas. A crença não implica a adesão emocional profunda que caracteriza a crença religiosa -- todos nós temos a crença, justificada, de que Hitler morreu no fim da segunda guerra mundial, mas podemos facilmente mudar esta crença se entretanto aparecerem bons indícios em sentido contrário. Uma crença é apenas uma representação que fazemos da realidade, o que nós pensamos que a realidade é; se a crença for justificada, poderá ser conhecimento, se for também verdadeira.

7. Para você ver o tipo de coisa que se faz em filosofia aconselho o capítulo que escrevi para cientistas no livro "Tempo e Ciência" (Ciência Aberta, Gradiva). Lá encontrará um argumento definitivo contra o tipo de ideia que você tem da filosofia.

8. Gosto de insultá-la porque isso me faz sentir logo melhor pela manhã, assim como a outros comentadores idiotas. Aliás, não é para nos insultarmos uns ao outros que comentamos nos blogs?

João Vasco disse...

Desidério:

Tenho concordado consigo ao longo desta discussão, mas não concordo com dois dos pontos da última mensagem:

3. Isso era sarcasmo? É óbvio que na prática as coisas não funcionam assim, e espero nem precisar de explicar porquê. É óbvio que nas ciências empíricas, tal como em matemática, filosofia, etc... é central a capacidade de raciocínio. Acho que se aprende a raciocinar, e bem.

4. Creio que é perfeitamente defensável alegar que a matemática e a filosofia não são ciências. Muitos vêem como científico apenas aquilo que é falsificável, pelo que a história já pode ficar de fora ou quase na fronteira. Será essa posição indefensável? Nunca mo pareceu - embora não a partilhe.
Por outro lado, já tenho visto o Ludwig do blogue "que treta!" dar excelentes argumentos para explicar em que medida é que a matemática também é uma ciência empírica. A ideia pareceu-me disparatada ao início, mas depois da argumentação dele pareceu-me defensável.

Anónimo disse...

"Gosto de insultá-la porque isso me faz sentir logo melhor pela manhã, assim como a outros comentadores idiotas.Gosto de insultá-la porque isso me faz sentir logo melhor pela manhã, assim como a outros comentadores idiotas. Aliás, não é para nos insultarmos uns ao outros que comentamos nos blogs?"

O Murcho revela finalmente o que o faz escrever neste blogue ao abrigo de um insuspeito "amor á filosofia" - a possibilidade de expressar online a agressividade latente ao abrigo de alguma frustração reprimida.

É uma justificação como qualquer outra. Não vale é fingir que se tem um blogue pretensamente "sério" para isso. Há terapias mais eficazes e com menos impacto negativo para visibilidade social da Filosofia.
Como alguem já escreveu por aqui
" o Desidério defende-se imenso quando não consegue ser eficaz na argumentação. Puxa dos galões de filósofo profissional, menospreza quem fala consigo, manda-os ler uns livros, etc, etc."
O habitual... Ou então insulta.

Eventualmente a "especulação filosófica " e o diálogo entre Filosofia e Ciência pode ser feita com seriedade, mas não é o que observo nas intervenções desidéricas. Ou serão desintéricas?

José Oliveira disse...

Olá:

A ciência tem o seu cerne teorias (muitas vezes metafísicas) que Lakatos chamou o núcleo do programa de investigação. A partir desse núcleo, os cientistas, em cada área, fazem conjecturas que depois vão testar e ver se realmente se aproximam da realidade (sem que o referido núcleo seja afectado!). Se essas conjecuras são falsificadas, então parte-se na busca de outra melhor (para que se considerem falsificadas, têm de não explicar convenientemente o que se passou; só podendo ser substituídas por outras teorias que expliquem mais).

Tanto o falsificacionismo (como Popper o concebia) como a ideia de positivismo na ciência estão há muito tempo ultrapassadas. Não basta uma falsificação para pôr em causa uma teoria (a ideia de experiência crucial é ingénua, pois substima em muito a resiliência das teorias e a perseverança dos cientistas).

Também não se pode fazer ciência sem uma determinada concepção de verdade (que é sempre do domínio da Filosfia). Pois se fosse assim nenhum método usado pela ciência resultaria, pois não teria nada a que aspirar.

Outro problama é partirmos do princípio de que temos uma percepção correcta da realidade. Também aqui a filosofia coloca muitas dúvidas, que de seguida se esforça por ultrapassar. Se a ciência o ignora, não fará um trabalho tão bom como o que apregoa...

Por último, parece-me que qualquer tipo de extremismo é prejudicial. As várias áreas não podem voltar costas umas às outras. A ciência sem filosofia da ciência é cega, a filosofia da ciência sem ciência é vazia!

cumprimentos,

José Manuel Oliveira.

Desidério Murcho disse...

Caros Vasco e José

Obrigado pelas objecções, que fazem todo o sentido.

3. Não, não é sarcasmo, nem sequer é opinião. É factual. Um físico, um biólogo, um químico, nunca aprendeu rigorosamente nada de lógica. Não sabe o que é uma proposição, não distingue isso de um raciocínio, e não tem quaisquer instrumentos científicos para avaliar a validade de raciocínios (e passa a vida a chamar “válidas” às hipóteses, quando as hipóteses científicas são proposições e estas não podem ser válidas nem inválidas no sentido em que os raciocínios são válidos ou inválidos). Há razões históricas para este desconsolo, mas poderei falar disso noutro post.

Mas concordo consigo no seguinte: um cientista é forçado a seguir determinadas metodologias que o obrigam a não fazer grandes erros de raciocínio. Mas isso não é por ter aprendido a raciocinar, mas apenas por racionar apenas e exclusivamente sobre matérias previamente delimitadas, e com procedimentos previamente estabelecidos.

E acrescento: nas chamadas ciências sociais ou humanas e nas humanidades não se desenvolve muitas vezes, infelizmente, qualquer capacidade de raciocínio, ainda que sobre domínios restritos, o que significa que os estudantes destas áreas são geralmente muito mais falhos de competências críticas e de raciocínio do que os estudantes de ciências.

4. Depende de como define “ciência”. O que se passa é que as pessoas tendem a usar “ciência” como sinónimo de "ciência empírica" — e depois, para não terem de aceitar a ideia absurda de que a matemática não é uma ciência, são levadas a defender o indefensável: que a matemática é empírica, para poder então ser ciência. O que está por detrás disto é uma epistemologia positivista que vê a justificação das crenças como algo que só pode ocorrer quando essas crenças têm contacto com a experiência. Mas esta ideia é auto-refutante ou circular porque ou não tem base na experiência ou tem base na experiência. Por outro lado, e como o José referiu, a falsificabilidade é em grande parte um mito que os cientistas foram beber à filosofia de Popper.

A caricatura de Popper claro que é plausível: nas ciências empíricas, como a física, levantam-se hipóteses sobre a realidade, hipóteses que a realidade pode falsificar. Mas isso não é a história toda da teoria falsificacionista — seria como dizer que a teoria de Newton está certa porque, ao fim ao cabo, permite descrever com razoável (mas não total) precisão os movimentos da Lua e de Marte. Tal como a teoria de Newton está errada em muitos pormenores, mas tem coisas certas, também o falsificacionismo está errado em pormenores cruciais, ainda que tenha aspectos correctos.

Vejamos só um exemplo: a própria noção de “ser falsificável” tem duas leituras: uma metafísica e outra epistémica. Ora bem, se aceitarmos a leitura metafísica, isso significa que a hipótese de que a água é H2O não é científica porque não é falsificável — dado que a água é necessariamente H2O. Isto é absurdo.

Vamos então para a leitura epistémica; mas isto quer dizer apenas que o que pensamos que é verdade podemos mais tarde ter razões para pensar que é falso. Ora, isto acontece na matemática; por exemplo, até 1931 havia boas razões para pensar que a matemática era completa. Mas depois Gödel demonstrou que não. E pode muito bem acontecer que alguém um dia descubra que a demonstração de Gödel tem um erro que ninguém viu.

Portanto, se “ser falsificável” for interpretado epistemicamente, significa apenas “estar disposto a mudar de ideias se aparecerem boas razões para isso” (e, curiosamente, esta é precisamente a interpretação que o próprio Popper dá ao conceito, quando o usa para resolver o problema da demarcação).

Oops, escrevi de mais, peço-lhe desculpa. Em qualquer caso, muito obrigado pelas críticas certeiras!

João Vasco disse...

Desidério:

Obrigado peos esclarecimentos, mas creio que continuam a existir pontos de discórdia:

3. «Um físico, um biólogo, um químico, nunca aprendeu rigorosamente nada de lógica. Não sabe o que é uma proposição, não distingue isso de um raciocínio, e não tem quaisquer instrumentos científicos para avaliar a validade de raciocínios»

Isso não é verdade. Além do que todos aprendem no 10º e no 11º ano na cadeira de filosofia (no primeiro período em ambos os anos), os alunos do IST também aprendem lógica no início da cadeira de Análise Matemática I (ou pelo menos aprendiam quando eu lá andei). Amigos meus de engenharia informática da FCT tiveram toda uma cadeira dedicada a esse tema, dadas entre outros pelo Ludwig do "Que treta!".

«(e passa a vida a chamar “válidas” às hipóteses, quando as hipóteses científicas são proposições e estas não podem ser válidas nem inválidas no sentido em que os raciocínios são válidos ou inválidos).»
O facto de alguém optar por usar o significado corrente e impreciso dessas palavras, em vez de optar pela precisão da linguagem técnica, não quer dizer que nunca tenha tomado contacto com essa realidade.
Em física lido muitas vezes com o termo "aceleração" e atribuo-lhe um significado muito preciso. A tal ponto que se alguém disser "o candeiro estava a rodar, mas sem acelerar" a mim parece-me errado. Isso não implica que quem disse isto não tenha qualquer noção de física...

«um cientista é forçado a seguir determinadas metodologias que o obrigam a não fazer grandes erros de raciocínio. Mas isso não é por ter aprendido a raciocinar, mas apenas por racionar apenas e exclusivamente sobre matérias previamente delimitadas, e com procedimentos previamente estabelecidos. »

Este treino faz com que a capacidade de raciocínio se desenvolva.
Imagine que nunca lhe ensinam a cozinhar, mas que trabalhou 10 anos numa cozinha, mesmo que tenha sido a fazer o que lhe mandavam. Certamente não terá saído de mãos a abanar..
Claro que no caso do cientista as coisas são diferentes, pois o cientista está muito longe de "fazer só o que lhe mandam", tendo ele próprio de desenvolver as suas metologias. Este esforço criativo aliado ao ambiente crítico face aos resultados faz com que os cientistas sejam forçados a intuir e compreender as regras de raciocínio, mesmo que nunca lhas ensinem explicitamente (o que até nem acho que seja o caso).

Por todas estas razões creio que é uma crítica muito injusta afirmar que os cientistas não sabem raciocinar.

Mas concordo que muitos cursos das ciências sociais deveriam ter mais matemática (que entre outras coisas, pelas razões que referi acima, desenvolvea capacidade de raciocínio analítico).


4. «para não terem de aceitar a ideia absurda de que a matemática não é uma ciência»
Bem, se calhar isto é completamente disparatado, mas não vejo que essa ideia seja necessariamente tão absurda.

Muitos colegas meus (de física) defendem isso mesmo, e eu, mesmo nãpartilhando desse ponto de vista, não creio que tal posição seja disparatada.


«Ora bem, se aceitarmos a leitura metafísica, isso significa que a hipótese de que a água é H2O não é científica porque não é falsificável — dado que a água é necessariamente H2O»

Posso estar a dizer um grande disparate, mas creio que em certa medida entendo porque é que se pode dizer que isso não é conhecimento científico.

Uma coisa são relações que estabelecemos entre diferentes componentes da realidade, que podemos verificar se existem ou não. Outra são nomenculaturas e convenções que estão relacionadas com a nossa perspectiva, mas que, sendo a realidade a mesma, podiam não ser asim.

Por exemplo: se eu digo que os animais vertebrados estão divididos entre peixes, aves, repteis, mamíferos e anfíbios, não há "conhecimento científico" aqui num certo sentido, visto que, sendo a natureza a mesma, a divisão poderia ter sido outra totalmente diferente, epoderia não ser menos verdadeira por isso.

Quando eu digo que a água é H2O, não estou bem nesta categoria, mas isso é porque essa informação é parcialmente falsificável.
Ou seja: a água podia ser T2R se as convenções fossem outras. Mas de acordo com tais convenções, seria possível através de electrólise separar a água em 2/3 de Tibílio e 1/3 de Ratravio.

Na medida em que "água é H2O" fosse falsificável, seria a medida em que haveria "verdadeiro" conhecimento científico em tal informação.


Claro que muito do conhecimento necessário para se fazer ciência está relacionado com linguagem e convenções, e não apenas com relações entre diferentes aspectos do mundo natural e humano. Mas o conhecimento científico seria apenas esse que seria igual quaisquer que fosse a "linguagem" em que fosse expresso.

Isto tudo para explicar porque é que não me parece absurda a leitura metafísica do conceito de falsificabilidade.

A leitura epistémica seria então um imperativo da racionalidade, mas não apenas da ciência.


Imagino que já terei feito o Deisdério suspirar "estes cientistas", até mesmo depois do texto que escreveu sobre as definições, precisamente a propósito do H2O....

É uma questão de ir continuando a esclarecer. Para mim pelo menos, é um esforço muito útil :)

José Oliveira disse...

Caro Vasco:

Vai desculpar-me mas eu, como não estudo Física, tenho alguma dificuldade em aceitar esta sua afirmação (ou se calhar não o compreendi! e nesse caso peço desculpa...):

"Quando eu digo que a água é H2O, não estou bem nesta categoria, mas isso é porque essa informação é parcialmente falsificável.
Ou seja: a água podia ser T2R se as convenções fossem outras. Mas de acordo com tais convenções, seria possível através de electrólise separar a água em 2/3 de Tibílio e 1/3 de Ratravio."

Penso que o que está em causa não é a convenção, mas a realidade. Nós chamamos água à molécula constituída por dois átomas de hidrogénio ligados a um átomo de oxigénio, não é? Independentemente do nome que se possa dar a cada um dos elementos, a água seria sempre composta pelos mesmos átomos (pelo menos no mundo que conhecemos). Ou estarei a ver mal a questão?

Um abraço,

José Manuel Oliveira.

João Vasco disse...

«Penso que o que está em causa não é a convenção, mas a realidade. Nós chamamos água à molécula constituída por dois átomas de hidrogénio ligados a um átomo de oxigénio, não é?»

Poder-se-ia afirmar que na medida em que é realidade, é falsificável.

Se as convenções fossem outras, a água poderia ser chamada de A120T120A em que A seria o elemento a que damos o nome de oxigénio, 120 o ângulo com o átomo do elemento seguinte (que nós chamamos hidrogénio mas poderia ter outro nome), 120 ângulo seguinte, e A o elemento seguinte.
Esta convenção pode parecer disparatada, mas foi inventada em menos de 1 minuto. A verdade é que as convenções poderiam ser outras, e consoantes elas, consoante o nome "químico" que daríamos À água.
Mas existe alguma informação que não tem a ver com nomes e convençõies arbitrárias, e sim com a natureza da água - 100% de acordo com isso, e até o disse.

Mas essa informação é falsificável. Se fizessemos uma electrólise e vissemos que a água se decompunha em quantidades iguais de oxigénio e hidrogénio, o seu nome teria de ser repensado. Mas nesse sentido o H2O é falsificável.

Não quer dizer que eu defenda este ponto de vista. Simplesmente acho-o coerente e defensável, e não disparatado e absurdo.

José Oliveira disse...

Vasco:

Muito obrigado pelo pronto esclarecimento! Agora já entendi...

Um abraço,

José Manuel Oliveira.

Anónimo disse...

Em suma - Apesar do que afirma o Dr Murcho, O saber da ci�ncia � rigoroso, coerente e verific�vel. Ele deve ser posto � prova, confirmado pela experi�ncia e acess�vel a qualquer experimentador.

Desidério Murcho disse...

Caro Vasco


Tenho muito gosto em trocar ideias consigo. Quanto ao primeiro aspecto:

O caso do ensino de Pensamento Crítico na Universidade Nova de Lisboa é ímpar no país, tanto quanto sei. E devia ser incentivado.

Não é verdade que toda a gente aprenda lógica no 11.º ano, pois isso depende das escolhas do professor de filosofia: se este quiser, pode ensinar lógica aristotélica, que é inútil para aprender a pensar melhor, e não dá qualquer conhecimento correcto da estrutura das proposições ou da argumentação. E a esmagadora maioria dos professores escolhe esta lógica e não a lógica proposicional. Mas mesmo que escolhessem esta, não se lecciona a lógica de predicados, que é muitíssimo importante. É como dar apenas a soma e a subtracção, mas não a multiplicação nem a divisão.

Concordo que os professores de ciências raciocinam melhor do que os professores de humanidades e ciências sociais, assistindo-se, neste último caso, a verdadeiro terrorismo intelectual, tão vácuo de raciocínio como é pleno de falaciosos argumentos de autoridade. Mas os cientistas teriam muito a ganhar em dominar melhor a lógica proposicional e de predicados elementar, para não fazerem confusões elementares e para saberem pensar melhor. Não é preciso saber pensar grande coisa quando podemos controlar experimentalmente o nosso pensamento — pois quando pensámos mal, acabamos por o descobrir batendo com a cabeça na realidade. Mas quanto mais afastada da realidade directamente testável for o tema, melhor temos de saber pensar porque a realidade não está tão disponível para evitar o erro de raciocínio.

Quanto à necessidade, está a confundir palavras com coisas. Claro que poderíamos chamar às moléculas da água outra coisa qualquer, mas não é disso que estou a falar. Estou a falar da própria composição química da água, independentemente dos nomes que você quiser dar às suas moléculas, como o Zé Oliveira sublinhou e bem. O importante é que a água não poderia deixar de ser aquelas moléculas que é, ainda que tais moléculas fossem chamadas por outros nomes: pode chamar “ouro” às moléculas da água, mas elas não passam a ser ouro. Podemos mudar as convenções linguísticas, mas isso não muda a realidade. Por mais que convencionemos que “pobre” quer dizer “pessoa com imensos recursos financeiros” os pobres não passam a ficar ricos.

Quanto à ideia de a matemática não ser uma ciência, tudo o que as pessoas querem dizer com isso é que não é uma ciência empírica. E portanto trata-se de uma discussão desinteressante de palavras. A questão importante é esta: há ou não cientificidade na matemática, no sentido de rigor, objectividade, racionalidade explicitamente usada e publicamente avaliável? Parece evidente que sim. Mas isso é o que é relevante para considerar algo uma ciência, e não o facto de ser ou não experimental. Uma ciência é experimental quando o seu objecto de estudo permite que seja experimental. Mas pode não ser experimental e seguir todos os cânones da cientificidade; paralelamente, a banha da cobra, como a homeopatia, o criacionismo, etc., são tretas experimentais, mas são tretas e não ciência, porque apesar de serem experimentais não obedecem aos critérios de cientificidade que enunciei rapidamente. A ilusão é pensar que o faz da física, por exemplo, uma actividade verdadeiramente científica é apenas a experimentação; não é. São todos os processos de controlo de erros, de análise cuidadosa, de tentativa de refutação. Daí que a história científica, inaugurada pelos gregos antigos, seja bastante diferente dos mitos das origens, por exemplo.

Anónimo disse...

Vasco:

Concordo com a sua reflexão e agradeço-lhe por introduzir alguma seriedade intelectual no debate.

Repare que o Dr Murcho fala "da própria composição química da água, independentemente dos nomes que você quiser dar às suas moléculas"

O que conduz novamemnte à pergunta essencial - qual a forma mais eficaz e adequada de aceder á compreensão da composição química da água?

Do meu contacto com a realidade, parece-me que os investigadores e professores da área das Ciências estão muito mais aptos ( até por "deformação profissional" , mas também por currículo de formação académica ) têm não apenas mais conhecementos de lógica como estão mais habituados a "pensar" e a argumentar utilizando os princíios lógicos, quase como um "automatismo"psicológico, ao contrário dos professores "humanidades "em geral e mesmo dos meus amigos de Filosofia.

"A ilusão é pensar que o faz da física, por exemplo, uma actividade verdadeiramente científica é apenas a experimentação; não é. São todos os processos de controlo de erros, de análise cuidadosa, de tentativa de refutação."
Óbvio.
Qualquer recém licenciado em Física ensinará isso ao Dr Murcho.

Já agora, o que faz do criacionismo uma "treta científica " não é a questão se é ou não experimental.É o facto de não utilizar a metodologisa científica.
Até porque o criacionismo nada tem de experimental.
Baseia-se até no falso pressuposto da impossibilidade da evolução ser provada experimentalmente. E de nada restar em alternativa que não a especulação filosófica sob a falsa da pseudociência.
Filosofismo e criacionismo têm muito em comum, mais uma vez.

Rui leprechaun disse...

A educação religiosa é equivalente à pedofilia, pois viola a autonomia e intimidade de crianças que não têm ainda a necessária maturidade para saber se querem ser religiosas ou não. Devia ser proibida por lei.


Esta afirmação é obviamente anedótica, certo?! Ou seja, assim pensando, toda e qualquer educação que implique a aquisição de conceitos – como a científica, acima de tudo! – só pode ser inculcada após essa tal necessária maturidade. Já agora, nessa injunção paternalista, e que assim nega a própria autonomia referida, em que idade é que as crianças podem então ser educadas... religiosamente, cientificamente, socialmente... whatever?!

Bem, se a resposta for a partir dos 6-7 anos, há talvez alguma coerência nessa afirmação. Contudo, que eu saiba essa também é a idade em que se inicia a educação religiosa, vulgo catequese, logo parece-me que essa estranha declaração tão veemente coloca a maturidade um pouco mais além... na adolescência, talvez?!

Ora aqui, com o maravilhamento da auto-descoberta e também do início da reflexão filosófica sobre o universo e da relação do pequeno eu com o grande todo, por certo já existe essa necessária maturidade para saber se querem ser religiosas ou não. Pelo que, quem não o quer ser deixa de o ser... easy!

Claro que há muitos aspectos no fenómeno religioso, que basicamente se podem apenas subdividir em dois: a religião exotérica e a espiritualidade esotérica. O 1º é o tal mais criticado no artigo e que, sem dúvida, por vezes roça a superstição ignorante com a prática social de uns rituais de fachada mas sem vivência alguma inspirada na autêntica relação de amor que vivifica a crença autenticamente sentida.

Quanto ao 2º, que no cristianismo primitivo era também representado pelo gnosticismo atrás referido, de facto não sente necessidade de grandes discussões ou debates intelectuais, já que se baseia no conhecimento mais directo e imediato do "sentir". Ah, mas não como dor e sim prazer, altíssima e inalcançável alegria, que deveras toda ela é divina na sua mais pura essência! Cause it comes from within, it is deeply built-in!!!

Isto recordou-me agora aquela que é para mim a mais bela canção de amor jamais composta, a ultra dolente "The first time ever I saw your face", na voz fantástica de Roberta Flack:

The first time I ever lay with you
And felt you heart so close to mine
And I knew our joy would fill the world
And would last till the and of time, my love


Este é um sentimento puramente religioso, que o Amor é, como sempre foi e sempre será, a vera essência da espiritualidade... e o que se sente é Verdade!!!

Nesse mesmo sentido, pôde Einstein fazer umas das suas afirmações mais religiosas, numa obra que apenas antecipa aquilo que o futuro em breve nos trará, num casamento óbvio em que apenas o amor da verdade e do conhecimento prevalecerá: "The Merging of Spirit and Science"

The most beautiful and most profound experience is the sensation of the mystical. It is the sower of all true science. He to whom this emotion is a stranger, who can no longer wonder and stand rapt in awe, is as good as dead. To know that what is impenetrable to us really exists, manifesting itself as the highest wisdom and the most radiant beauty which our dull faculties can comprehend only in their primitive forms – this knowledge, this feeling is at the center of true religiousness.

É claro que neste tipo de discussão, quase sempre muito limitada e estreita, o simples uso de palavras como "religião" se presta aos maiores abusos e confusões. E não se trata de nada que tenha a ver com inteligência e qualificações académicas ou mesmo falsa lógica e raciocínios falaciosos, mas antes com algo muitíssimo mais básico e límbico... how do we feel about things, again! Ou ainda, reflexos condicionados, talvez, condicionamento social ou as auto-limitações a que nos fomos submetendo ao longo dos anos. Still, what is religion, really?! De novo, me parece belíssima esta simples e muito compreensiva definição do criador da Teoria da Relatividade:

The religion of the future will be a cosmic religion. It should transcend personal God and avoid dogma and theology. Covering both the natural and the spiritual, it should be based on a religious sense arising from the experience of all things natural and spiritual as a meaningful unity. Buddhism answers this description. If there is any religion that could cope with modern scientific needs it would be Buddhism.

A partir de que idade então podem as crianças ter essa sensação de unidade entre a natureza física que os seus sentidos vão descobrindo e o espírito de vida que as anima... se tudo é indistinguível nos primórdios do ser e na esperançosa alegria de viver?!

Beauty, Beauty, Beauty!... just Beauty all around!!!

But it is deep within that its meaning can be found!!!

Rui leprechaun disse...

Cosmologias como a budista ou taoísta são processuais, centradas num movimento criativo dialéctico que se manifesta através de interacções e co-dependências ou oposições complementares. Aqui também não entra deus.


Ou melhor, não entra segundo o nosso modelo conceptual onde NÃO há verdadeira experiência... o SENTIR!... daquilo que esse palavra grandiloquente deveras significa!!!

Quem diz "Deus", sem O experimentar é um mentiroso!

That's the point!... we lie when we talk about what we don't understand, cause we don't live, it isn't real !!!

Ah! é interessante que essa afirmação de um místico sufi me lembrou agora a também famosa frase de S. João: Se não amas ao teu próximo que vês, como amarás a Deus que não vês?

O que é uma bela maneira de avaliar da religiosidade autêntica... how do we behave unto one another?!

Mas, como já no passado aqui disse, essa palavra "Deus" ou o "Tao", o "Brahma", o "Logos", o "Vazio" primordial significa simplesmente que antes de tudo existir... tempo e espaço... a consciência já era! É só esse o significado da tão mal compreendida... porque NÃO experimentada, sentida, vivenciada!... palavra "Deus" – omnipresente, omnipotente e omnisciente, right?!

Este é deveras o último mistério e que começa já a ser abordado nos cânones científicos. A consciência é anterior a tudo e independente da matéria física, que apenas surgiu porque dela foi originada, porque é imaterial, como logo no início do "Tao Te Ching" tão belamente é explicado:

Yet mystery and manifestations
arise from the same source.
This source is called darkness.

Darkness within darkness.
The gateway to all understanding.


(...)

The Tao is like a well:
used but never used up.
It is like the eternal void:
filled with infinite possibilities.

It is hidden but always present.
I don't know who gave birth to it.
It is older than God.


(...)

Since before time and space were,
the Tao is.
It is beyond "is" and "is not".
How do I know this is true?
I look inside myself and see.



Espantoso! Indizivelmente maravilhoso!!!

But one has to look within... into the wonders to be seen!!! :)

Anónimo disse...

Concordo plenamente - com tantas crenças religiosas, as quais têm desunido os seres humanos e paradoxalmente fomentam as guerras...

Modesto Vitória

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