quarta-feira, 9 de maio de 2007

Liberdade intelectual

A novidade introduzida pelos gregos da antiguidade clássica não foi a tentativa de explicar os fenómenos do mundo sem recorrer a deuses — pois muitos filósofos e cientistas eram religiosos, e recorriam a explicações de carácter semi-religioso. A novidade foi esta: os filósofos da Grécia antiga expunham as suas ideias e desafiavam os interlocutores a discuti-las livremente. Isto gerou uma novidade absoluta na história da humanidade: a cultura da liberdade intelectual. Esta liberdade está na base da universidade e da escola moderna, apesar de a realidade académica e escolar ficar demasiadas vezes aquém do ideal fundador. A liberdade intelectual permite ter uma atitude crítica, opondo-se à atitude subserviente própria da natureza humana, sempre ciente das autoridades e hierarquias. Os gregos antigos introduziram uma atitude que dificilmente floresce em sociedades fechadas: o controlo do pensamento é a primeira coisa que todo o ditador, religioso ou político, procura impor. Ao longo de vinte e cinco séculos, assiste-se na civilização europeia ao constante conflito entre a exigência de liberdade de discussão e as atitudes autoritárias e hierárquicas, que aniquilam o estudo e a criatividade.

Nas sociedades fechadas — por força da Inquisição, do fascismo, do comunismo, do fundamentalismo ou da tradição — pode-se fazer filosofia durante alguns períodos, mas geralmente às escondidas e contra as próprias academias, que deviam ser os primeiros bastiões da liberdade de pensamento. Só nas sociedades liberais e democráticas, que respeitam a liberdade de opinião e expressão, a filosofia pode florescer. Mas não basta este respeito formal pela liberdade de opinião e expressão; é preciso um activo comprometimento institucional, cultural e pessoal com a discussão racional e os princípios a ela associados. A pior proibição do pensamento não é a explícita, mas a que se insinua e oculta, pois é mais difícil combater e reconhecer a sua existência. A proibição velada existe sempre que as academias não ensinam a discutir ideias, sempre que substituem a discussão de ideias pelo formalismo académico e sempre que se ensinam os estudantes a repetir diligentemente o que dizem os pensadores da moda.

Há duas estratégias principais para tornar a liberdade de discussão inócua.

A primeira consiste em reduzir a filosofia à sua história e a ciência aos seus resultados. Em ambos os casos, transmite-se ao estudante — e portanto à sociedade — a ideia de que nada há para pensar. A competência profissional e académica é uma questão de saber repetir muito bem o conhecimento empacotado que foi feito alhures. O que não se ensina é a fazer esse conhecimento. Ensinar a repetir acriticamente as ideias de Mill sobre a liberdade ou as ideias de Sagan sobre o espírito científico é uma das estratégias mais subtis para impedir isso mesmo que Mill e Sagan defendem: a liberdade fundamental para discutir ideias. Quando a filosofia se reduz à história da filosofia, o estudante fica impossibilitado de desafiar as Autoridades: torna-se uma blasfémia impensável perguntar se Kripke ou Heidegger terão ou não razão. Onde há liberdade para pensar não se pode aceitar a noção de blasfémia: tudo se pode discutir e todas as autoridades podem ser colocadas em causa.

A segunda estratégia para tornar a liberdade de discussão inócua é o relativismo cognitivo. Sob a capa de uma novidade triunfante, o pós-modernismo filosófico e cognitivo (não confundir com correntes artísticas com o mesmo nome) é incompatível com o ideal grego. Pois se é ingénuo pensar que existem verdades independentes de nós, se é óbvio que tudo é relativo, então não vale a pena discutir ideias. Discutem-se ideias quando se pensa que as nossas ideias são boas ou más, verdadeiras ou não, independentemente da nossa opinião sobre elas — e por isso queremos submetê-las à discussão pública e especializada, para procurarmos eliminar tanto quanto possível o erro e a ilusão. Galileu foi brutalmente silenciado pela Igreja Católica, e condenado a prisão domiciliária para o resto da vida. Mas pior, porque menos óbvio, seria a igreja ter declarado que há várias «bolhas de verdade», e que Galileu tem a sua, que todavia não é a verdade da igreja. Isto aniquila a possibilidade de progresso porque isenta as ideias da necessária avaliação crítica. Não há «bolhas de verdade»: se Galileu tem razão, a Terra move-se. A Terra não fica imóvel quando quem pensa nisso é o Papa, passando a mover-se quando é Galileu que pensa nisso.

Dada a relação complexa que a democracia e a liberdade mantêm com a filosofia e o conhecimento em geral, estas estratégias não aniquilam apenas a filosofia e o conhecimento; ao fazê-lo, aniquilam também a própria possibilidade de uma democracia e liberdade genuínas e profundas. Ensinados a evitar a discussão real de ideias e a repetir ideias feitas, os profissionais — dos políticos aos médicos, dos juízes aos engenheiros, dos empresários aos cientistas e filósofos — não conseguem resolver os problemas da sua sociedade. A menos que tal solução venha em algum manual estrangeiro do qual se possa fazer um relatório muito certinho, a sociedade sente-se perdida e sempre à espera que um Encoberto venha resolver os seus problemas: a democracia está sempre sob ameaça, é sempre vista com desconfiança, nunca é parte integrante do tecido cultural. Sempre que há problemas, a solução que vem ao espírito assustado de todos é mais centralismo e menos liberdade — impedindo assim os profissionais de cada sector de resolver os problemas da sua própria especialidade.

21 comentários:

José Oliveira disse...

A Verdade é um facto, ou um valor?

Desidério Murcho disse...

Olá, José

Estás a pressupor a dicotomia facto/valor, que pode ser recusada e muitos filósofos recusam. A mim parece-me evidente que muitos factos são valores, no sentido em que são valorizados por nós.

A verdade é uma propriedade de proposições ou afirmações. Um facto não é uma propriedade de proposições ou afirmações.

José Oliveira disse...

Olá Desidério:

Antes de mais, muito obrigado pela resposta tão rápida :).

Se eu entendi o que queres dizer, a Verdade enquanto correspondência entre a realidade e as nossas crenças, é um facto.

E é um valor, no sentido em que é necessário valorizá-la, para que se possa pretender atingi-la; e para que possa existir uma verdadeira discussão, visto que tem valor intrínseco.

Muito obrigado e Cumprimentos!

Anónimo disse...

Se há liberdade intelectual, o darwninismo deve poder ser abertamente questionado

José Oliveira disse...

Caro anónimo:

O Darwinismo DEVE ser questionado!

Só não podemos, penso eu, questioná-lo, partindo do pressuposto que a Verdade já nos foi revelada e já não faz sentido procurá-la.

Além disso para que se questione uma teoria e se proponha outra melhor, têm ambas de ser falsificáveis. Tanto quanto sei a existência de deus, por exemplo, não é falsificável. Só através da discussão séria e aberta é que podemos aspirar a uma melhoria.

Cumprimentos,
José Oliveira.

Anónimo disse...

Este é um artigo ("post") que honra o autor. Estava a sentir falta, confesso, da clarividência e amplitude de ideias de Desidério Murcho. A Filosofia não serve, de facto, para resolver os problemas dos outros, mas pode ajudar na procura das nossas próprias soluções. Por isso é condenável qualquer atitude como a que relato a seguir.
Há uns anos, uma estudante de Filosofia pediu-me ajuda para um trabalho sobre a história do Capuchinho Vermelho. Eu ri de imediato, e ela logo a seguir, porque lhe disse que o professor qieria, com certeza, que ela dissesse que o lobo representava o assédio sexual. E era verdade! Ela explicou na aula essa interpretação mas disse que não concordava. O professor, então, respondeu-lhe que ela tinha de ter abertura de espírito para aceitar como verdadeira a interpretação do assédio.
Este é um exemplo da negação absoluta do que é ser professor de Filosofia.
Saudações.
Daniel de Sá

Anónimo disse...

A Ignorância não é positiva nem negativa, é intrínseca.O que seria de nós, animais curiosos como parecemos ser, sem ela?

Quando nos deparamos com a nossa Ignorância em relação a algo somos livres de tomar várias atitudes:
- Assobiarmos e fazermos mais quilómetros
- Equiparmo-nos com um sistema de conceitos e estratégias, de preferência já testado e com provas dadas, e espremermos a dita cuja
- Passarmos a bola para outro que, tendo um sistema por norma de valores, nos define o rumo
- Outras(?)

Os resultados da nossa escolha são sempre muito distintos!

As capacidades humanas são infindáveis, mas, em termos subjectivos de integridade intelectual, será éticamente sustentável que a nossa escolha relativamente à atitude seja feita de acordo com a ocasião, o interesse, ou outros pormenores?

Outra questão muito diferente prende-se com os sentimentos provocados pela Ignorância (espanto, medo,euforia, alegria,...) e a manipulação da instabilidade emocional associada e o uso que então damos à Ignorância, a nossa e a dos outros.
Por exemplo, o Chopra(podemos substituir por infinitos outros nomes)sendo ignorante relativamente a muitos dos assuntos que utiliza, não o é em relação ao uso que faz Dela!

Artur Figueiredo

Anónimo disse...

Ora, Kant, que hodiernamente me parece ter sido posto de lado, diz-nos na CRP mais precisamente na Doutrina Transcendental do Método:
“Entre todas as ciências racionais (a priori) só é possível, por conseguinte, aprender a matemática, mas nunca a filosofia (a não ser historicamente): quanto ao que respeita à razão, apenas se pode, no máximo, aprender a filosofar.
O sistema de todo o conhecimento filosófico é então a filosofia. Deve-se tomá-la objectivamente, se entendermos por isso o arquétipo de apreciação de todas as tentativas de filosofar, apreciação essa que deve servir para julgar toda a filosofia subjectiva, cujo edifício muitas vezes é tão diverso e tão mutável. (…)
Até então não se pode aprender nenhuma filosofia; pois onde está ela? Quem a possui? Por que caracteres se pode conhecer? Pode-se apenas aprender a filosofar, isto é, a exercer o talento da razão na aplicação dos seus princípios gerais em certas tentativas que se apresentam, mas sempre com a reserva do direito que a razão tem de procurar esses próprios princípios nas suas fontes e confirmá-los ou rejeitá-los.
(…) a filosofia é a ciência da relação de todo o conhecimento aos fins essenciais da razão humana (teleologia rationis humanae) e o filosofo não é um artista da razão, mas o legislador da razão humana.”

E não me parece haver muito mais a acrescentar quanto ao que deve ser a actividade filosófica.
Um abraço.

Anónimo disse...

Não sei se isto que vou dizer é um facto ou um valor, mas cá vai:

O entrevistador da Fox News é asqueroso.

Rui leprechaun disse...

Liberdade intelectual... e não só, ó maioral! :)

Também gostei de ler esta reflexão, que me merece a minha concordância, genericamente.

Tenho certas dúvidas quanto a essa questão do relativismo cognitivo, mas não é fácil exprimi-las, confesso. No que se refere ao universo das ciências físicas, creio poder aplicar-se um critério mais objectivo de verdade, sim. O que talvez já não seja inteiramente assim quando o objecto do conhecimento implica o próprio Ser Humano. Talvez aí se tenha de aplicar o tal relativismo cognitivo.

De qualquer modo, desejava apenas exprimir a minha convicção pessoal de que os entraves apontados à "liberdade intelectual" tendem inevitavelmente a diminuir, mormente esse critério da autoridade, à medida que a autoconsciência e o sentimento positivo da individualidade se tornarem crescentes. Bem, aqui o tal relativismo cognitivo até tem uma palavra a dizer, sim, mas também ele não vai ser obstáculo de monta.

É que neste particular, há algo a acrescentar. As ideias não se geram unicamente na actividade intelectual ou pela aquisição cultural, mas radicam igualmente na nossa experiência única e individual. E neste sentido, acredito que a democracia e liberdade só podem sair fortalecidas por tudo aquilo que cada um trouxer de si próprio, ou ainda, mais do que meramente discutir ideias há que saber vivê-las e pô-las em prática.

Still... there is more than just reason, logic and thoughts... there is!

A most beautiful White Flower shines within...

Rui leprechaun

(...and its wondrous Light is a sight to be seen! :))

Anónimo disse...

O Desidério cai no mesmo erro ou defeito que aponta a determinadas correntes filosóficas e a determinadas formas de transmitir o conhecimento: a doutrinação ideológica.
Digo isto porque você estabelece que só em regimes demoliberais é que é possivel a Filosofia subsistir. De certa forma serve-se da Filosofia para enaltecer e defender certos regimes politicos e linhas ideológicas. Houve quem dissesse (Heidegger) que a Filosofia é própria do mundo ocidental; você afirma que é própria dos regimes democráticos.
Mas você deve saber muito bem que é também neste mundo pragmático e esvaziado ideologicamente em que vivemos que a Filosofia é uma actividade e disciplina cada vez mais descartável. Aliás, tanto sabe isso que refere que é preciso um comprometimento institucional com a discussão racional.
Não concordo consigo quando diz que o ensino da história da filosofia se traduz em eliminar a possibilidade de discussão porque tudo já estaria dito. Em primeiro lugar, porque o estudo dos autores conduz à confrontação de diferentes perspectivas, e não à ideia de que há uma resposta única para as mais diversas questões. E em segundo lugar, porque para discutir algo é preciso fundamentar posições, o que se consegue melhor conhecendo o que já foi dito acerca dos assuntos em causa.
O que é engraçado é que aquilo que você defende poderia ser defendido também pelas pedagogias do eduquês, que o Desidério tanto contesta. Você contesta o ensino baseado na repetição das matérias; o eduquês também o faz. Você defende que o que se deve é discutir assuntos; o eduquês também o recomenda, desprezando o ensino dos conteúdos. Você considera que o importante é ensinar a discutir as ideias; o eduquês também considera que o importante é «aprender a aprender».
Interessante é também verificar que por detrás da ideia de que o relativismo cognitivo impossibilita a discussão de ideias, você se recuse a discuti-lo, remetendo-o para o âmbito das pseudo-filosofias. Ou seja, o tal espirito aberto à discussão que você apregoa está fechado às ideias desta corrente. Os problemas por ela levantados, para si não são problemas, questões merecedoras de interesse. Ora, eu sempre pensei que a Filosofia fosse, antes de mais, uma actividade e disciplina orientada para o questionamento, mas pelos vistos há coisas que não podem ser questionadas.
Enfim, o seu discurso tem presente uma ideologia mais ou menos próxima dos ideais do liberalismo e do «status quo», só que o Desidério não o assume, preferido dizer que é um discurso em defesa da Filosofia.

Anónimo disse...

Luís Pedro,
Concordo com um aspecto que refere, mas só parcialmente. Na verdade a filosofia assume-se como uma libertação das correntes ideológicas e, em tempos de opressão, pode a filosofia assumir um papel importante. De todo o modo, nessas circunstâncias, a filosofia corre o risco - como já correu nalgumas ocasiões da história recente - de se partidarizar, funcionar como uma arma de guerra, coisa que ela não é. Na verdade, o ambiente democrático é mais propício à discussão livre de ideias e argumentos, mas tal não implica, em boa verdade, que tenhamos de perder a lucidez filosófica quando algum Hitler ameça as liberdades mais básicas.
Abraço
Rolando Almeida

Joao Galamba disse...

Luis Pedro,

Brilhante! e totalmente de acordo.

Aproveito para deixar aqui uma crítica ao Desidério. Sei que me repito, mas o Desidério também o faz. E como ele acusa certas posições filosóficas de determinados pecados, era intelectualmente mais respeitável se ele elaborasse aquilo que tal qual está não passam de preconceitos vulgares e -o Desidério que me desculpe- mas algo tontos. Quase tudo o que o Desidério escreve sobre as posições que divergem da sua forma de ver a filosofia são vacuidades preconceituosas. Só lhe ficava bem articular a sua "posição", e aí alguém que admira a filosofia de Heidegger, Hegel e companhia poderia responder ás suas críticas. Até lá, não passam de insultos que não posso deixar de interpretar como ignorância das matérias ás quais se refere.

ps: se há coisa que Hegel, Heidegger ou Nitzsche tentaram fiz foi interpretar o que os outros disseram. Bem ou mal eles levaram muitos dos que criticaram (alguns violentamente) a sério. Hegel achava que o seu sistema filosófico era o culminar da filosofia, mas nunca considerou todos os filosofos anteriores como um grupo que estava simplesmente "errado". Incluir a temporalidade na filosofia não é descrever o que foi dito (sugerir isto revela que o Desidério não se deu sequer ao trabalho de tentar entender o que defendem autores para quem o tempo e o contexto são constitutivos do pensar). Combater uma certa interpretação da verdade, da objectividade e da razão não é o mesmo que defender o relativismo cognitivo.
Se o Desidério não fosse intolerante e fechado (e é disso que se trata, na verdade) este debate até podia ser frutuoso. Assim, tristemente, não passa de vulgaridades.

Gisele Secco disse...

Não me parece que o Desidério tenha desprezado a história da filosofia, como deixa ver Luís Pedro. Aí em Portugal as pessoas, bem como aqui no Brasil, parecem gostar de ler aquilo que bem entendem nos posts da blogosfera. Dizer que é infrutífero para a liberdade de discussão "reduzir a filosofia à sua história e a ciência aos seus resultados" não é
dizer que a história da filosofia ou os resultados da ciência sejam desnecessários.
Estou participando desse debate porque por este pampa gaúcho os problemas com relação ao ensino de filosofia estão diretamente conectados com tais questões, e muitas vezes há confusões como as presentes aqui, e sempre tem gente sem entender que é preciso não REDUZIR a filosofia à sua história, como já nos mostrou Kant citado em comentário acima. Mas há quem não concorda com Kant. Liberdade de pensamento...

Anónimo disse...

A propósito deste post, recordo um texto que encontrei por acaso quando explorava a internet. O seu título : “95 Years of Criticism of the Special Theory of Relativity (1908-2003)”. O endereço onde o encontrei é o seguinte : http://www.wbabin.net/science/mueller.pdf

Logo nas páginas introdutórias impressionou-me ter lido o seguinte acerca da atitude dos meios académicos :

Academic physics suppress any critical statements or publications and calumniate the critics as cranks, crackpots and antisemites and the like.

Academic physics suppress the democratic rights of freedom of research and teaching in universities and high schools, and through their informal influence on the printed media their representatives suppress the freedom of speech for the critics in the media.

Afinal, haverá, ou não, algo de consistente nas críticas à Teoria da Relatividade? Nenhuma delas fará sentido? Justifica-se a atitude dos meios académicos, ocultando as críticas à teoria?

Jorge de Oliveira

Rui leprechaun disse...

Interessante esse documento, ó Jorge!

Não o li ainda inteiramente, mas há algo que de facto me chamou a atenção e vou tentar aprofundar, já que o tal "Erlangen program" de que se fala na pág. 26 tem alguns pontos interessantíssimos acerca de uma questão central na física moderna que é o problema da medição.

De facto, as várias interpretações acerca desta questão abrem algum espaço para as tais interpretações metafísicas que incluem a consciência do observador, algo difícil de aceitar pela ciência moderna.

The intention is to consider and analyse the preconditions of practical physics, the measurement of distances and of time which they call "protophysics".

Protofísica, hein?! Isto soa-me deveras interessante, creio que tenho por aqui aliados! :)

Bem "protociência" é um conceito conhecido, mas aquilo de que esses críticos falam parece ser outra coisa bem diferente e com mais substância.

Essas considerações acerca da medição do tempo e a questão anterior do "paradoxo dos gémeos" colocam também em causa o conhecimento objectivo vs. subjectivo, ou o tal relativismo cognitivo também aqui focado num post anterior.

Por fim, se mesmo dentro da ciência existe esse tipo de censura e supressão, não é pois de admirar que certas experiências práticas que põem em causa o paradigma ainda vigente sejam abafadas o mais possível. Ora é de facto interessante que tal argumento também seja aduzido logo no início do documento, curioso...

OK! Vou então acabar de ler e procurar encontrar algo mais sobre essa tal escola de Erlangen, que intuo haver por aí algo que me vai agradar! :)

...no measurement of time with clocks can alter the time itself...

The nature of time and space...

Rui leprechaun

(...and the primal Void full of grace! :))

Anónimo disse...

"...se é óbvio que tudo é relativo, então não vale a pena discutir ideias."


Co katano! Não percebo...Eu sempre pensei que vale mesmo a pena discutir ideias precisamente porque tudo é relativo, até a verdade cientifica. Como é que podemos discutir ideias se presumimos, a priori, que nada é relativo (no sentido de condicionado, relacionado, afectado etc por x y z ???) Esta é, realmente, uma abertura critica que, paradoxalmente, se fecha por si propria, subrepticiamente...em nome da abertura e da exploração critica...fecha-se, delimitando um conjunto de interrogações legitimas.

Anónimo disse...

João

O problema para empiristas como o Desidério, suponho eu, é que a inclusão da temporalidade... não é, e não pode ser, corroborada empiricamente...apesar de ser tematizada na existencia de individuos e de colectividades...é algo que se manifesta em speech acts, em interpretações....mas que não é uma coisa, uma propriedade objectiva... Logo é desqualificada.

Na minha opinião, o prob de base é uma concepção redutora do que é um facto. Mas esta é outra história, não menos interessante.

Anónimo disse...

Caro Desidério (desculpas pela insistencia)

Gostaria de te perguntar isto.

Fará algum sentido delimitar de forma precisa a interrogação filosófica? Imagino a resposta do Desidério: é a banalização da filosofia, tudo pode ser considerado um objecto legitimo de interrogação...um niilismo perigoso! Eu percebo esta resposta. Mas, por outro lado, também não consigo imaginar a filosofia sem a abertura radical da exploração (que pode ser até non-sensical), da interrogação exploratória. Este não é , nem deve ser, o fim da filosofia. Mas é a sua condição existencial, uma ocndição que, a meu ver, não deve ser menosprezada. Se o compreendi mal, as minhas desculpas.

Desidério Murcho disse...

Caro Ezequiel

Não sou empirista, a não ser que entenda outra coisa por esse termo que não o seu significado em filosofia.

O relativismo cognitivo não é a tese pacífica de que há coisas que são relativas no sentido de relacionais, mas a tese mais forte de que o que é verdade para uma pessoa ou sociedade é falso para outra pessoa ou sociedade, não no sentido de essas pessoas terem crenças diferentes sobre o que é verdade, mas no sentido de a mesma coisa ser realmente verdade de uma perspectiva e falsa de outra. O relativismo não é a tese de que o calor, por exemplo, é uma propriedade relativa (é uma relação entre a agitação das moléculas e o aparelho perceptivo de um agente senciente), mas sim a tese de que a Terra ora está parada ora está imóvel consoante quem pensa nisso acredita numa ou noutra coisa.

Concordo com a ideia de que faz parte da natureza da filosofia fazer as perguntas difíceis, para as quais não se tem métodos fidedignos de resposta, perguntas que muitas vezes correm o risco de serem pseudoproblemas. Mas esse é o preço a pagar pela investigação livre, e vale a pena pagá-lo. Mas é preciso haver igual disponibilidade para discutir a possibilidade de determinado problema ser afinal um pseudoproblema e uma mera confusão. Aceitar o risco do absurdo não deve implicar a rejeição da discussão de que alguns problemas são realmente absurdos.

Anónimo disse...

Às duas estratégias que aponta eu acrescentaria uma terceira: a degradação programada da linguagem de modo a que o que é heterodoxo se torne literalmente impensável. É o newspeak de George Orwell, que hoje se manifesta na pureza compulsiva do politicamente correcto ou, no outro extremo do espectro, no discurso das inevitabilidades do neoliberalismo...

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