quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Dez perguntas sobre a Ordem dos Professores


Rui Baptista volta ao tema da Ordem dos Professores:

“À força de duvidar, chega-se a conhecer a verdade” (
Descartes)

Em longos anos que só uma forte crença suporta, tenho-me batido pela criação de uma Ordem dos Professores. Com essa intenção, afadiguei-me em longas consultas de textos para desmontar argumentos, a contrario, mas sem suporte consistente, como sejam, por exemplo, não exercer o docente uma profissão liberal, mesmo que stricto sensu, e terem todas as ordens anteriores a 25 de Abril a sua génese bastarda em filiação do Estado Novo, sofrendo, com isso, do pecado original de associação corporativa com a exclusão intencional dos sindicatos nacionais, também eles, porém, integrados na política do Estado Corporativo, através do decreto-lei 23050 de 1933.

Fica-me a esperança que as respostas às dez perguntas que aqui deixo possam ajudar a colmatar omissões da minha argumentação ou mesmo a melhorar alguns dos seus pontos fracos. As perguntas são:

1. Porque será que tantos estratos laborais de formação académica superior se estruturaram em ordens profissionais e outros, com formação escolar de igual exigência, se limitam a ansiar por idêntico estatuto?

2. Porque será que os psicólogos lutaram anos a fio pela sua Ordem e se regozijam hoje por a terem finalmente conseguido ?

3. Porque será que a Fenprof, o sindicato com maior representatividade em número de associados, se inquieta tanto só de ouvir falar na criação da Ordem dos Professores?

4. Porque será que o partido com a responsabilidade da maioria absoluta parlamentar não deu provimento, na Assembleia da República, a uma petição, apresentada em 2 de Dezembro de 2005, para a criação da Ordem dos Professores, subscrita por 7857 docentes?

5. Terá sido por a Ordem dos Engenheiros não ter permitido a inscrição de licenciados pela Universidade Independente que a recente legislação regulamentadora de novas ordens profissionais retirou a essas associações a validação dos respectivos cursos de acesso?

6. Porque será que outras profissões, de idêntica projecção e responsabilidade sociais, se subordinam a um código deontológico específico que lhes impõe direitos e lhes exige deveres, responsabilizando os seus membros por uma prestação de serviços qualificados à comunidade, e os professores não?

7. Não serão merecedores de igual tratamento os usufrutuários de um sistema de ensino consignado como um direito constitucional?

8. Será que os professores se resignam ao papel de escravos ao serviço dos mandarins da Avenida 5 de Outubro?

9. Será que os resquícios de uma política sindical mercantilista, que inscreveu sem qualquer critério de formação académica minimamente exigente indivíduos que lhes batiam às portas na defesa de direitos bastardos e deveres não cumpridos, não contribuíram para a perda de prestígio da classe docente e para a perda da sua identidade profissional?

10. Finalmente, considerando um silêncio que, infelizmente, parece não prenunciar a máxima de quem cala consente, qual é a posição dos Ministérios da Educação e da Ciência e Ensino Superior sobre a criação da Ordem dos Professores?

Porque, a exemplo de André Gide, “acredito naqueles que procuram a verdade”, são estas umas tantas perguntas (outras haverá, certamente) à procura de boas respostas, isentas tanto quanto possível de parti pris. A classe docente possui uma maturidade que não deve continuar a ser, como escreveu Fernando Pessoa, um "arrabalde de si própria"!

20 comentários:

L. Santos disse...

Agradeço ao Manuel António Pina, que num seu artigo, na notícias magazine, referiu este blog.
Muito bom, muito bom!
No entanto falta aqui um pequeno excesso de falsa brejeirisse. E depois, é muito conhecimento junto!
Assim, entre uma coisa e outra, aprecio as duas, uma de cada vez. É que o miserável blog do http://totodasversas.blogspot.com é infinitamente...indecifrável!
Deviam proibir coisas dessas, mas enfim. Valha-nos este paraíso cultural.
Parabéns, Srs Doutores!
E muito especialmente ao Dr. Manuel António Pina

Paulo Soares disse...

Este interessante artigo, como outros do mesmo autor, é apenas manchado pela insistência em zurzir nos sindicatos. A pergunta nº 9 é totalmente destituída de sentido ao atribuir aos sindicatos competências que não lhes pertencem. Relembrando o óbvio: os sindicatos são associações de trabalhadores e quem deu trabalho aos indivíduos referidos foi o ME. O problema está, como sempre esteve, nos 'mandarins da 5/10' que, quando lhes convém, permitem que os sindicatos usem o seu poder em matérias que deveriam colocar fora do seu alcance.

É claro que para esses mandarins é reconfortante que haja gente que insiste em colocar os sindicatos na lista dos acusados pelo estado actual da educação.

Rui Baptista disse...

Em comentário ao meu post, escreve Paulo Soares:
“Este interessante artigo, como outros do mesmo autor, é apenas manchado pela insistência em zurzir nos sindicatos. A pergunta nº 9 é totalmente destituída de sentido ao atribuir aos sindicatos competências que não lhes pertencem. Relembrando o óbvio: os sindicatos são associações de trabalhadores e quem deu trabalho aos indivíduos referidos foi o ME. O problema está, como sempre esteve, nos 'mandarins da 5/10' que, quando lhes convém, permitem que os sindicatos usem o seu poder em matérias que deveriam colocar fora do seu alcance”.
Transcrevo agora a 9.ª pergunta do meu post: “9. Será que os resquícios de uma política sindical mercantilista, que inscreveu sem qualquer critério de formação académica minimamente exigente indivíduos que lhes batiam às portas na defesa de direitos bastardos e deveres não cumpridos, não contribuíram para a perda de prestígio da classe docente e para a perda da sua identidade profissional?”
Vejamos, portanto, se esta minha pergunta é destituída de sentido. Como autor da afirmação. Compete-me o ónus da prova.
Os sindicatos têm por missão defender os direitos laborais dos seus associados, v.g., vencimentos, horários e condições de trabalho. Ao inscreverem, logo a seguir a 25 de Abril, indivíduos que davam aulas sem para tanto estarem habilitados, forçosamente, teriam que ser intérpretes junto dos poderes públicos das respectivas reivindicações com suporte , “et pour cause”, em “direitos bastardos e deveres não cumpridos”. Ou seja, os direitos dos professores que estudaram para o exercício da docência deveriam ser defendidos como idênticos propósitos aos daqueles que exerciam esporadicamente a função docente enquanto estudavam para serem advogados, médicos engenheiros, etc, sem “deveres não cumpridos” para um magistério futuro?
Claro que tem razão que a culpa dessa situação de emergência (não sucedida noutras profissões em que a falta de médicos não foi colmatada por estudantes de engenharia, por exemplo ), que levou os sucessivos ministérios da Educação a servirem-se de professores de pé-descalço – para utilizar a terminologia da Revolução Cultural Chinesa, no que respeita aos médicos de pé descalço - , cabe, em grande parte, a uma massificação/democratização do ensino que deu como resultado haver alunos que obtiveram, ou obtém, ainda, o diploma do final do ensino básico sem saberem ler, nem escrever, nem fazer as simples contas de somar ou subtrair .
Bem sei que para muito boa gente isto com as novas tecnologias não causa grande mal ao mundo. Para que precisa o aluno de saber a tabuada? Uma simples máquina de calcular, que se compra por dez réis de mel coado, resolve o problema. O aluno escreve com erros palavra sim palavra não. Ou mesmo palavra sim? Nada que o simples corrector de escrita do “Magalhães” não resolva. O aluno julga que o primeiro rei de Portugal foi o almirante Américo Tomás? Uma simples consulta na Internet esclarecê-lo-á que foi D. Afonso Henriques. Para que sobrecarregar a memória do adolescente com estas questões de “lana caprina” quando ele precisa da memória para saber de cor os nomes dos jogadores dos clubes de Futebol da 1,ª Liga?
Em resumo, os sucessivos ministérios da Educação agiram mal ao porem os bois à frente do carro, isto é, fazendo uma massificação do ensino que por falta de professores minimamente habilitados traria como consequência o descalabro a que chegou o sistema educativo nacional. O mal feito pelas tutelas oficiais não justifica que uns tantos sindicatos o tivessem sancionado, através de um política mercantilista na conquista de um maior número de sócios. Será que o sindicato dos metalúrgicos, mesmo em época conturbada, admitiu como sócios indivíduos preparados para serem meros remendões de meias solas?
Como muito bem escreveu, “o problema está, como sempre esteve, nos mandarins de 5/10 que, quando lhes convém, permitem que os sindicatos usem o seu poder em matérias que deveriam colocar fora do seu alcance”. Permita-me que pense que quando fala nessas “matérias” se refere a assuntos que deveriam competir a uma Ordem dos Professores. Será? Assim se compreende que os dois ministérios que tutelam a Educação prefiram combater apenas em uma só frente (sindicatos) e não em duas (sindicatos e Ordem dos Professores).
Aliás o abuso que alguns sindicatos fazem das atribuições que lhe estão legalmente atribuídas (como por exemplo, chamar a si a atribuições deontológicas típicas de ordens profissionais) está exemplarmente tipificado pelo professor universitário Eugénio Lisboa, quando escreve: “Para tudo isto os sindicatos têm dado uma eficaz mãozinha, não raro intervindo, com desenvoltura, em áreas que não são, nem da sua vocação nem da sua competência” – (“JL”, n.º 964, de 12 a 25. Set.2007).

alf disse...

Eu não sou professor mas há muito que me faz confusão que não exista uma Ordem dos Professores. A função básica da ordem é garantir a qualidade e prestigio da sua classe profissional e é evidente que isso é da maior importancia na profissão de professor. Não entendi ainda bem quem tem medo duma Ordem dos Professores mas parece que à cabeça vêm os próprios professores - pelo menos, nas poucas vezes em que me atrevi a tocar no problema, foram sempre professores quem saltou contra.

Conviria talvez perguntar aos professores que são contra a Ordem quais são as suas razões.

Rui Baptista disse...

Meu Caro "alf":

Eu como professor começo a ter um certo receio de que se possa abrir uma verdadeira caixa de Pandora que a sua sugestão, com muita lucidez, formula: "Conviria perguntar aos professores que são contra a Ordem quais são as suas razões".

"Alea jacta est", a pergunta está feita com a isenção de quem a faz por não pertencer à profissão. Desde já, lembraria que à criação da Ordem está adstrito um Código Deontológico que não estabelece, apenas direitos, mas que impõe deveres aos profissionais para uma prestação de serviços ao serviço da sociedade em geral e da qualidade do seu ensino. Venham as respostas que poderão criar um diálogo frutuoso a que me obrigo a responder com a melhor das vontades e sem arcas encoiradas. Valeu?

Aliás, esta uma das grandes virtudes dos blogues em que, por vezes, os comentários feitos aos post's assumem uma relevância que muito os valorizam. Por isso agradeço e valorizo a sua judiciosa participação.

P.S.: Peço aos leitores do meu comentário anterior desculpa por não ter espaçado os respectivos parágrafos para tornar a sua leitura mais fácil e menos maçuda. Quando dei por ela já o comentário tinha seguido o destino irreversível da publicação.

Rui Baptista disse...

Onde escrevi (5ª e 6ª linhas do 2º parágrafo do meu último comentário) "uma prestação de serviços ao serviço da sociedade...", queria escrever "uma prestação de serviços em prol da sociedade..."

António Duarte disse...

Mesmo pondo de parte as posições anti-sindicais que muitos defensores da Ordem frequentemente assumem (não necessariamente o autor do texto, até há pouco tempo dirigente sindical) tenho muitas dúvidas em relação ao que realmente queremos quando defendemos a Ordem dos Professores:
- a ordem teria que inscrever todos os professores, incluindo os que não têm "formação académica minimamente exigente"?
- defenderia também os direitos destes últimos, "bastardos" ou não?
- ou estes teriam apenas deveres, nomeadamente o de pagar a cota?
- incluiria os educadores (ensino pré-escolar) ou não?
- em caso afirmativo, um educador poderia ser eleito bastonário da ordem?
- incluiria os docentes do ensino superior?
- em caso afirmativo, não se instituiria a regra não escrita de o bastonário ser deste nível de ensino (como acontece em regra com o cargo de ministro de educação, quando não há um engenheiro ou economista disponível para o cargo)?
- como é que fariam os professores que protestam contra as direcções sindicais "rasgando o cartão" quando não concordassem com eventuais "traições" da direcção da ordem aos interesses da classe?
- se o ME conseguisse fazer eleger uma direcção da ordem alinhada com os seus interesses, como fez por exemplo na CONFAP, o que faríamos?
- se por hipótese Mário Nogueira se conseguisse fazer eleger bastonário da ordem, os professores que não gostam de Mário Nogueira, como por exemplo o professor Rui Baptista, poderiam sair e formar outra ordem, uma vez que a original se teria desvirtuado em relação aos sonhos dos seus mentores?

Setora disse...

Não me tem parecido que as Ordens existentes cumpram excelente trabalho "em prol da sociedade".

Que faria essa Ordem dos Professores em prol da sociedade? Pergunto eu não sindicalizada mas também desconfiada e evitando ser posta na ordem.

Põe-se em causa no texto, e bem, os "professores" feitos por magia em tempos de massificação. Serão possivelmente alguns desses, agora em tempos de massificação da avaliação, os avaliadores dos seus pares, também por artes mágicas saídos de uma qualquer cartola e cuja actividade será também perniciosa, acrescentando a perda de prestígio e rumo do ser professor. Como agiria uma Ordem neste quadro?

E faço minhas muitas das dúvidas do António Duarte.

Anónimo disse...

Relativamente às perguntas que coloca aqui vão as minhas respostas.

1. Porque será que tantos estratos laborais de formação académica superior se estruturaram em ordens profissionais e outros, com formação escolar de igual exigência, se limitam a ansiar por idêntico estatuto?

Para que determinados profissionais se organizem numa Ordem ou numa Associação Profissional não basta terem uma formação superior. Devem cumprir um conjunto de exigências que se encontram explanadas na Lei nº 6/2008 de 13 de Fevereiro. O facto de, no passado, algumas profissões tivessem constituído Ordens Profissionais sem que, de facto, reunissem essas condições (estou a pensar, em concreto, na Ordem dos Biólogos e na Ordem dos Economistas) não deve justificar a criação de outras Ordens profissionais.

2. Porque será que os psicólogos lutaram anos a fio pela sua Ordem e se regozijam hoje por a terem finalmente conseguido?

Sou psicólogo de formação e fiquei satisfeito pelo facto de o Estatuto da Ordem dos Psicólogos ter sido aprovado pela Assembleia da República, embora os referidos estatutos contenham algumas lacunas e especificidades que considero negativas. De qualquer das formas, a psicologia é, pelas suas características, uma área científica e profissional que se adequa em absoluto ao seu enquadramento numa associação profissional ou ordem. Resulta de uma formação superior e os psicólogos não só devem pautar a sua intervenção por exigentes por critérios científicos como devem obedecer a um código deontológico que obrigue, por exemplo, ao segredo profissional. Este código até ao momento não existe.
Por outro lado, a atribuição da carteira profissional de psicólogo é actualmente uma prerrogativa do Estado, ao abrigo de uma legislação do Estado Novo. O resultado desta situação fez com que fossem atribuídas milhares de carteiras profissionais a pessoas sem a formação de base em Psicologia, por exemplo, a licenciados em Filosofia que tivessem defendido uma tese de licenciatura em psicologia…Os psicólogos constituem um grupo profissional que, de facto, pela especificidade da sua área, requer uma ordem profissional que, através de mecanismos de auto-regulação, se substitua ao Estado que tem sido um péssimo regulador da sua profissão.

3. Porque será que a Fenprof, o sindicato com maior representatividade em número de associados, se inquieta tanto só de ouvir falar na criação da Ordem dos Professores?

Não faço a mínima ideia. Se assim sucede penso não dever motivos para tal. A Lei nº 6/2008, de 13 de Fevereiro, é clara ao afirmar, no ponto 2 do Art.º 4º, que as Ordens “estão impedidas de exercer ou de participar em actividades de natureza sindical ou que tenham a ver com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros.”

4. Porque será que o partido com a responsabilidade da maioria absoluta parlamentar não deu provimento, na Assembleia da República, a uma petição, apresentada em 2 de Dezembro de 2005, para a criação da Ordem dos Professores, subscrita por 7857 docentes?

Provavelmente porque entendeu, e na minha opinião bem, criar previamente uma lei-quadro da criação das Associações Profissionais antes de proceder à autorização de novas ordens. Foi essa a razão que fez com que o projecto de Estatutos das Ordem dos Psicólogos estivesse tanto tempo na Assembleia da República, tendo entrado antes da actual legislatura.

5. Terá sido por a Ordem dos Engenheiros não ter permitido a inscrição de licenciados pela Universidade Independente que a recente legislação regulamentadora de novas ordens profissionais retirou a essas associações a validação dos respectivos cursos de acesso?

Não foi só a Ordem dos Engenheiros que colocou entraves à acreditação de cursos. A Ordem dos Arquitectos fez o mesmo, sendo obrigada a admitir como associados, em sede de decisão judicial, arquitectos licenciados pela Universidade Fernando Pessoa. A actual legislação fez bem em retirar esse poder às Ordens passando-a para a actual Agência de Avaliação e Acreditação para a Garantia da Qualidade do Ensino Superior

6. Porque será que outras profissões, de idêntica projecção e responsabilidade sociais, se subordinam a um código deontológico específico que lhes impõe direitos e lhes exige deveres, responsabilizando os seus membros por uma prestação de serviços qualificados à comunidade, e os professores não?

Os professores são abrangidos pela Carta Deontológica do Serviço Público, aprovada pela Resolução 18/93 do Conselho de Ministros publicada no Diário da República em 17 de Março de 1993. A questão reside em saber se um outro código deontológico deveria ser aplicado aos professores e quem o deveria aplicar.

7. Não serão merecedores de igual tratamento os usufrutuários de um sistema de ensino consignado como um direito constitucional?

Existem outros direitos consagrados na Constituição. Sugere que todos os profissionais que de alguma forma se encontrem ligados a estes direitos devem ter uma Ordem Profissional?

8. Será que os professores se resignam ao papel de escravos ao serviço dos mandarins da Avenida 5 de Outubro?

É uma pergunta que deverá colocar aos professores. Mas acrescentaria uma outra: a existência de uma Ordem de Professores asseguraria que os professores deixassem de ser escravos ao serviço dos mandarins da 5 de Outubro?

9. Será que os resquícios de uma política sindical mercantilista, que inscreveu sem qualquer critério de formação académica minimamente exigente indivíduos que lhes batiam às portas na defesa de direitos bastardos e deveres não cumpridos, não contribuíram para a perda de prestígio da classe docente e para a perda da sua identidade profissional?

Estará eventualmente a referir-se a professores não profissionalizados que começaram a leccionar nos Ensinos Básico e Secundário sem a respectiva profissionalização. Mas saberá que, essencialmente ao longo das décadas de 70 e 80, a necessidade de professores que o sistema educativo reclamava era de tal forma avassaladora que ou sistema de ensino público admitia esses professores profissionalizando-os depois ou enfrentaríamos o colapso do sistema com uma falta generalizada de professores. É certo que foram cometidos muitos erros de natureza política e que uma exigência de qualidade ao nível da formação de professores nunca foi uma prioridade da política educativa até, pelo menos, à criação do Instituto Nacional da Acreditação da Formação Inicial dos Professores (INAFOP) no consulado do Eng.º Marçal Grilo. O INAFOP viria a desenvolver um trabalho meritório mas, infelizmente, foi extinto pelo governo de Durão Barroso sendo à altura ministro da educação o Prof. David Justino.

10. Finalmente, considerando um silêncio que, infelizmente, parece não prenunciar a máxima de quem cala consente, qual é a posição dos Ministérios da Educação e da Ciência e Ensino Superior sobre a criação da Ordem dos Professores?

Não sei.
Parece-me que o Rui Baptista, à semelhança de outros, sustenta que a criação da Ordem dos Professores permitirá fazer subir a exigência do sistema educativo português e combater as políticas oriundas da 5 de Outubro. Penso que está enganado.
Mas essencialmente julgo que a profissão de professor não se enquadra, pelas suas características, nas profissões que exigem a regulação de uma ordem. Os professores dos ensinos básico e secundário do ensino público leccionam programas cuja concepção não são da sua responsabilidade. O currículo também não é da sua responsabilidade. Os seus alunos transitam de ano e são, em muitas circunstâncias, avaliados por exames oriundos de serviços do Ministério da Educação. O enquadramento legal que condiciona a profissão de professor é bastante restritivo da sua actuação. Isso não sucede com algumas profissões que são enquadradas por ordens profissionais. O único grupo de docentes a quem, eventualmente, se poderia admitir ser enquadrado por uma associação profissional seriam os professores do ensino superior. Francamente não vejo nenhuma vantagem nisso.

Rui Baptista disse...

As inúmeras questões levantadas ao meu "post" levam-me a congratular-me por ter lançado as bases de uma polémica que finalmente vem em peso e com uma enorme artilharia de argumentos para a praça pública. De acordo com os autores do "De Rerum Natura". "objecções, contra-exemplos e discordâncias são bem-vindas". Comungo, em absoluto, com esta forma democrática de discutir os problemas que exige "respeito e cordialidade, ainda que crítica".

As questões levantadas são tantas e de interesse que me levam, com o maior gosto, a responder-lhes uma por uma. Peço, apenas, um pouco de paciência aos comentaristas dado a extensão das mesmas e a necessidade de sobre elas me debruçar com a devida atenção.

Os dois "links" que já mereceu o meu post são prova evidente que a blogosfera está atenta a esta temática. Grato fico, portanto, por essa atenção.

João disse...

Certamente que no caso dos Engenheiros, Médicos, Arquitectos que não acontece o que acontece connosco! Existe alguém que os regula e tem forte poder na sociedade.

Aquela do "bloqueio" da Independente é um bom exemplo disso.

Possivelmente acabaria com muitos trabalhos fictícios o que desagradaria a muitos, mas por outro lado aumentava a qualidade e o poder da profissão que, indubitavelmente, agradaria a muitos mais.

Luís Peça disse...

Excelente artigo.
Mas o que precisamos é professores com o devido reconhecimento social.
E são os professores os primeiros a ter de trabalhar para isso.
Se o ordem contribuir para isso, venha ela.

Nota 1: sou professor

Ana Teresa disse...

PJ,

Discordo globalmente da argumentação de todo o seu comentário. Adianto que sou sua colega (psicóloga) e sou colega de profissão de outros intervenientes neste debate. Professora.
Efectuei já diversos comentários em blogues sobre esta matéria. E há pouco realizei uma pequena intervenção no blog do meu colega professor, dr Paulo Guinote.

Discordo de:
"Para que determinados profissionais se organizem numa Ordem ou numa Associação Profissional não basta terem uma formação superior. Devem cumprir um conjunto de exigências que se encontram explanadas na Lei nº 6/2008 de 13 de Fevereiro. O facto de, no passado, algumas profissões tivessem constituído Ordens Profissionais sem que, de facto, reunissem essas condições (estou a pensar, em concreto, na Ordem dos Biólogos e na Ordem dos Economistas) não deve justificar a criação de outras Ordens profissionais."

1. Como psicólogo sabe que os aspectos ligados ao processo identitário de cada ser humano passa e muito pela identidade profissional. Ora se há profissão onde essa identidade deve ser mantida forte é no professorado que não tem uma Ordem Profissional. As razões para um psicólogo são óbvias.
O exercício da Psicologia estava a tornar-se igualmente caótico e uma Ordem tem algum peso para inverter esta situação. O exercício da Docência está igualmente a tornar-se caótico e tem do ponto de vista social muito maior relevância e importância real do que o exercício da Psicologia.
2. Outro aspecto diz respeito ao princípio de que há ordens que não deveriam sê-lo pela sua leitura restritiva mais ou menos subjectiva de determinado articulado dum decreto lei. Ora esqueceu-se decerto que a criação da Ordem de Psicólogos teve inúmeros precalços que decerto não tiveram lugar por uma interpretação da lei mas decorrentes de múltiplos e poderosos interesses de grupos da sociedade portuguesa.
3. Por último, apesar de não me considerar de todo a par desta questão em pormenor ou detalhe, o que já li sobre as restrições para a criação de novas ordens no actual momento político leva-me a desconfiar imenso de posições ideológicas de fundo. Aí estou bem em desacordo " de fundo" consigo.


Tentarei em outros comentários responder a outros argumentos seus com os quais estou francamente em desacordo.

Ana Teresa disse...

ARGUMENTOS A FAVOR ORDEM DE PROFESSORES

No Fórum 96 – Pensar a Educação, realizado em Lisboa, em Setembro de 1996, foi apresentada uma comunicação pelo Professor António de Oliveira Marques (1933-2007), um académico louvado em vida e recordado em morte como um dos mais importantes historiadores do Portugal contemporâneo (a sua História de Portugal, em três volumes, Editorial Presença, Lisboa, vai em 13 edições)."
Ver
www.mobilizacaoeunidadedosprofessores.blogspot.com/2008/09/argumentos-em-favor-da-ordem-de.html

Rui Baptista disse...

Meu Caro António Duarte:

Começo por esclarecer que na verdade fui presidente da Assembleia Geral do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados (SNPL), desde a sua criação, em 92, sem dispensa, ainda que parcial, do exercício de funções docentes.

Esta organização sindical, criada especificamente para defender os interesses laborais dos professores licenciados e acérrima defensora da criação de uma Ordem dos Professores, teve uma acção muito meritória e diligente nesse sentido.

O meu pedido de dispensa deste cargo sindical ficou a dever-se unicamente à minha discordância com a integração do SNPL numa Plataforma Sindical em que os seus participantes tinham divergências de princípios que eu, quase diria, inconciliáveis e que se viriam a confirmar com o aparecimento, e futura constituição legal, de professores independentes desalinhados com um sindicalismo que já nada, ou pouco, lhes dizia por não defender os seus interesses mais legítimos.

Vou começar por responder aos comentários por si feitos ao meu “post, através da transcrição parcial de um projecto estatutário sobre a criação de uma Ordem dos Professores por mim elaborado de colaboração com dois outros elementos e publicado num opúsculo de 29 páginas, com a segunda edição datada de Fevereiro de 97, com o patrocínio do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados (SNPL) e o seu apoio logístico e financeiro.

Alguns dos princípios que constam desse opúsculo quase justificam, em parcela substancial, a necessidade da criação da Ordem dos Professores e seus objectivos contantes das respectivas atribuições (artigo 3º. da “Proposta de Estatutos da Ordem dos Professores” –adiante designada por PEOP) :

a) Intervir na defesa do Ensino público e privado, através da salvaguarda e promoção da sua qualidade;
b) Zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de professor, assegurando o nível de qualificação profissional e promovendo o respeito pelos respectivos princípios deontológicos;
c) Atribuir o título profissional de professor e regulamentar o exercício da respectiva profissão;
d) Contribuir para a reestruturação das carreiras docentes;
e) Proteger o título e a profissão de professor, intentando procedimento judicial contra quem o use ou a exerça ilegalmente;
f) Representar os professores perante quaisquer entidades públicas ou privadas;
g) Emitir a cédula profissional de professor;
h) Exercer jurisdição disciplinar relativamente aos professores por actos de natureza docente praticados no exercício da profissão;
i) Elaborar estudos e propor aos órgãos competentes as medidas necessárias a um adequado e eficaz exercício da função docente, bem como emitir parecer sobre os projectos de diplomas legislativos que interessem à prossecução das suas atribuições;
j) Emitir parecer acerca de planos de estudo e cursos que tenham por objectivo a formação de professores;
k) Fomentar a cooperação, solidariedade e respeito entre os seus membros;
l) Incentivar, dinamizar e apoiar as acções de formação tendentes ao desenvolvimento e aperfeiçoamento da docência , nomeadamente através de cursos de especialização , reciclagem, congressos, seminários, conferências e outras actividades da mesma natureza;
m) Intensificar a cooperação com os organismos interessados, públicos ou privados, nacionais ou estrangeiros, em todas as matérias que se relacionem com a docência.

E porque um projecto de estatutos não é monolítico, qual inamovível Rochedo de Gibraltar, mas, pelo contrário, possuidor de uma plasticidade que permite alterar até artigos da própria Constituição Portuguesa, hoje, teria como necessária a seguinte alteração à respectiva alínea l): “Incentivar, dinamizar e apoiar as acções de formação a cargo, sempre que possível, das faculdades ou escolas superiores que promoveram a sua formação inicial e tendentes ao desenvolvimento e aperfeiçoamento (…)”

Explico porquê. Estas acções de formação têm estado a cargo dos sindicatos mandatados à face da lei para questões apenas laborais (v.g.,vencimentos, horários e condições de trabalho) tendo, apesar disso, promovido cursos chamados de formação para obtenção de créditos orientados para matérias que nada tem a ver com a disciplina leccionada: professores de Matemática a frequentarem cursos de formação destinados à Educação Musical, por exemplo. Para além disso, devido à diminuição crescente da natalidade da população portuguesa muitas faculdades e escolas superiores de educação correm o risco de terem que despedir professores, uma massa crítica necessária ao progresso do país e das suas populações.

Finalmente, depois de uma introdução extensa, mas havida como necessária, passo agora a responder às suas perguntas de forma cronológica:

As condições a satisfazer para a inscrição na Ordem dos Professores estão especificadas na PEOP. De forma resumida, haveria 2 espécies de associados: membros efectivos (artigo 13.º) que teriam que satisfazer a condição de uma licenciatura e membros associados (artigo 15.º) que à data da publicação do estatuto exercessem funções docentes com o grau de bacharel. A passagem a membro efectivo desses membros associados estaria condicionada à obtenção dos requisitos exigidos pelo artigo 13.º Com as recentes alterações que passaram a exigir a todos os docentes do ensino não superior um mestrado pós-Bolonha, ou uma licenciatura obtida anteriormente, teriam que ser feitas alterações para que a condição de membro associado deixasse de vigorar.

Utilizei a adjectivação de “bastardos” apenas para os docentes que fizeram, logo a seguir a 25 de Abril, desta actividade esporádica uma ocupação para ganharem uns cobres enquanto estudantes de cursos que os preparavam para outras profissões e que tão útil foram para aumentar as fontes de rendimento de certos sindicatos. Claro que a existência de uma Ordem dos Professores não permitiria a respectiva inscrição. Sem inscrição não haveria lugar a qualquer quotização, como é óbvio.

A inclusão dos educadores de infância não será um obstáculo intransponível. Bastaria para tanto alterar a respectiva designação para professor do ensino infantil, por exemplo.

Quanto ao bastonário da Ordem o respectivo artigo 38.º, n.º 2, especifica que “o bastonário deverá ser possuidor, no mínimo, do grau de licenciado por Universidade.

À sua pergunta se “incluiria os docentes do ensino superior” na Ordem dos Professores, a resposta é sim. O artigo 62.º outorga-lhes até a dignidade de presidirem aos respectivos Colégios da Ordem.

Os cargos dirigentes da Ordem teriam a duração de um biénio, não sendo renováveis, o que não sucede com os sindicatos em que as suas cúpulas se eternizam levando a que elas se afastem anos e anos da função docente e dos problemas com que ela se defronta no seu dia-a-dia no terreno escolar. Sendo a inscrição na Ordem obrigatória não daria azo “ao rasgar de cartões”. Unicamente a uma escolha mais criteriosa de personalidades em quem votar em próximo biénio para evitar o mau exemplo de sindicatos que renegam princípios estipulados nos próprios estatutos.

Ordens alinhadas com os respectivos ministérios tutelares não é situação de que eu tenha conhecimento. Diferentemente, a CONFAP (sigla de Confederação Nacional das Associação de Pais) não deve estar interessada em situações de conflito que possam comprometer interesses dos pais com despesas inerentes a possíveis, e indesejáveis, chumbos dos filhos, sem entrar em generalizações sempre perigosas e, sobretudo, injustas.

Quanto ao Mário Nogueira, para já não possui habilitações académicas que o habilitem ao cargo de bastonário. Se as tivesse, e fosse eleito em eleições democráticas, haveria que respeitar o seu biénio directivo sem possibilidade da criação de uma nova Ordem porque só pode haver uma ordem por profissão. Quanto a eu não apreciar, repudiar mesmo, a forma caceteira como o Mário Nogueira exerce funções sindicais, por vezes, à porta das escolas e na presença dos respectivos alunos, nada tem a ver com a sua condição como cidadão ou político várias vezes candidato a deputado pelo Partido Comunista. Só isso!

Como fará justiça de reconhecer não me esquivei em responder às suas perguntas com fundamento na PEOP ( Proposta de Estatutos da Ordem dos Professores), elaborada por uma comissão que pôs nessa tarefa todo o seu empenho e toda a dedicação em horas retiradas ao seu descanso nocturno e de fim-de-semana sem qualquer compensação que não tenha sido do cumprimento de um dever para que foram mandatados e que tentaram cumprir o melhor que puderam e sabiam.

Como escreveria Camilo, se neste depoimento alguma omissão às suas perguntas, alguma vez, ocorreu , foi involuntária. Apenas e tão-só involuntária!

Por fim, de mal ficaria com a minha consciência se não lhe agradecesse a oportunidade que me concedeu em prestar este esclarecimento público, essencialmente, dirigido à classe docente, na opinião de Fernando Savater, festejado filósofo espanhol e catedrático de Ética da Universidade do País Basco, “a corporação mais necessária, mais esforçada e generosa, mais civilizadora de quantos trabalham para satisfazer as exigências de um Estado democrático”.

António Duarte disse...

Rui Baptista:
Louvo a sua disponibilidade para o debate e aprecio a convicção e persistência com que defende a ordem de professores.
Devo dizer que, se no plano teórico acho a ideia da criação de uma ordem perfeitamente defensável, na prática não me parece que estejam criadas (ou alguma vez o venham a ser) as condições para o seu aparecimento. Talvez a sua existência permitisse, em aspectos muito específicos, uma melhor defesa dos interesses da classe, mas julgo que as questões essenciais acabariam por lhe passar ao lado. Como já disse algures, não seria a ordem a dar ordens ao ministério, nem seria, pegando num exemplo caro a muitos, tendo uma ordem como os médicos ou os advogados passaríamos a ser como os médicos ou os advogados.

Rui Baptista disse...

PJ:

Do seu texto retiro desde já a sua preocupação em manifestar as suas discordâncias sobre a criação da Ordem dos Professores que não cabem dentro do âmbito do seu exercício profissional. Estranho, mas aceito.

Por esse motivo lhe respondo com a disponibilidade que sempre tenho manifestado para com opiniões contrárias às minhas porque, segundo Karl Popper, “ igualmente importante é que podemos aprender muito a partir duma discussão, ainda que se não cheque a acordo; porque a discussão pode-nos levar a compreender alguns pontos fracos da nossa posição”.

Desde já discordo da analogia que pretende estabelecer entre a “sua” ordem profissional e a “minha” ordem ainda inexistente. Querer vestir a fatiota da Ordem dos Psicólogos (cuja criação eu saudei no meu “post”) a uma futura Ordem dos Professores – embora elas se identifiquem por siglas iguais, OP - trará como resultado que o fato ficará impecável a uma e comprido ou curto, largo ou estreito, a outra .

Para um melhor entendimento o articulado da Lei n.º 6/2008. de 13 de Fevereiro, que evoca, esclarece-se que se trata de uma Lei-Quadro que estabelece princípios a que devem obedecer a criação de novas ordens profissionais. Consequentemente, as ordens criadas anteriormente, como a Ordem dos Biólogos e a Ordem dos Economistas, por si citadas, a título exemplificativo, não poderiam estar enquadradas numa legislação inexistente à data das respectivas criações. Tão simples como isto. Só não entendo o motivo da criação dessas duas ordens profissionais não justificar a criação de uma Ordem dos Professores. Será por a Ordem dos Biólogos enquadrar maioritariamente (seria interessante saber a percentagem exacta dessa maioria) professores de Biologia dos vários graus de ensino, superior incluído?

Com espírito crítico de louvar tem para si que o Estatuto da Ordem dos Psicólogos “contém algumas lacunas e especificidades que considera negativas”. Mas quais as leis perfeitas, impecáveis, imaculadas que a sua aplicação no terreno não aconselhe “retoques” ou até derrogações?

Regista, por outro lado, a negatividade do exercício da Psicologia por parte de pessoas sem a respectiva formação de base, acusando o Estado de ser “um péssimo regulador da profissão” (nesta acusação somos almas gémeas!). E apresenta como exemplo os licenciados em Filosofia, apesar de (o apesar de é da minha lavra) terem defendido uma tese de licenciatura em Psicologia ( recordo aqui que no meu tempo de liceu a Psicologia fazia parte integrante da matéria curricular da disciplina de Filosofia e que, mais recentemente, os primeiros professores das faculdades de Psicologia foram indivíduos de formação filosófica).

Vejamos agora,o caso do exercício docente em anos não tão distantes que se percam na nossa memória colectiva. Transcrevo excertos de um meu artigo de opinião:

“Consultar códigos não habilita ninguém a considerar-se um profissional de leis. Ser oficial miliciano não implica o respectivo ingresso no Quadro Permanente das Forças Armadas. Receitar um desparasitante para o cão da vizinha não cumpre os requisitos de inscrição na Ordem dos Médicos Veterinários.

Certos sindicatos, ao aceitarem a inscrição de qualquer um que dê aulas, por escassos dias que seja, não cumprem preceitos tacitamente aceites pela sociedade portuguesa e pelo simples bom senso.

Talvez por isso, o estudante de Direito, quando ainda está a aprender, dá aulas e intitula-se (ou intitulam-no) professor! Quando já sabe, defende em juízo e é titulado como advogado, etc, etc.

Pior do que isso, os cábulas que nunca se formaram continuam a ser pagos para darem aulas, têm, por vezes vínculo ao Estado e reivindicam agora uma paridade com os professores licenciados.

Ser professor em Portugal é menos uma profissão e mais uma maneira de ganhar a vida para quem não se preparou para nada exigindo um futuro sem ter um passado! Até quando?” (“Jornal de Notícias”, 25 de Junho de 1992).

Diga-me agora se depois de todo este tormento motivado por uma profissão desempenhada por todo e qualquer bicho careta, os indivíduos que se prepararam para serem professores não têm direito em exigir uma cédula profissional outorgada por uma ordem própria e à atribuição de um código deontológico específico, a exemplo dos médicos, dos advogados e…dos psicólogos?!

Para a proibição das ordens exercerem funções sindicais, é por si evocado o n.º 3 da Lei nº 6/2008, de 13 de Fevereiro. Ora este lembrete pode ser havida como uma espécie de chuva no molhado, por o artigo 267, n.º 4, da Constituição Portuguesa, estabelecer que “as associações públicas (…) não podem exercer funções próprias das associações sindicais”. Deste ”statu quo” resulta evidente que os sindicatos dos professores não temem a concorrência de uma Ordem dos Professores por sobreposição de competências. A razão é bem outra.

Chamando os bois pelos nomes a existência de uma Ordem pulverizaria um grande número de sindicatos de menor expressão, enfraquecendo a sindicalização em sindicatos ainda mesmo que de maior expressão numérica de associados. Por outro lado, o grande número de sindicatos de professores (que não encontra paralelo noutras profissões), na ordem das dezenas, torna-se presa fácil para o ministério da Educação ciente de que essa divisão lhe traz inúmeras vantagens. Como diz o povo, “dividir para reinar”!

A existência de uma Ordem dos Professores, representativa de todos os professores, sem excepção, seria uma frente comum muito mais difícil de “domesticar” por parte dos mandarins da 5 de Outubro.

Coisa paradoxal e sem explicação plausível. Havendo um organismo mandatado publicamente para a validação da qualidade dos cursos superiores ministrados, como explicar que o ministério da Educação, ao arrepio desta medida oficial, se proponha realizar provas de acesso à função docente?

Penso que esta pergunta encerra, pelo menos por agora, com chave de ouro um debate que ainda fará correr muita tinta e martelar muitos teclados de computador!

Rui Baptista disse...

Ana Teresa:

A sua dupla qualidade de psicóloga e professora, ou vice-versa, veio trazer a este debate uma perspectiva que não está ao meu alcance de professor ou à mão de semear de “pj”, tão-só psicólogo.

Daqui, as suas inúmeras, e julgo que irredutíveis, discordâncias relativamente aos pontos de vista defendidos por “pj” assumirem uma relevância redobrada quando escreve: “Ora se há profissão onde essa identidade [profissional] deve ser mantida forte é no professorado que não tem uma Ordem Profissional”.

Ademais, com uma frontalidade pouco comum nos dias de hoje de apatia opinativa em que, por isso, assumir posições ou opiniões transformam os seus autores numa espécie de “avis rara”, não se escusa, corajosamente, a Ana Teresa a um debate mais alargado e aprofundado sobre esta temática: “Tentarei em outros comentários responder a outros argumentos seus [de “pj”] com os quais estou amplamente em desacordo”.

Grato pela sua valiosa prestação neste debate merecedor pela temática abordada de uma ampla discussão e uma não menor divulgação.

Fernando Martins disse...

Foi por manifesta falta de tempo que não comentei no seu post, com o qual concordo em absoluto. Se fosse possível gostaria de lhe sugerir um ponto de partida para outro texto: os Jornalistas têm um Sindicato (único...) que acaba por ter algumas funções deontológicas e bastante similares às das Ordens. Contudo, também por falta de uma Ordem dos Jornalistas, esta tem poderes estupidamente limitados: em certas situações pode punir os seus associados e fica impedida de punir os restantes prevaricadores por não estarem sindicalizados, como no "Caso Moderna" ...

Anónimo disse...

Está esquecido o tema da criação de uma ordem profissional? Penso que o tempo urge sob a pena de nunca nos livrarmos das opressões do MEC e das birras cheias de interesses obscuros de algumas organizações...

Pedro Santos

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