terça-feira, 6 de setembro de 2011

Salamanca, de novo

Volto a Salamanca, onde vivi algum tempo por diversas vezes. Já cá não vinha há uns tempos largos, mas tudo, no casco da cidade, parece eterno: prédios, pessoas, lojas, pináculos de catedral, campanários, ninhos de cegonha. No meio da constante agitação barulhenta, colorida e alegre o eterno transforma-se constantemente porque a beleza intemporal dos lugares vive e anima-se a toda a hora com pessoas, vozes, movimentos.

Todos sabem, Salamanca é uma cidade encantadora, que parece ter sido feita, ao longo dos séculos, para a podermos agora apreciar. Ou seja, andar nas suas ruas, olhar as suas pedras, entrar nos seus palácios austeros e escurecidos, deambular por entre as pessoas naquela agitação barulhenta e alegre que só as cidades espanholas têm.


Aquela Plaza Mayor é de facto o centro do Mundo para os salamantinos. E para os que vêm de fora. E que valor imenso isso tem para os cidadãos. Conviver uns com os outros, usufruir a vida, todos os dias conversar um pouco, ver e ser visto, espairecer, mas sempre enquadrado pela beleza e a harmonia daquela praça notável. E depois sair (ou entrar) por cada uma daquelas portas da Praça percorrendo ruas e encontrar outras praças que com ela se harmonizam. E ver que as casas abrem varandas e janelas e os mercados compram e vendem e as tabernas bebem, comem e discutem e os cafés fervilham de agitação ruidosa.


Que arte estes espanhóis têm de fazer cidades com vida. E de usufruir os momentos, não só porque respeitam e recuperam os lugares e os monumentos, mas porque vivem e respeitam a sua cultura. De que não se envergonham, que afirmam e cultivam numa transversalidade admirável.


Nas Festas da Cidade, por várias vezes, ao som do tamborileiro (um homem com pífaro e tambor que anda pelas ruas tocando músicas tradicionais) vi pessoas de todas as condições – desde moças a senhoras de idade e porte, de camponeses endomingados a comerciantes – formarem espontaneamente grupos e dançarem em conjunto, ao som do tamborileiro. E mui acertada e alegremente, o que é que julgam?


Tão longe de nós e tão perto, os espanhóis; tão diferentes e tão semelhantes. Em Espanha penso sempre no lado de nós que não chegámos a ser. Do mesmo modo que eles pensam em nós como o lado de cá que não chegaram a ter (nem a ser também). Não sou iberista, a nossa cultura é suficientemente rica. E é a nossa. Respeito a memória dos muitos milhares que ao longo das nossas fronteiras sacrificaram vidas para manter independente a nossa terra, durante séculos.


Mas isto não me impede de amar as paisagens espanholas e sobretudo as suas cidades barrentas e densas, as suas catedrais pesadas, as suas ruas duras e fluidas. Somos diferentes, mas há uma espécie de nostalgia mútua e cruzada que nos aproxima e afasta, nos identifica e distingue.

E no meio disto tudo houve uma bela surpresa. No “Pateo de la Universidad”, onde, todos os dias, passam muitos milhares de turistas e ficam especados frente ao grande portal de estilo plataresco à procura de «la rana», uma empresa de Coimbra. A Artescan, do Instituto Pedro Nunes, com dois engenheiros no alto duma grua tirando dados para uma reprodução em 3D de todo o rendilhado da pedra. O facto é tão importante que há reportagens na televisão e os diários do dia seguinte (“La Gazeta” e “El Adelanto”) fazem fotografias de primeira página e grandes reportagens sobre esta «tecnología puntera a nivel mundial», que lhes irá possibilitar uma recuperação perfeita daquela preciosidade arquitectónica. É bom ver como há empresas de Coimbra que estão dando cartas lá por fora.

João Boavida

10 comentários:

Rui Baptista disse...

Meu Prezado Professor:Num país em que, infelizmente, o pessimismo nacional nos pode levar a ver plúmbeas nuvens em céu limpo, é gratificante saber, como escreve no último parágrafo do seu texto, haver "empresas de Coimbra que estão dando cartas lá por fora".

Cordiais cumprimentos.

Anónimo disse...

Por se tratar de matéria pouco divulgada ou mesmo até da maioria das pessoas, aproveito a boleia para revelar que as legendas que envolvem os bustos dos Reis Católicos representados nos medalhões da fachada plateresca da universidade salmantina, em grego, são da autoria do humanista português Ayres Barbosa, natural de Aveiro, a quem se deve a introdução do estudo desta língua na Península em finais do séc. XV. É obra! JCN

Anónimo disse...

Advirto que, na primeira linha, entre "até" e "da maioria", ficou no tinteiro, por distracção, o termo "desconhecida", ou seja, refazendo o texto, neste particular: "ou até mesmo desconhecida da maioria das pessoas". Sabem o que dizem as legendas, traduzidas para português?... JCN

Anónimo disse...

Para nossos actuais humanistas de chinelo será caso tão... somenos?! JCN

Anónimo disse...

Acaso alguém quis saber o que dizem as legendas?!... Sintomático!... JCN

Anónimo disse...

Parece que os humanistas
puseram ponto final
na presença em Portugal
por serem curtos de vistas!

JCN

Cláudia disse...

a atenção em alguém
quando diz ter sede
é mui humano e gentil
se tivermos um cantil

Anónimo disse...

Sibilino, como gosto! JCN

Anónimo disse...

A Coimbra dos velhos humanistas,
que há séculos primou pela excelência,
deixou de ser padrão de referência
nos tempos que ora correm saudosistas!

JCN

Cláudia disse...

Ó Coimbra! Bebes por saudade
vosso lago do saber é capital
com três cintas, és cristal
e de vossa fonte nada exauri.

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