sexta-feira, 13 de agosto de 2010

O processo disciplinar levantado pela Federação Portuguesa de Futebol a Carlos Queiroz


“O soberaníssimo bom senso” (Antero de Quental, 1842-1891).

Encontra-se Carlos Queiroz, licenciado pelo ISEF, da Universidade Técnica de Lisboa, e antigo docente de José Mourinho, no epicentro de uma polémica que se consubstancia num processo disciplinar, que lhe foi levantado pelo Conselho Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol, em que a nota de culpa incide sobre possíveis obstáculos levantados a um controlo anti-doping e a um insulto à progenitora do presidente da Autoridade Antidopagem de Portugal, o médico Luís Horta.

Apresentou Carlos Queiroz como testemunha de defesa Sir Alex Ferguson que disse aos jornalistas, depois de ter prestado o seu depoimento, que considerava este caso lamentável, que compreendia a reacção de Carlos Queiroz a um controlo feito de manhã muito cedo numa altura em que os jogadores se encontravam recolhidos nos quartos, tendo acrescentado: “Conheço bem Carlos Queiroz. Trabalhei com ele seis anos, é um excelente treinador e professor, Tem uma grande reputação e isso é muito importante no futebol”.

Por seu turno, nas suas declarações aos jornalistas depois de ter prestado o seu depoimento em defesa de Carlos Queiroz,Jorge Nuno Pinto da Costa,presidente do Futebol Clube do Porto, foi muito contundente quando declarou: "Se é um envolvimento político, não me compete julgar, agora qual a razão porque veio falar [referindo-se a Laurentino Dias], pois... Se calhar, nos próximos 15 dias, não se vai falar do caso Freeport nem do Casa Pia, só se vai falar de uma frase horrorosa que Queiroz disse”.

Todo este imbróglio tem raízes bem profundas que não cabem na opinião de Jean-Paul Sartre: “No futebol tudo fica mais complicado através da presença da equipa adversária”. Passado mais de meio século, o desporto profissional, com os seus intérpretes, criou uma espécie de mundo cão em que se movimentam milhões e em que o desporto-rei como escola de virtudes pertence a uma utopia em que ninguém se respeita e em que a queda de um treinador é a possibilidade dada a um outro que aguarda a sua oportunidade. E tanto assim é, que se perfilam já no horizonte dos media nomes para substituir Carlos Queiroz mesmo antes do desfecho deste “muito ridículo processo”, nas palavras de Pinto da Costa.

Aquando do seu regresso a Portugal para tomar posse do cargo de seleccionador nacional, antevi as dificuldades com que se iria deparar na sua difícil caminhada. Escrevi, então, um post neste blogue, em 19 de Julho de 2008, intitulado “O regresso de Carlos Queiroz”,de que transcrevo alguns excertos:

“Em Portugal é tradição passar-se do oito ao oitenta, do mais negro pessimismo à mais cor-de-rosa esperança, do acorde dorido da guitarra portuguesa à alegria contagiante do Bailinho da Madeira. Seja como for, o messianismo é carga demasiado pesada para os frágeis ombros humanos, ainda que fortalecidos por valioso diploma académico e escorados em provas dadas entre as quatro linhas de dois campeonatos mundiais de futebol de sub-vinte e ao serviço do reputado Manchester United.

Razão teve Otto Glória a quem se atribui a frase (há quem a atribua a Cândido de Oliveira): 'O treinador de futebol quando ganha é bestial, quando perde é uma besta!'. Não é a bola redonda e o futebol sujeito à sorte ou aos azares da fortuna? Seja como for, Carlos Queirós merece bem um voto de confiança a longo prazo pelo seu passado de grandeza”.


Passados dois anos, em 4 de Julho de 2010, agora no rescaldo deste campeonato mundial, publiquei um novo post, intitulado” Seleccionador nacional de futebol e jogadores; culpados ou vítimas?”. Aqui deixo excertos:

“Seja como for, entendo que os campeonatos mundiais de futebol se tornaram numa feira de vaidades em que são sentados no banco dos réus apenas os seleccionadores nacionais. Haja em vista todos aqueles que foram despedidos, ou se despediram de motu proprio, depois das derrotas das respectivas equipas na África do Sul.

Mas serão eles os únicos e verdadeiros culpados? Porventura, estarão isentos de culpa os jogadores, estrelas de um firmamento futebolístico que nem sempre cintila, que fazem deste tipo de campeonato uma feira de venda de si próprios atingindo os seus passes cifras astronómicas e, ipso facto, mandando às urtigas o jogo de equipa? Salvaguardando-se as honrosas excepções, por exemplo, de Fábio Coentrão, quem sabe se por ainda não ser uma superstar, ou o caso de Ricardo Carvalho, feito de uma argamassa ética diferente.

Com tenho escrito outras vezes, o desporto profissional corre o risco de se tornar num verdadeiro circo romano sem ter conhecido sequer o apogeu de uma educação integral helénica. A assistir, nas bancadas VIP, verdadeiros Neros que se escondem à sombra das suas responsabilidades, enquanto na arena seleccionadores e jogadores se tornam pasto de verdadeiras feras que enchem as bancadas e tudo exigem deles, passando das palmas aos assobios, num abrir e fechar de olhos, já que não podem exigir o sacrifício das suas vidas, em desforço de uma nação humilhada.

E, desta forma, são esquecidos os aumentos de impostos, um serviço nacional de saúde deficiente e deficitário, um ensino que não ensina, uma economia que decresce e, principalmente, o aumento de desemprego - o maior flagelo de qualquer sociedade. Ironicamente, são, por vezes, estas as bandeiras de solidariedade e êxito governativo agitadas em mãos de uma sociedade, em que os pobres deste mundo de Cristo estão cada vez mais pobres, a classe média passou a pobre e os ricos estão cada vez mais ricos, por aqueles que mandam apertar o cinto por usarem suspensórios. Poderia a nossa selecção de futebol fazer melhor?”

Sobre os palavrões usados no mundo do futebol onde se não pode exigir punhos de renda, transcrevo um comentário de João Boaventura, inserido no blogue “Colectividade Desportiva” (05/08/2010), que faz jus ao aforismo romano "nil novi sub sole":

“1970 - Lourenço Marques

Jogo: 1.º de Maio - Desportivo de L.M.

1.ª parte - O Antero, poveiro dos sete costados, dá um soco no defesa do Desportivo

Apito. Cartão vermelho. Antero expulso.

O sr Guerreiro, treinador: - Então para que foi aquilo ?

Antero explica: - Chamou-me filha da p...!

Intervalo. Tudo para o balneário. O treinador do 1.º de Maio, vai falar no caso Antero e chama a atenção de todos os jogadores:

- Quero que vocês todos saibam de uma vez por todas, para que o caso Antero não se repita. Todos temos duas mães, uma a verdadeira que está em casa, e outra para ser usada nos campos de futebol.

Antero voltou para a Póvoa de Varzim, de onde era natural, e o sr. Guerreiro vive hoje no Algarve.

O João Boaventura era dirigente do 1.º de Maio e preparador físico gratuito da equipa, e assistiu a este caso, e ficou a saber que também tem duas mães, uma virtual e outra real, para se precaver”.


Só quem não frequenta os campos de futebol pode viver no “ledo e doce engano” de que gente ilustre da nossa sociedade se comporta como meninos do coro incapaz de um insulto aos árbitros e seus familiares. Despidos dos salamaleques e dos tratamentos por vossas excelências dignos de gentis-homens são palavrões gritados para dentro do campo e que fariam corar de vergonha o carroceiro mais empedernido. São insultos públicos testemunhados por gente em redor. E quem lhes levanta processos disciplinares? Ou há moralidade…

5 comentários:

José disse...

Para Rui Baptista, quem é licenciado está acima do bem e do mal.

Por falar em licenciados, qual foi a última vez que o Rui Baptista escreveu alguma coisa sem se citar a si próprio?

Rui Baptista disse...

Caro José:

Obrigado pelo seu comentário e pelo reparo.

Desta vez justifica-se, julgo eu, a citação que faço do excerto do meu último post que, curiosamente, coincide com o testemunho de Pinto da Costa que não é licenciado!

joão boaventura disse...

O valor subjectivo do que se pensa que se ouviu virtualmente, ou a fábula do que se quis escutar, e vuvuzelar ubi et orbi, numa madrugada covilhanense:
… … … … … … …

Um dos maiores discípulos de Gursjieff, P.D. Ouspendky, costumava insistir obre certas coisas com os seus discípulos – e todos se ressentiam disso. Muitas pessoas o abandonavam, apenas por causa dessa insistência. Se alguém dizia:

“Ontem o senhor disse…”, ele imediatamente, interrompia, falando: “Não diga isso assim; diga: Eu entendi que o senhor disse, ontem, tal e tal coisa. Acrescente o “eu entendi”; não diga ‘o que o senhor disse’. Não pode saber o que eu disse. Fale sobre o que você ouviu!”. Ele insistia tanto porque nós somos pessoas de hábitos.

Se de outra vez alguém dizia: “Diz a Bíblia que…”, ele interrompia: “Não diga isso! Diga, simplesmente, que entendeu que isso é dito pela Bíblia.” A cada sentença ele insistia: “Lembre-se, sempre, de que isso é o que você entendeu!”.

Nós continuamos nos esquecendo. Seus discípulos continuaram esquecendo muitas e muitas vezes, todos os dias, mas ele era obstinado quanto a esse ponto. Não permitia que continuassem. Dizia: “Volte”. Diga primeiro: Eu entendi que o senhor disse, foi assim que eu entendi…, porque você ouve conforme você mesmo, vê de acordo com você mesmo; tem um padrão fixo para ver e ouvir.”

É preciso abandonar essa maneira de ser.
Para conhecer a existência, todas as atitudes fixas devem ser abandonadas.
Seus olhos devem ser janelas, não projectores.
Seus ouvidos devem ser portas, não projectores.

Isto aconteceu: um psicanalista que estudava com Gurdjieff, tentou, numa cerimónia de casamento, uma experiência muito simples, porém bonita. Ficou ao lado, na fila da recepção. As pessoas iam passando e ele as observava; então percebeu que ninguém estava ouvindo o que se dizia, tantas eram as pessoas – tratava-se do casamento de um ricaço. Então, aproximou-se, e disse à primeira pessoa da fila, muito mansamente: “Minha avó morreu hoje.”. O homem respondeu: “Muito gentil da sua parte, muito amável.” Então disse a mesma coisa à seguinte e ela respondeu: “Tão amável da sua parte.”. E quando chegou a vez do noivo este respondeu: “Meu velho, já é tempo de fazer o mesmo.”

Ninguém ouve ninguém. Você ouve o que espera ouvir. A expectativa funciona como um par de óculos. Seus olhos deveriam ser janelas – esta é a técnica.
… … … … … … … …

In
“Tantra – a suprema compreensão”, de Osho
São Paulo: Cultrix, 2006

Suporte técnico-analítico freudiano:

1. – o ouvir é mais superficial do que o escutar
2. – escutar é prestar atenção para ouvir

Carlos Oliveira disse...

Olá,

Se o processo está muito mal feito? Claro! É uma idiotice o método que arranjaram para o despedir.

Se o Carlos Queiroz não deveria ter dito o que disse? Claro! Independentemente de toda a gente dizer, é um insulto que não deveria ter sido dito. Só por muita gente acreditar que o mundo é plano, isso não é razão para eu acreditar também. Logo, o insulto não pode ter como desculpa "toda a gente diz".

Se Carlos Queiroz deveria ter sido despedido pelos resultados? Claro!
Qualquer pessoa em qualquer trabalho é avaliado pelos seus méritos que se vêem nos seus resultados. Se eu não produzir, despedem-me, como é evidente.
Se eu estiver à frente de uma equipa de trabalho numa empresa, e essa equipa apresentar resultados negativos, obviamente que a responsabilidade é minha. Deveria ter feito algo para mudar o rumo às coisas.
Além da falta de "chama", de "querer", a Selecção Nacional com Queiroz a treinador conseguiu a proeza de empatar 0-0 em 1/3 das vezes.
Não é uma questão de sorte ou azar. É sim de competência e probabilidades. Quem joga para empatar a 0, tem maior probabilidade de empatar ou perder. Quem joga para ganhar, arrisca-se a ganhar (existe uma maior probabilidade de ganhar, obviamente).
Por isso, Queiroz deveria ter sido despedido pelos resultados, fruto da mentalidade de jogar a medo, para não ganhar.

joão boaventura disse...

Caro Carlos Oliveira

Tem razão quanto ao zero a zero.
O patrão da FIFA, o sr, Blatter, está a pensar em acabar com os empates nos mundiais: prolongamento e ao primeiro golo acabou o jogo.

O mais que pode acontecer é uma equipa estar bem preparada para resolver o jogo nos penalties. Nesse caso aguentará o empate no jogo, e o empate no prolongamento. Depois, ganha nos penalties.

O sr. Blatter é capaz de também não gostar do sistema e terá de pensar maduramente no caso... possivelmente dar a derrota às duas equipas... sem direito aos penalties.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...