domingo, 22 de agosto de 2010
MEDICINA QUÂNTICA?! (I)
Novo texto de António Piedade saído no "Diário de Coimbra" (na foto imagem de ressonância magnética nuclear):
“Toda a tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da pura magia”
Esta é a asserção da terceira lei de Sir Arthur C. Clarke, inclusa no seu livro "Profiles of The Future", escrito em 1961. Arthur Clarke, escritor de obras de ficção científica incontornáveis, como “2001, Odisseia no Espaço”, propôs, em 1945, os fundamentos do sistema de comunicações por satélites em órbitas geoestacionárias. Fez, para isso, uso do conhecimento sobre a radiação electromagnética adquirido cumulativamente por várias gerações dos melhores cientistas da humanidade nos últimos 200 anos (Maxwell, Hertz, Weber, Faraday, Snell, Marconi, Einstein, Planck, entre outros). De facto, muita da tecnologia que sustenta a nossa sociedade actual é fruto do conhecimento que temos dos campos, da forças e das radiações electromagnéticas, de que o espectro da luz visível, estudado por Newton, é só uma pequena parte.
Desde as ondas de rádio até aos raios gama, passando pelas microondas e pelos raios X, não é difícil identificarmos actividades, processos e instrumentação, no nosso dia-a-dia, que decorrem da natureza da radiação electromagnética, que por sua vez dependem da frequência ou do comprimento de onda e da amplitude. Einstein teorizou a relação entre matéria e energia, através da famosa constante “c” que mais não é do que a velocidade a que qualquer radiação electromagnética, independentemente da sua frequência, se propaga no vazio. E Planck estabeleceu através da constante “h”, que tem o seu nome, a relação entre a energia de uma dada radiação electromagnética e a sua frequência. De facto, a velocidade de propagação das ondas electromagnéticas varia com a frequência, ou com a sua energia, se o vazio for preenchido por matéria (recorde-se que o som não se propaga no vácuo, por se tratar de uma onda mecânica e não electromagnética). O meio de propagação (ar, água, metal, tecido biológico, etc.) afecta a velocidade de propagação e até a própria capacidade de penetração de uma dada radiação electromagnética, e isto proporciona-nos tecnologias muito úteis que usamos sem nos apercebermos o que está por detrás delas.
Isso é, em particular, evidente nas tecnologias da saúde e da vida. Inúmeros são os exemplos no nosso quotidiano. Um é a aplicação dos raios-X na detecção de inúmeras patologias e perturbações no organismo, determinante como auxiliar de diagnóstico, primeiro no quadro de uma medicina mais empírica e, mais recentemente, de uma medicina baseada na evidência, robustecida pela metodologia científica na minimização de erros tantas vezes fatais para o paciente. Outro exemplo é o da aplicação da radiação gama na radioterapia curativa ou paliativa de combate a determinados tipos de cancros sólidos. Ainda um outro exemplo é o da ressonância magnética nuclear, que faz uso de campos magnéticos e radiações electromagnéticas com frequências na gama das ondas de rádio e, por isso, muito menos nocivas do que, por exemplo, os raios X. Aliás, é espantoso o avanço nas técnicas de imagiologia por ressonância magnética registado nos últimos anos e tudo o que têm permitido desvendar a respeito da fisiologia do nosso corpo, mormente na neurofisiologia, conquanto permitem monitorizar uma determinada função e contextualizá-la com a anatomia envolvente.
Um último exemplo, este visto por um ângulo oposto, é o efeito nefasto que a radiação ultravioleta, proveniente do Sol, provoca no ADN das células da nossa pele, induzindo mutações e danos biomoleculares que potenciam o desenvolvimento de certas formas de cancro.
Sem o conhecimento minucioso das propriedades da interacção da radiação electromagnética com a matéria que constitui os tecidos do nosso corpo, em rigor com os átomos e moléculas que o constituem, não teria sido possível desenvolver aquelas e outras tecnologias para a saúde e da vida. Estas são áreas cientificamente bem fundamentadas e identificadas com a medicina nuclear e com a radiologia, disciplinas incluídas nos currícula para a formação de médicos e técnicos de saúde.
O mesmo não se pode dizer, por ausência de qualquer informação científica acessível, de um pretenso conhecimento científico subjacente a uma dita "medicina quântica" que se começa a instalar, adubada pelo desconhecimento que o público em geral possui sobre a física e química quânticas.
(continua)
António Piedade
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4 comentários:
Nem sabe o quanto lhe agradeço este texto! :) Tenho sido interpelada a propósito desta banha de cobra (e não imagina as discussões em torno da famigerada power balance) e é sempre bom constatar que há quem mais se proponha a lutar contra as fraudes.
Mas, tristemente, constato que as pessoas preferem ser enganadas. É com incredulidade que vejo pessoas supostamente inteligentes e, pasme-se!, com formação científica!, a compactuar com seres humanos sem escrúpulos. O efeito placebo é muito, muito poderoso, dizem-me. Pois é, infinitamente e para lá da nossa compreensão actual, é certo. E o que está para além da minha compreensão é o porquê de estas pessoas comprarem o dito pensamento positivo ao invés de o procurarem gratuitamente.
Porque precisa o ser humano de artefactos duvidosos para alcançar uma alegada felicidade?
Porque é que os cientistas são todos uns totós sem moral, burritos acéfalos, e quem apregoa mentiras é sempre o salvador da pátria?
Porque é que as pessoas gostam de enganar e ser enganadas, é algo que me escapa...
Aguardo o próximo texto com ansiedade. :)
Sim, concordo plenamente com o comentário anterior...as pessoas preferem viver na ignorância na ânsia fútil de poderem assim alcançar alguma felicidade. E note-se que estas "banhas da cobra" que nos inundam o dia-a-dia (cito: "power balance") são bem mais apreciadas por mentes à partida cientificamente educadas. Só cai na esparrela quem quer... pelos vistos a dita "power balance" não deixa cair ninguém:). Ob. ao autor pelo texto.
Conheço uma pessoa sem formação científica que tem uma maquineta de diagnóstico de medicina quântica e que acredita totalmente na máquina. A máquina foi-lhe vendida numa espécie de cadeia de vendas em cascata em que os últimos já acreditam na máquina. Esta pessoa, sem formação médica, teve uma "formação" paga para saber utilizar a máquina e fazer "diagnósticos" e agora dá consultas!!! E o pior é que quando se tenta argumentar, essas pessoas conseguem justificar tudo com explicações como "tudo é energia", "Einstein dizia que só usamos uma pequena porção do cérebro", "a matéria é quântica" (?!?!?), e conseguem utilizar termos tirados da literatura científica, só que interprepretam à luz das suas crenças. Este é um bom exemplo do avanço do conhecimento estar perto da magia. Normalmente são pessoas carentes e que procuram no imaterial justificação para as suas frustações, e encontram esperança para uma vida a que aspiram mas sem nunca lá chegar.
VIDA LONGA... MAS NÃO TANTO!
À medida que a ciência
no campo da medicina
vai prolongando a existência
do ser humano, termina
a vida por nos pesar
a ponto de, a dada altura,
se pretender acabar
por ser demais a fartura!
Como há tempos referia
um certo prémio Nobel
de grande celebridade,
nada em concreto seria
mais enfadonho e cruel
que durar a eternidade!
JCN
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