quinta-feira, 13 de agosto de 2009

DE NOVO ECO E CARRIERE

Do livro A obsessão do fogo, de Umberto Eco (UE) e Jean-Claude Carriere (JCC), acabado de sair na Difel, respigo esta parte:

"JCC - Se eu desenhar hoje um graffiti sem sentido num muro, amanhã poderá acontecer alguém afirmar tê-lo decifrado. Diverti-me durante um ano a inventar escritas. Estou certo de que outros poderiam amanhã encontrar-lhe um sentido.

UE - Naturalmente, porque não há como a insensatez para produzir uma interpretação.

JCC - Ou a interpretação para produzir a insensatez. É essa a contribuição dos surrealistas, que procuravam ligar palavras sem qualquer parentesco ou relação para lhes revelar um sentido escondido.

UE - Encontramos a mesma coisa na filosofia. A filosofia de Bertrand Russell não gerou tantas interpretações como a de Heidegger. Porque? Porque Russell e particularmente claro e inteligível , enquanto Heidegger e obscuro. Não digo que um tivesse razão e o outro estivesse errado. Quanto a mim, desconfio dos dois. Mas quando Russell diz uma idiotia, di-la de uma forma clara, mas Heidegger, mesmo que diga um truísmo, temos dificuldade em percebê-lo. Assim, para passar a história, para subsistir, é preciso ser-se obscuro. Hercalito já o sabia..."

2 comentários:

Alexandre Wragg Freitas disse...

Na filosofia e assim também na arte e em tudo o que vai da ciência às coisas mundanas! O método é mais ou menos o seguinte:

- preconceito 1: fulano Tal é um génio.
- preconceito 2: o produto de um génio é genial.
- facto 1: fulano Tal acorda mal disposto e vomita
- facto 2: o produto do vómito é publicado
- facto 3: fulano Tal não se pronuncia acerca do seu vómito
- consequência: o público regozija com mais uma obra genial (cada vez mais genial) de fulano Tal

O truque está de facto em dizer/fazer algo que não comprometa de modo algum a liberdade de interpretação do público.

Gosto de pensar no limite deste fenómeno. Nele, o filósofo grande sábio produz afirmações tão esotéricas, insondáveis e desprovidas de conteúdo que todos têm sempre algo a comentar e debater a seu propósito. No limite o filósofo nada diz e todos debatem com as suas próprias ideias. Só não descobrem que todo o sumo é seu!... :)

Fulano Tal disse...

Pois..."nada dizer e conseguir fazer todos debaterem com as suas próprias ideias e sem que não descubram que todo o sumo é seu!" é algo, no mínimo...genial!!!

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