Quando os nossos antecessores biológicos, há dezenas ou centenas de milhares de anos, saíam das suas cavernas para tentar encontrar comida, era grande a probabilidade de em vez de presas encontrarem predadores, passando de caçadores a caça. O mundo que os rodeava era hostil, cheio de ameaças, e era impossível prever de onde viria a próxima.
Suponhamos que um homem das cavernas decide interpretar certos fenómenos naturais – para fixar ideias, o aparecimento de nuvens com forma de tigre – como sinais ou “presságios” de um ataque por um predador. Suponhamos ainda que ele já tinha chamado a atenção para isso, a tribo não lhe ligou, o chefe saiu para caçar e foi devorado por um tigre. A tribo começaria a tratar essa convicção com outro respeito, e o próprio cavernícola talvez como um demiurgo.
Ver uma nuvem em forma de tigre é obviamente uma superstição completamente irrelevante para o facto de, na próxima saída, aparecer um tigre. Mas a tribo que desenvolve esta crença tem uma vantagem adaptativa: organiza caçadas em grupo, não deixa caçadores saírem sem armas, mesmo para uma curta excursão para apanhar plantas.
Ao longo das gerações, a tribo desenvolve uma vantagem adaptativa: enquanto as outras são devoradas a pouco e pouco e tendem a extinguir-se, esta tribo sofre muito menos baixas na luta contra os predadores. A longo prazo, as tribos que não acreditam na “crença da forma das nuvens” extinguem-se; só sobrevive a tribo que acredita, e a crença vai propagar-se por tradição oral pelos seus descendentes, que talvez passem a venerar o “deus das nuvens”. O acaso observado pelo elemento inicial da tribo transformou-se na necessidade da crença supersticiosa que agora caracteriza toda a tribo.
Isto é um modelo assumidamente primitivo que pode explicar a emergência de crenças primitivas em protohumanos primitivos. Pergunto-me no entanto se muitas crenças humanas não poderão ser explicadas aplicando o mesmo modelo básico, mas mais sofisticado, a seres muito mais sofisticados, organizados em comunidades muito mais sofisticadas, e onde as vantagens adaptativas sejam também elas muito mais sofisticadas. As crenças, claro, teriam também de ser elas próprias muito mais sofisticadas. Algumas poderiam até chamar-se religiões, ter livros sagrados, e os seus sofisticados seguidores poderiam ter-se morto uns aos outros durante séculos (e continuarem a fazê-lo) em seu nome, sem precisarem já de predadores.
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29 comentários:
Essas crenças seriam então as formas primordiais de pensamento abstrato. O que é interessante notar é que mesmo ainda não é possível provar racionalmente a existência ou não de Deus. A religião continua para todos os efeitos ainda a ser válida, pelo menos na sua crença mais básica.
"pensamento abstrato"? As crenças? Não acho que se possa chamar pensamento, pois não resulta de qualquer elaboração mental, com formulação de hipóteses e sua confirmação ou não. Uma crença é apenas resultado duma intuição, talvez, intuição essa que pode estar errada, mas como não é testada... nada tem a ver com ciência. Se eu resolver acreditar que as pessoas de olhos azuis são mais inteligentes que as outras, isso não passa a ser uma teoria científica, nem sequer uma hipótese viável.
Não se pode dizer se Deus existe, porque nada está provado, por isso é que as crendices do criacionismo não são ciência.
Válida? Está a querer dizer aceitável, mas não certa, não é?
Os seres humanos sempre tiveram necessidade dum certo misticismo. Quando os nossos antepassados não sabiam explicar as leis do universo inventaram certas divindades, quando estamos assustados com os trovões chamamos por S. Bárbara.
Mesmo as mentes mais esclarecidas têm essa necessidade. Mas não dizem que isso é ciência! São planos muito distintos. Que as religiões existam para quem precisa delas, nada a opor, que as usem sempre que necessário para seu conforto espiritual. Mais nada. Não venham impingir que isso é ciência. Uma colega minha sempre que faz uma apresentação num congresso usa a mesma camisa branca que a mãe lhe fez. Mas não diz que isso é ciência. Dá-lhe alguma segurança e daí não vem mal ao mundo. Só isso.
«Pergunto-me no entanto se muitas crenças humanas não poderão ser explicadas aplicando o mesmo modelo básico, mas mais sofisticado, a seres muito mais sofisticados, organizados em comunidades muito mais sofisticadas, e onde as vantagens adaptativas sejam também elas muito mais sofisticadas.»
Claro que sim! Veja o caso da matemática e da incomensurável fé colocada por alguns no seu estatuto de inviolabilidade. Suponho que por assentar na racionalidade humana, que é por muitos tomada como dogma ou irrefutável à sua própria "luz". Enfim, pergunto-me quando deixaremos de ser tão intelectualmente arrogantes. E quando perderemos este terrível hábito de ver as nossas creças como superiores só por assentarem em racicínios válidos e sólidos. Deve ser um refugo bacoco do iluminismo, suponho.
homoclinica
"pensamento abstrato" no sentido em que não é directamente pragmático, que não tem a ver com o raciocinio básico ligado à sobrevivência no caso destes nossos antepassados.
"Veja o caso da matemática e da incomensurável fé colocada por alguns no seu estatuto de inviolabilidade"
A treta do eduquês e a treta de porem formados em "ciências" da educação a dar matemática dá nisto!
Quando é que o ME percebe que a matemática só pode ser ensinada por gente formada em matemática, não por "videntes" ou "místicos" da Educação que de matemática sabem zero?
Um artigo fabuloso! Só acho que não é preciso ir buscar um modelos mais sofisticado para explicar algumas crenças modernas.
Algumas são tão básicas como o modelo fantasticamente descrito na posta...
Multinicks Parente:
Já cá faltava o Hitler, o Estaline e Pol Pot. Bolas, que a beatada não sabe outra k-7!
Está farto de saber que o Hitler era hiper religioso. Dá-lhe conforto pensar que não. E pensa que repetir uma mentira a transforma em verdade.
Mas há quilos de provas em contrário. Que algumas pessoas, como o Sam Harris, tenham sido enganadas pela propaganda religiosa não transforma um religioso em ateu.
Eu comprei o Courier International como a Palmira recomendou.
Faça o mesmo, confirme que a maioria dos conflitos nas últimas décadas têm origem religiosa e não diga asneiras.
a sugestão é interessante, mas nesse caso pergunto se a vantagem adaptativa de ser ateu não supera a vantagem adaptativa religiosa? parece-me que uma sociedade ateia permite um desenvolvimento científico e teconológico, ao longo de gerações, muito mais rápido do que aquele verificado numa sociedade religiosa. e, nesse caso, na long run, a vantagem adaptativa da sociedade ateia faria com que esta fosse a única sobrevivente em relação a complicados processos de extinção (colisão de asteróides, mudanças climáticas, variações de fluxo solar, etc etc). pena que não vou estar cá para ver! :-)
Fred Sólon:
Confesso a minha "arrogância" ao NÃO admitir que 6 vezes 8 seja diferente de 48. Pode não ser muito original, mas que quer, eu estou muito arreigada a esta minha "crença" a este meu "dogma"... Também tenho direito! Acho mesmo que 6x8=48 é uma verdade irrefutável! Veja lá!
Acho mesmo uma grange vantagem para o progresso humano, todas as "crenças", que como esta assentam em "racicínios válidos e sólidos". Que iluminismo bacoco, o meu!
Quando o Fred Sólon estiver doente com alguma doença infecciosa e o médico, para ser um espírito aberto e não "intelectualmente arrogante", lhe receitar água de rosas em vez de antibióticos, espero que lhe faça bom proveito.
Fred Sólon: quando um banco lhe disser que os 5% de juros que tem de pagar sobre um empréstimo de 1000 euros, são 900 euros, espero que fique muito contente com a abertura de espírito do seu banco ao recusar as regras básicas e bacocas da tirana matemática. Que lhe faça bom proveito!
Rita: perfeitamente de acordo!
Aff: para mim, estas crendices nem sequer são "pensamento", quanto mais "abstracto" e no caso apresentado neste post têm exactamente a ver com "o raciocinio básico ligado à sobrevivência no caso destes nossos antepassados". Está ao nível duma pré-história. Nem sequer chega aos calcanhares duma Grécia do tempo de Aristóteles, Platão ou Sócrates... Nada tem de "pensamento abstracto".
"Acho mesmo que 6x8=48 é uma verdade irrefutável!"
Não me parece que haja tal coisa. Há talvez umas verdades lógicas que são absolutamente necessárias. Mas a matemática depende de muitos pressupostos não-lógicos, como sejam por exemplo a existência de números (enquanto realidades à lá Platon). Só uma perspectiva tacanha da matemática e dos resultados matemáticos os pode considerar sem dificuldades e absolutamente irrefutáveis.
Para os outros "trolls" do cientismo cizentista que ficaram tão ofendidos com o meu comentário, quero dizer o seguinte. Eu não nego que a matemática seja de um valor inestimável. O que eu nego é que seja o único caminho ou processo para "toda a verdade", como tantos têm a arrogância de sugerir. Eu deixo espaço para a *possibilidade * de certas coisas poderem ser descobertas e tratadas de modo não matemático. Mas se não concordarem comigo, peço-vos o favor de quantificarem *exactamente* o quanto gostam dos vossos filhos, dos vossos pais, dos vossos companheiros(as) etc. Depois ponham essa brilhante fórmula matemática debaixo da almofada e durmam descansados, pois decobriram a matemática dos afectos.
PS: quero dizer à senhora que insinuou que eu era um "cientista social" que tal afirmação, além de preconceituosa, é completamente falsa. Eu gosto de me ver como filósofo, e tenho formação para tal. E a Filosofia não é uma ciência social. Todavia, admito que me faz alguma confusão ver um blog tão bem composto sem a contribuição de um sociólogo, ou de um psicólogo, ou de um historiador, ou de um filósofo que não tenha siga um corpo de ideias marcadamente científico. E, já agora, por que razão não há aqui um teólogo para defender aquilo que é constantemente atacado. Reparem que não falo em astrólogos e outros artistas do hocus-pocus nonsense. Falo de pessoas sérias que estudem os fenómenos religiosos também com seriedade e afinco. Apesar de gostar do figurino geral do Blog, penso que é muito parcial e os seus elementos têm imenso preconceito agregado e contra aquilo que não se insere na sua carga teórica.
(bem sei que vou ser novamente atacado e apelidado de atrasado mental, etc. Mas eu gosto de pôr o dedo na ferida e carregar, principalmente quando a "ferida" é um ninho de vespas cujos elementos têm mentalidade de colmeia e seguem com reverência um conjunto de ideias que lhes parecem (dogmaticamente) inatacáveis. E já sei que agora vem lá o blá-blá retórico-científico habitual da seriedade científica, e da não contradição, e sei lá mais o quê. Mas estou a disposto a ser atacado, pois as pessoas que realmente não têm preconceitos teóricos, ou que os têm em reduzido número e em fraca conta, não se coibem de colocar todas as ideias em jogo, mesmo aquelas que lhes são tão queridas ao ponto de não se quererem separar delas por sofrerem intelectualmente com isso.
Obrigado
Crescam e aparecam
É como disse o meu cão só se "converteu" ao ateismo racionalista e cientificista depois de ter apanhado uma " piela "
lol
Fred Sólon:
Podia ter dito logo que era um teólogo em cruzada contra o cientifismo (?!!!) que a gente tinha percebido mais depressa.
Em relação à composição do blog, claro que a beatada não gosta nada de ver um filósofo aqui. Já vi que a táctica vai ser a do verdadeiro escocês, o Desidério não é um verdadeiro filósofo, é um cientifista!
Santa paciência!
Talvez valha a pena introduzir alguma civilidade no debate. Podemos discutir ideias e discordar delas, e explorar as suas ramificações e provas, sem nos ofendermos. Quem não quer trocar ideias com quem discorda de si, o melhor é não se manifestar. Quem aceita discutir com quem discorda de si deve aceitar a civilidade como regra fundamental. Nem o debate é sério se não aceitarmos esta regra -- pois significa que estamos mais interessados em aniquilar a outra pessoa do que em testar as nossas ideias, provas e argumentos.
Fred: isto é um blog de pessoas com interesses afins. Outras pessoas, com outros interesses, podem fazer outros blogs -- e são bem-vindas se quiserem fazer comentários neste. Mas tal como não tenho a obrigação de convidar um negro, um israelita e um paquistanês para a minha casa, para ser multiculturalista, também não temos a obrigação de convidar esta ou aquela pessoa para participar neste blog como autor.
Quanto à discussão sobre se as guerras têm origem primordialmente na religião, vejo que esta é uma crença de muitos ateus. Mas é falsa. As guerras têm muitas origens e são alimentadas por muitas ideias fanáticas -- nacionalismo, tribalismo, racismo -- sendo os fanatismos religiosos apenas uma dessas ideias fanáticas. Infelizmente, os seres humanos são pródigos em estupidez, e a religião não tem neste caso o monopólio.
Quanto à ideia de que as sociedades ateias acabarão por ter uma vantagem evolutiva, concordo. A vantagem evolutiva da religião ocorre em estádios retrógrados da humanidade. A partir do momento em que desenvolvemos formas mais adequadas de conhecer e controlar o mundo, a religião perde a vantagem evolutiva. (Note-se, contudo, que isto não significa que não existem deuses.) Podemos fazer um paralelo com o racismo. Penso que o racismo é natural, e até entre animais não humanos ocorrem comportamentos para-racistas; e tem um papel evolutivo: protege um grupo de outros grupos rivais. Mas a partir do momento em que aprendemos a cooperar uns com os outros, independentemente da cor da pele, o racismo torna-se um obstáculo ao desenvolvimento e perde a sua vantagem evolutiva.
Eu não sou um teólogo e nada me move contra a ciência ou o pensamento racional. Eu sou é contra dogmatismos. E não tenho táctica, excepto a de louvar o blog, que acho muito bom. O que não acho é que se possa ler nele a Verdade Revelada (da ciência ou sem ser da ciência), já que há muitas coisas que o impedem.
E, se me permite a ousadia, aconselho a Sra. Rita a reler o que escrevi. Eu não disse que o Desidério não é um filósofo ou que é um cienti(...) ou lá o que lhe queira chamar. O que eu disse foi que o Desidério segue uma determinada corrente do pensamento que priveligia a ciência, o seu método e os seus resultados. Mas isso não quer dizer que o Desidério não possa ser imparcial na sua análise. Dai que, perdoe-me, mas a sua resposta é, além de estúpida, estupidificante. Se calhar é melhor aprender a ler antes de querer argumentar.
Caro Desidério
«Fred: isto é um blog de pessoas com interesses afins. Outras pessoas, com outros interesses, podem fazer outros blogs -- e são bem-vindas se quiserem fazer comentários neste. Mas tal como não tenho a obrigação de convidar um negro, um israelita e um paquistanês para a minha casa, para ser multiculturalista, também não temos a obrigação de convidar esta ou aquela pessoa para participar neste blog como autor.»
Concordo apenas em parte. Claro que não há nem pode haver uma obrigação. Mas penso que seria interessante e razoável ter pessoas inteligentes e sérias de outras áreas a contribuir activamente para um blog deste tipo. Essa sim seria, a meu ver, uma prova de grande "democracia" e maturidade intelectual. Todavia, acredito que a lei de talião vigora. Se eles não me ligam, eu não lhes ligo. E cada qual fica com a sua razão.
Além disso, deixe-me dizer só mais isto,não me parece que as tentativas de ridicularizar perpestivas divergentes da nossa - nonsense ou não nonsense - sejam um bom método de trabalho. Mas, enfim, a Net é um espaço de liberdade que nem todos sabem usar com elegância.
Obrigado
Fred, eu não ridicularizei as perspectivas diferentes da minha. Nem chamei estúpido a quem quer que seja.
Não me parece que fizesse grande sentido convidar alguém para o blog só porque é teólogo ou outra coisa qualquer. Um blog não é uma instituição pública nem uma revista ou jornal, que tenha por obrigação ter colunistas de diferentes sensibilidades. Um blog é a exposição das ideias dos seus autores. Não me passa pela cabeça ir para um blog místico, por exemplo, dizer-lhes que me deviam convidar para co-autor, para dar algum equilíbrio à coisa. Isto seria como exigir que os meus vizinhos muçulmanos me deixassem ir lá a casa almoçar de vez em quando para mostrarem que são pluralistas.
A sua afirmação de que eu sigo uma determinada corrente de pensamento que privilegia a ciência é falsa. Não nado muito bem, mas não costumo seguir correntes. Prefiro pensar pela minha própria cabeça. E quem se der ao trabalho de ler os meus escritos irá verificar que ataco várias vezes o cientismo positivista. O que eu não faço é embarcar em dogmatismos -- místicos ou outros. Tenho por hábito avaliar cuidadosamente as coisas, e não seguir correntes -- até porque uma pessoa de tanto seguir correntes perde um dia a capacidade para nadar e afoga-se mesmo.
Desidério:
Quero começar por dizer que considero os nossos debates motivantes, ainda que o assunto não seja (a meu ver) neste caso muito interessante.
Diz que não há obrigação. Concordo. Diz que não faria sentido. Discordo. Diz:
«Isto seria como exigir que os meus vizinhos muçulmanos me deixassem ir lá a casa almoçar de vez em quando para mostrarem que são pluralistas».
Esta parece-me uma má analogia que serve para esconder – e até justificar – a surdez crónica entre diferentes ramos do conhecimento. (Não vale a pena dizer que só há um lado, porque sabe bem que isso é falso). Mas se considera que nem é necessário nem aconselhável o intercâmbio activo de ideias, o que muito me admiraria, então nem me dou ao trabalho de insistir no ponto. E o ponto era: o vosso projecto sairia muito valorizado se admitisse mais activamente opiniões contraditórias. Seria, repito, um sinal de maturidade e “liberalismo” intelectual.
Continua dizendo:
«A sua afirmação de que eu sigo uma determinada corrente de pensamento que privilegia a ciência é falsa. Não nado muito bem, mas não costumo seguir correntes»
A sua primeira afirmação é falsa se considerarmos que segue uma determinada corrente científica em detrimento das não científicas – e mais não digo, pois está tudo dito. A sua segunda afirmação também é falsa, pois o meu caro segue uma corrente: a que privilegia o pensamento crítico e a análise rigorosa (metodologias similares à da ciência). Daí que não vejo como possa estar enganado a respeito do seu – legítimo - posicionamento. Se há coisas que vamos percebendo é que posições absolutamente neutras e imparciais são um sonho não concretizável.
(Eu sei que não me chamou estúpido. Eu também não chamei estúpido a ninguém. Apenas disse – e mantenho - que a resposta da Sra. Rita era estúpida e estupidificante. Expliquei porquê. É um pouco como fazer analogias estúpidas entre cães agnósticos – não ateístas, têm de explicar a diferença ao Sr. David - e pessoas sérias. E mais não comento)
Obrigado
Caro Fred:
Não faz sentido o Fred estar a escrever um livro e convidar outra pessoa que discorda de si para escrever alguns capítulos. Isso é outro tipo de projecto, outro tipo de livro. Por exemplo, imagine quatro pessoas com ideias completamente díspares sobre x ou y; elas poderiam juntar-se e fazer um blog. Acho que faz sentido e seria muito interessante. Mas isso é outro tipo de coisa. É como um livro: pode, desde o início, pensar escrever um livro comigo porque eu discordo de si e seria estimulante fazer isso, mas não faria sentido eu fazer este comentário ao seu livro: "Está muito bem o livro de Fred, mas é pena não me ter convidado porque eu tenho uma visão oposta à dele". Não consigo concordar consigo neste ponto.
Quanto a eu pertencer a uma corrente de pensamento que privilegia o pensamento crítico, não vejo que outra coisa eu possa fazer a não ser pesar cuidadosamente todas as ideias para ver se resistem a objecções e contra-exemplos. Não aceitar isso, sim, seria dogmatismo, por definição, pois seria recusar avaliar criticamente as ideias. Se acusarmos as pessoas de serem intolerantes ou monolíticas porque aceitam criticar todas as ideias, é a nossa própria acusação que se baseia em confusão pois, por definição, aceitar discutir todas as ideias é a antítese da intolerância.
Rita:
O Sam Harris nunca afirmou que Hitler era ateu, isso é uma mentira que tem vindo a ser repetida pelo António Parente.
O Sam Harris escreveu que o regime nazi não era religioso, o que eu consideraria errado - visto que a religião tinha a importância que tinha - mas nunca escreveu que Hitler era ateu, o que seria um erro demasiado grosseiro.
João, só agora comecei a ler o livro do Sam Harris e não estou a gostar. Tem demasiadas falsidades e lugares-comuns errados, o que enfraquece a sua posição geral, com a qual concordo: toda a religião é uma forma de crendice e a crendice é uma coisa má. Por exemplo, ele parece pensar que todos os conflitos têm origem religiosa, o que é um disparate -- ele até apresenta o conflito de Timor como se fosse fundamentalmente religioso. Ele pura e simplesmente ignora o facto de as pessoas serem basicamente muito tolas e estão sempre dispostas a matar-se pelas coisas mais parvas, incluindo a religião, mas por causa também de muitas outras: raça, política, condições sociais, economia.
O meu exemplo favorito são as cruzadas. É preciso ter uma ingenuidade impressionante para pensar que a religião foi o motor das cruzadas. O motor era a economia, a política e questões sociais; a religião apenas servia de desculpa. Não perceber isto é estar a leste do paraíso, e o Sam, tal como o Dawkins, parece-me que está a leste. Estou muito desiludido com o Sam, que pensei que fosse menos tonto do que o Dawkins, que perde geralmente as estribeiras quando se fala de religião -- mais ou menos como um bispo quando se fala de sexo anal.
O motor é SEMPRE a economia! Money make te world go round... reformas na segurança social, "igualização" do funcionalismo público aos restantes trabalhadores, mudanças nos estatutos da carreira docente, etc, etc,...
É impressionante e espantoso como eu concordo em absoluto com o último comentário do Prof Desidério Murcho
Acresce que, precisamente por isso, é q o Harris e o Dawkins são os contendores ideais para o fundamentalismo evangélico norte- americano.
Ou seja fomos " nós " que conseguimos marcar a agenda deles e não eles que conseguiram marcar a nossa agenda
"A religião é o ópio do povo". Assim como para conseguir os seus objectivos muito recorrem à "trafulhice", também muitos homens, na "caverna" da ignorância, atalham a resposta das suas dúvidas com a crença numa verdade Universal e justificadora da existência e suas implicações. Também eu como aluno acredito num "Deus", aliás vários! Cada vez que entro numa aula sou bombardeados com Teoremas, que apesar de devidamente demonstrados, implicam a crença de que tal representa a verdade. Claro que posso simplesmente fixar a disciplina e simplesmente adicionar um ano ao tempo. Mas a diferença entre as verdades científicas e as verdades religiosas, é que as primeiras só servem para nos dar as bases para a exploração do universo e talvez até refutar essas mesmas bases, as segundas servem para oferecer uma resposta simples a todos os que se contentam com a ignorância...
É engraçado que se fale da crença, como uma forma de adaptabilidade e sobrevivencia da espécie, pois assim sendo, a recente descoberta da molécula da fé, algo biológico e comum a todos os seres humanos, começa a fazer muito sentido.
A fé é um comportamento intrínseco, tal como a mais elementar função biológica.
O que é interessante notar é que mesmo ainda não é possível provar racionalmente a existência ou não de Deus.
E não é que o sapiente Aff está em todas!? ;)
Ora bem, antes de se chegar à meta - Deus, neste caso - é necessário iniciar a corrida desde o ponto de partida e percorrer todo o caminho... bem, mesmo com uns saltos quânticos pelo meio! :)
É claro que falar em "demonstrações" racionais, lógicas ou científicas da existência ou não de Deus é prematuro ou contraproducente, até porque os próprios textos que descrevem a última Realidade qualificam-na com atributos aparentemente incongruentes, vide esta passagem do "Tao Te Ching":
Look, and it can't be seen.
Listen, and it can't be heard.
Reach, and it can't be grasped.
Above, it isn't bright.
Below, it isn't dark.
Seamless, unnamable,
it returns to the realm of nothing.
Form that includes all forms,
image without an image,
subtle, beyond all conception.
Approach it and there is no beginning;
follow it and there is no end.
You can't know it, but you can be it,
at ease in your own life.
Just realize where you come from:
this is the essence of wisdom.
Oh boy!!! Isto é tão transcendentalmente belo, uma emoção assoladora me percorre sempre que leio uma tal absoluta maravilha!!!
Mas passando do campo místico para o terreno um pouco... não muito mais!... seguro da Ciência e da Filosofia, aquilo que talvez possa ser dito é que, no estado actual da "arte", parece ser possível refutar o pressuposto do realismo materialista que tem acompanhado a Ciência nos últimos séculos. E isto, a verificar-se, já é muitíssimo!!!
Ora como pretendo espraiar-me sobretudo por este campo, sempre que tiver oportunidade para tal, disto logo falaremos porque eu amo o Ideal! :)
Que a questão fundamental...
Rui leprechaun
(...é o Nada primordial! :))
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