«...a natureza é sempre a mesma, e sempre única e igual em eficácia e poder de acção; i.e., a ordem e as leis da natureza, dentro de todas as passagens e mudanças de uma forma para outra, é em todo lugar sempre a mesma; sendo assim, deveria existir um método único para compreender a natureza de todas as coisas, ou seja, através das leis e regras universais da natureza.» Baruch Espinosa (Ética, parte III)
A constituição da matéria e a elaboração de teorias para explicar a natureza do mundo e as nossas relações com ele surgiram na Antiguidade a partir da análise do movimento. O movimento e a mutabilidade da matéria foram questões centrais da filosofia grega. Como conceber a identidade entre a realidade num momento anterior e noutro posterior?
Era necessário que algo permanecesse imutável no processo de transformação. Esse algo foi originalmente concebido através da redução da multiplicidade da natureza a uma unidade fundamental, identificada com uma matéria básica para a formação dos demais materiais, e na qual todos se reduziriam. Esse elemento primordial, o "princípio" (arqué), assumiria a forma de uma substância concreta, tendo sido identificado com a água (Tales 640-546 a.C.), depois o ar (Anaxímenes 560-500 a.C.), o fogo (Heráclito 536-470 a.C.) e a terra (Xenófanes).
Mais tarde, Empédocles (490-430 a.C.) identificou essas quatro substâncias - água, ar, terra e fogo - como os elementos fundamentais a partir das quais tudo seria formado.
Por volta de 475 a. C, Parménides no seu poema filosófico Sobre a natureza esboçou os rudimentos da teoria que seria exposta daí a poucos anos pelos primeiros atomistas:
«Considerem quão semelhante é um fogo de outro fogo.
Mas reparem quão opostas em natureza são todas as noites escuras do fogo.»
Parménides afirmou que, não obstante diferentes aparências, tudo é formado do mesmo ser, solitário, nunca criado e eterno, aquele que é «sem princípio e sem fim». Parménides não especula sobre a natureza do «ser eterno», mas fornece dois dados fundamentais que as teorias atomistas retomam: todos os objectos do mundo físico são constituídos por uma substância elusiva e constante, que não é criada e nunca acaba, devendo-se as diferenças entre objectos a diferentes configurações dessa substância.
Ao conciliar a concepção da permanência e da unidade, em aparente contradição com a mudança e a diversidade observadas, fundamenta-se então a unidade da matéria e a sua conservação. Mas até aqui a dualidade foi expressa usando o móvel em oposição ao imóvel. A partir de Demócrito e especialmente de Epicuro esse dualismo passa a ser matéria em oposição a vácuo, com base numa unidade fundamental: os átomos. Estes seriam indivisíveis e em si mesmos imutáveis, embora a alteração das suas posições relativas produzisse uma grande diversidade de fenómenos. Estes átomos difeririam em tamanho e em forma, e apresentariam uma constituição interna sólida e homogénea.
Leucipo de Mileto (?-480 a.C.) e o seu discípulo Demócrito de Abdera (460-340 a.C.) são os pais reconhecidos do atomismo, uma explicação filosófica do mundo físico absolutamente inovadora, que, na linha sugerida por Heráclito, afirma que tudo flui na natureza, mas que, subjacente a esta mutabilidade, há algo eterno e imutável, precisamente o átomo (a = prefixo de privação, tomo = divisão). Nesta explicação do mundo natural o calor, cor e sabor não são em si entidades mas meras consequências dos átomos que as formam. Para avaliarmos a inovação e o arrojo desta visão da natureza, basta pensarmos que o calor foi considerado um fluido até meados do século XIX: o calórico de John Dalton (1766-1844), o pai do atomismo moderno.
Epicuro (341-270 a.C.) reformulou o atomismo de Leucipo e Demócrito e o epicurismo, não muito popular entre os filósofos gregos, nomeadamente Aristóteles e Platão, que adoptaram os quatro elementos fundamentais de Empédocles, teve entre os Romanos os seus principais seguidores, alguns tão influentes como o orador Cícero e o poeta Horácio. Mas, a insistência epicurista em causas materiais para todos os aspectos da natureza era incompatível com a influência crescente do cristianismo de tal modo que, no século V, o epicurismo já era uma filosofia marginal.
De facto, o cristianismo condenou primeiro e proibiu depois esta filosofia que, para além de refutar a transubstanciação do pão e do vinho, negava a intervenção de qualquer força, inteligência ou entidade divina nos processos naturais. Não havia intenção no movimento (aleatório) dos átomos, o que não implica que tudo acontece é fruto do acaso, pois tudo o que acontece é regido pelas leis inalteráveis da natureza. Os atomistas acreditavam que todos os fenómenos têm uma causa natural, ou seja, negavam o argumento teleológico.
Os movimentos espontâneos e aleatórios dos átomos, para além de serem a origem do livre arbítrio, explicam ainda as percepções sensoriais. De tudo o que existe emanam átomos que, ao chocarem com o corpo humano, tornam a realidade inteiramente apreensível pelos sentidos.
Epicuro propõe ainda que a alma é composta por átomos especiais, particularmente arredondados e lisos. Os átomos da alma estariam espalhados por todo o corpo. Quando alguém morre, os átomos de sua alma dispersam-se, podendo vir a agregar-se (devido aos movimentos aleatórios) noutra ou noutras almas, ou seja, o epicurismo afirmava a mortalidade da alma.
É impossível referir o epicurismo sem mencionar Lucrécio, o poeta romano e autor do poema filosófico que inspirou este blog, De Rerum Natura (Sobre a natureza das coisas), uma exposição exaustiva do epicurismo, que afirma os deuses como invenção dos homens.
Redescoberto no século XVI, o poema é a base intelectual de virtualmente todas as ciências modernas, da física (apresenta, entre outras, a lei da inércia, a relatividade, a universalidade das leis físicas, o movimento browniano, o som como onda de pressão no ar) à química (prevendo átomos e moléculas; por exemplo, o cheiro dever-se-ia à forma das moléculas que se ligariam a receptores no nariz) passando pela biologia, incluindo o evolucionismo (Lamarck, Spencer ou Darwin eram epicuristas), já que Epicuro foi o primeiro a propor a selecção natural e a evolução das espécies, muitos séculos antes de Darwin...
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4 comentários:
Ó minha querida, isto é que é um blog a sério!!!
O nosso é o que se sabe...
Para além disso os "mongos" dos meus parceiros gostam mais de ler do que escrever...
Vai visitar-nos... mas temos uma regra... o anonimato dos autores!
Tenho que te dar o endereço do meu blog... sério... e a sério...
Beijocas... e pergunta a a.a4 quem eu sou... mais beijocas
(Sorry, enganei-me! É aqui que deve ficar este texto.)
Ora bem, embora Demócrito seja praticamente sempre citado como o 1º a propor a existência dos átomos, como as partículas indivisíveis componentes da matéria física, já um século antes o sábio indiano Kanad, na sua obra "Vaishashik Darshana", postula que todos os objectos no universo físico são compostos por um número finito de átomos.
De notar, contudo, que esta era uma teoria atómica holística... afinal estamos no Oriente!... ou seja, as leis que presidiam ao funcionamento dos átomos eram emanadas de um Ser Supremo, claro. Mas este idealismo monista não está esquecido e ressurge... e o pobre realismo é que nem tuge nem muge!!! :D
De resto, o raciocínio de Kanad não difere no essencial do de Demócrito, partindo de argumentos lógicos - a pedra e os Himalaias - para sustentar a impossibilidade da continuidade da matéria, pelo que esta deveria ser constituída por um número finito de átomos.
Os interessados em saber um pouco mais sobre a ciência na Índia antiga, têm aqui um artigo que pode ser copiado em formato *.pdf:
http://arxiv.org/abs/physics/0310001
Volto a salientar que este recuo no tempo é extremamente interessante e produtivo, em especial quando talvez a moderna ciência baseada no paradigma naturalista esteja mesmo a chegar a um beco sem saída...
...¿materialismo ou idealismo?...
Rui leprechaun
(...muito insisto eu e cismo!!! :))
Buddha ( 500 bC), atraves da practica de meditaçao Vipassana, percebeu que a base de materia sao as vibraçoes rapidas das pequenas particulas ìndivisiveis que ele nomeava kalapas´...
Simon.
ola sou Severino, peço analise sobre atomismo na musica, agradecia.
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