domingo, 18 de março de 2007

Não se esqueçam da toalha...

«Eu não aceito a teoria da moda de que cada ponto de vista merece tanto respeito como o oposto. A minha perspectiva é que a Lua é feita de rocha. Se alguém me disser "bem, tu nunca lá estiveste, pois não? Se não viste por ti, a minha perspectiva de que é feita de queijo de castor norueguês é igualmente válida" - eu nem me vou dar ao trabalho de discutir.» Douglas Noel Adams, DNA, o autor da trilogia (com cinco livros) de culto, The Hithhikers Guide to the Galaxy.


Tal como a hipótese de que a lua é feita de queijo de castor norueguês, o criacionismo é assente em argumentos tão cretinos que aceitar debater com criacionistas significa reconhecer importância à asneira.


Existem várias versões de negação do evolucionismo, algumas completamente acéfalas, como sejam os criacionismos puros e duros, que advogam uma leitura literal do Genesis, diferindo apenas na duração dos dias bíblicos, distinguindo-se assim o criacionismo versões Terra jovem e Terra velha. Há ainda um híbrido entre ambos que afirma a literalidade cronológica da Bíblia mas que Deus criou uma Terra aparentemente velha há aproximadamente 6 000 anos para testar a fé dos cristãos. Isto é, a Terra não tem milhões de anos, apenas parece ter milhões de anos por um inescrutável desígnio divino.


As inanidades invocadas pelos criacionistas puros e duros serão exemplificadas em posts seguintes e assentam simplesmente em campanhas que transformam factos científicos em opiniões, passam a mensagem de que só a mundivisão religiosa é verdadeira, tentam apresentar como falsos os factos que negam esta mundivisão e inventam lendas urbanas que supostamente a confirmam. Hannah Arendt chamou a este esforço «relativismo nihilista» embora a melhor frase que o descreve seja insanidade colectiva.


Em paralelo, investem tempo, esforço e dinheiro (muito dinheiro) no descrédito da ciência, tarefa que nos Estados Unidos tem sido muito facilitada pela administração Bush, ele próprio um criacionista confesso. Bush comprometeu a ciência americana enchendo os organismos públicos de ciência com fanáticos religiosos, os casos mais notórios sendo a Food and Drug Administration e, especialmente, a NASA e a censura do Big Bang. Sobre o tema recomendo um artigo imprescíndivel de Michael Specter na New Yorker de 13 de Março de 2006 que denuncia o clima quasi inquisitorial contra a ciência instalado pela administração Bush.


O grande problema dos criacionistas reside no facto de que as inanidades que tentam vender como «ciência» bíblica são tão obviamente ridículas que, excluindo fanáticos mais exacerbados e analfabetos científicos, constituem apenas anedotas mesmo para a população em geral.


Assim, iniciou-se há umas décadas um movimento que tenta dar uma roupagem pseudo-científica aos delírios criacionistas dando origem aos neo-criacionismos, versões aparentemente mais sofisticadas do criacionismo bíblico, vendidas como imbatíveis e irrefutáveis. Uma delas é designada por «Princípio Antrópico» ou CRAP (Completely Ridicule Anthropic Principle); a outra é a IDiotia ou Desenho (pouco) Inteligente.


Claro que a comunidade científica em peso não foi enganada pelas roupagens novas do anacrónico criacionismo e todas as tentativas de publicar os respectivos dislates foram sistematicamente recusadas quando submetidas à avaliação dos pares em qualquer revista científica. Não há um único artigo criacionista ou neo-criacionista publicado em revistas científicas. Aliás, tirando o «modelo» da criação mais hilariante que alguma vez vi - e que partilharei com os nossos leitores -, nenhum flavour do criacionismo alguma vez apresentou uma hipótese, uma teoria, um único modelo para a sua suposta teoria «científica», que afirmam rebater completamente o evolucionismo.


Ou seja, as supostas «descobertas» dos IDiotas não foram publicadas em qualquer revista ou editora científicas, não foram aceites pela comunidade científica nem sobreviveram ao julgamento dos pares. Pelo contrário, a refutação das ideias disparatadas de um dos «ideólogos» da IDiotia, Michael Behe, mereceu um artigo na Nature de um cientista abusivamente referido por Behe como «testemunha» de defesa da IDiotia.


Os dislates IDiotas foram desmontados por membros respeitados da comunidade científica, por exemplo, Peter W. Atkins, H. Allen Orr ou mesmo Richard Dawkins. E são desmontados diariamente por PZ Meyers no blog Pharyngula, cuja leitura recomendo vivamente.


O Rerum Natura não se esquivará ao «descascar» destes dislates, mas suponho não me enganar quando afirmo sermos unânimes em considerar que é um desperdício de tempo e esforço entrar em debates autistas com pessoas que acreditam ser a Lua feita de queijo!

35 comentários:

antfilfon disse...

Há bastantes cientistas evolucionistas que quando aprofundam as contas da complexidade dos sistemas biológicos não conseguem refutar em termos objectivos a hipótese do 'Intelligent Design'. Por exemplo Clive Trotman um biólogo especialista em organismos resistentes em condições ambientais extremas escreve num recente livro sobre este problema o seguinte:" To say that life came into existence and has flourished ever since is tautological. There is of course the theoretical possibility that life has come into existence on Earth many times, except that there is not a scrap of evidence to support it. Either way, an Earth-centred origin of life is an idea that can't win." Contas feitas a possibilidade de organização combinatória de um sistema tão complexo como a vida excede em muito a idade geológica bem determinada do planeta. Ou a física está errada ou a biologia, ou então a vida veio de fora da Terra. De qualquer das formas a hipótese do Intelligent Design não é tão implausível como isso quando comparada com o suporte empírico do evolucionismo. É caso para dizer ou a matemática está errada ou as evidências empíricas não são assim tão fiáveis. É por isso que o criacionismo não é de todo uma ideia leviana.

Palmira F. da Silva disse...

Caro Aff:

A hipótese central da IDiotia é que não há evolução das espécies. Estas foram criadas tal qual pelo designer (enfim, dando um pequeno espaço para micro-evolução).

E há milhares de evidências empíricas em contrário...

Já agora o evolucionismo não trata da abiogénese, apenas da evolução (incontestável) das espécies.

antfilfon disse...

Mas o intelligent design trata da biogéne e para isso o evolucionismo não tem resposta e o criacionismo tem. É isso que se pode depreender do meu comentário.

Palmira F. da Silva disse...

Se o evolucionismo não trata da abiogénese é apenas natural que não tenha respostas para ela. Nem a mecânica quântica nem a física clássica têm respostas para a abiogénese e isso não é equivalente a dizer que estão «erradas»...

antfilfon disse...

Palmira

Eu não afirmei que estão erradas, apenas que não explicam tudo, nomeadamente a complexidade da vida, daí a intuição de um desenho inteligente. A hipótese da vida ter surgido fora da Terra é bastante forte, contraria mesmo o geocentrismo da religião cristã, no entanto deixa muito em aberto a possibilidade de uma validação cientifica para o aparecimento da vida.

mp-s

uma hipótese: o 'desenhador' pode ser um ser com uma vida baseada no silício em vez de carbono que resolveu experimentar criara vida em carbono como hoje os humanos tentam fazer em silício.

antfilfon disse...

Pode ser testada conseguindo criar vida em silicio e demonstrando que o mesmo é possível com o carbono e depois atrirá-la para o espaço. Há cientistas a tentar fazer isso desde os anos 70. Serão deuses de outros seres?

Palmira F. da Silva disse...

A «complexidade» da vida é perfeitamente explicada pela evolução.

Há várias hipóteses de abiogénese que são química simples :-)

Passar do carbono para o silício (ou germânio ou que elemento químico escolha) não altera a questão que o mp-s lhe colocou, aliás só exige impossíveis dotes de imaginação :-)

E não se confundir por títulos como Inteligência artificial ou robots inteligentes ... os humanos não estão a tentar «criar» vida em silício.

antfilfon disse...

Palmira não vou entrar na discussão do que é a 'vida' porque isso daria para uma enciclopédia. Se quiser pode consultar aqui:
http://en.wikipedia.org/wiki/Life.

Os humanos estão de facto a tentar criar vida em silício, um certo tipo de vida por enquanto, mas como as definições são muitas nunca se sabe.

A simplicidade do surgimento de uma molécula auto-replicativa que julgo que fala para a abiogénese não serve de explicação da complexidade dos processos biológicos que hoje são conhecidos só na célula, para não falar de organismos multicelulares. A hipótese de terem surgido do acaso e selecção como sugere a teoria da evolução leva a contas que remontam a vários milhões de anos. É por este facto que é mais plausível a vida ter surgido antes da Terra se ter formado.

antfilfon disse...

mp-s

Veja acima, não sou biólogo molecular, mas se quiser pode consultar este livro 'The Feathered Onion' que tem a fundamentação relativamente bem explicada.

antfilfon disse...

talvez biliões, tendo em conta o arrefecimento a possíbilidade de manutenção de vida, mas o que é relevante é que mesmo esse intervalo de tempo não chega para explicar o aparecimento dos processos biólógico apenas a partir do acaso e da selecção.

Palmira F. da Silva disse...

aff:

Acho que está a fazer uma confusão que não percebo qual seja. Nós não estamos a «criar» vida em silício a não ser que se refira aos muitos programas em chips de computador (de facto ainda em silício) que simulam vida ou a designações que podem baralhar, como algoritmos genéticos e evolucionários ou mesmo às redes neuronais, neural networks, que são utilizadas em processos de «aprendizagem».

Aliás os controladores robóticos recorrem muitas vezes a Continuous-Time Recurrent Neural Networks em conjunto com algoritmos genéticos.

antfilfon disse...

mp-s

Julga-se que o genoma humano tem certa de 30.000 genes, digamos que 2/3 são lixo. A probabilidade de 10.000 genes funcionarem entre si num sistema autónomo totalmente dependente é de 1/10.000!. A probabilidade do sistema aparecer após 4 biliões de anos é aproximadamente 3,5x10^-35660 (1-1/10000!)^4x10^9.

antfilfon disse...

assumindo que surge uma mutação útil por ano.

antfilfon disse...

Palmira,

Qualquer robot que consegue descobrir as peças e a energia para construir um robot idêntico pode-se dizer que se auto-replica, tem vida numa forma estúpida mas de qualquer forma é uma vida artificial. Um bom exemplo são os virus informáticos, mas qualquer brinquedo que consiga recolher energia, material e dividir-se num clone para todos os efeitos pode-se dizer que tem vida.

Palmira F. da Silva disse...

O junk DNA é uma designação que mais uma vez induz em erro. Não é ADN codificante mas não é lixo. Há algumas sequências do ADN que são conservadas nos ratos, humanos e cães. O facto destas sequências serem muito semelhantes nas três espécies indica que podem funcionar como interruptores moleculares que ligam e desligam a actividade dos genes.

A investigação do papel do «junk DNA» e a descoberta do que silencia e activa os genes são duas áreas da genética moderna ainda na sua infância.

Já agora, o prémio Nobel da Química mais recente, Roger D. Kornberg, foi galardoado pelo seu trabalho sobre «a base molecular da transcrição eucariótica», isto é, sobre activação e transcrição de genes.

Também o Nobel da Medicina de 2006 foi atribuído na área agora com a desactivação ou silenciamento de genes.

Palmira F. da Silva disse...

Em relação às contas que apresenta não têm sentido nehum a não ser que, como parece, de facto não acredite na evolução e considere que o Homem foi «criado» ou «plantado» tal qual :-)

Palmira F. da Silva disse...

Um dos meus amigos trabalha em robótica (e robots «inteligentes») e na aula de agregação falou exactamente sobre o state of the art da área.

Acho que anda a ler muita ficção científica e pouca ciência...

Camarelli disse...

CRAP foi um excelente baptismo eheheh

antfilfon disse...

Não ando a ler muita ficção científica. As contas que fiz são simples e nada têm a ver com os genes em particular mas porque eles são o que são. Sou engenheiro e por isso estou a interpretar o problema apenas de um ponto de vista de cofificação na linha de Maynard Smith. O genoma é como é com 30.000 genes, poderiam ser outros mas então os humanos e os outros animais seriam diferentes (porque a diferença do número de genes é praticamente insignificante) o organismo com menos genes tem cerca de 1.300. Admitamos mesmo assim que esse organismo ultra-simples funciona porque o seu património genético codifica o seu funcionamento, ele é o que é porque o seu código genético é o que é. Mesmo assim a probabilidade de ele ser como é está associada à probabilidade 1/1300! porque existem 1300! combinações de genes diferentes da qual a selecção natural estabeleu uma configuração particular como adaptada e funcional. Fazendo as contas para ela ter-se formado ao fim de 4 biliões de anos daria (1-1/1300!)^4x10^9 x 1/1300! que é cerca 3,16x10^-3486. Um número infinitamente pequeno que contém já codificadas muitas funções que outros organismos depois herdaram e a que acrescentaram outras por mutação e selecção natural. Portanto isto apenas demonstra a infíma probabilidade dos genomas funcionantes serem o que são.

Camarelli disse...

aff

esse cálculo seria válido se assumir a equiprobabilidade de todas as configurações. é a evolução por selecção natural que nega essa premissa.

antfilfon disse...

matarbustos,

Mas a selecção natural não determina as mutações possíveis. Se me dissesse que elas não são equiprováveis ai teria um argumento. A selecção natural apenas escolhe, mutação a mutação aquela que fica no genoma e em principio admitem-se que são equiprováveis.

Palmira F. da Silva disse...

aff:

Dê uma espreitadela ao site do Nobel sobre uma descoberta velha de 30 anos, o splicing alternativo, pela qual Richard J. Roberts e Phillip A. Sharp receberam um Nobel em 1993. A descoberta foi feita independentemente pelos pesquisadores em 1977, exactamente há 30 anos.

o Press release é muito acessível e explica claramente e em linguagem simples porque é que as suas contas estão completamente erradas...

http://nobelprize.org/nobel_prizes/medicine/laureates/1993/press.html

Palmira F. da Silva disse...

Já agora, o evolucionismo evoluiu um pouquito desde o século XIX.

A selecção natural não é o único mecanismo operante...

Fernando Martins disse...

Cara Palmira: Afinal discute a ID e Criacionismo com os seus defensores (e faz bem...).

Continuo a não ver a diferença entre fazê-lo aqui ou num Colóquio de Filosofia...

Cristina Melo disse...

Não sei como começar...

oO meu comentário, mas em primeiro lugar parabéns pelo post, porque há alguém que não dorma. O meu espanto maior é: porque é que ninguém se preocupou com um debate em que estariam presentes alunos do ensino secundário- ( mesmo assim sou optimista e acredito na formação de espírito crítico dos alunos e professores ). Na universidade apenas entram adultos de livre vontade e a liberdade intelectual é independente do poder político ( portanto, cortar verbas ou ameaçar que tal é tirânico). Depois, parece-me que não desconfiam demais . Eu confesso que vou assistir, nem que seja apenas para ouvir Bracinha Vieira.

Não é o que parece: a universidade não está a aderir ao criacionismo.

Eu confio plenamente que não, que há outras razões para o debate.

E o meu conselho é: vale a pena ir ouvir Bracinha Vieira.

( bem, espero não me arrepender )

antfilfon disse...

Palmira, vi a press release e não sei em que contradiz a minha conta. Ela pode ser uma aproximação muito rude mas a descoberta da separação dos genes nada tem a ver com ela. A conta só tem a ver com a quantidade de informação codificada no cromossomas. Podia ser para um código de barras ou para uma sequência longa de lançamento de dados.

Palmira F. da Silva disse...

Caro Fernando:

Há sempre uma esperança de que um comentador anónimo seja apenas ignorante e esteja de boa fé. O último comentário do aff, infelizmente, mostra que não.

Agora partir para um debate com alguém que se sabe à partida ser um fanático religioso que se recusa a ouvir a razão e a ver as evidências é tempo perdido. E publicidade grátis contraproducente.

Não sei se há cura para o fanatismo mas sei por experiência própria já muito longa que é impossível argumentar racionalmente com um fanático.

Por outro lado, os meus amigos americanos afirmam que o descalabro criacionista neste país atingiu as proporções actuais exactamente porque inicialmente os cientistas caíram na armadilha estendida pelos criacionistas e aceitaram debates públicos com estes. Sem sequer imaginar quão baixo e quão sujo podem ir os fanáticos.

Hoje em dia os cientistas americanos recusam qualquer debate com autistas desonestos intelectualmente e apenas respondem às palermices criacionistas em tribunal. Mas os estragos já estão feitos...

Só para dar uma ideia do baixo nível, no julgamento de Dover, Bill Buckingham, um dos IDiotas do Conselho de Educação local, perguntou a um dos promotores da queixa contra a decisão de introduzir a IDiotia nos curricula de ciências se este alguma vez tinha sido acusado de pedofilia...

Outro exemplo, o presidente do Conselho de Educação do Kansas, Steve Abrams, que redefiniu ciência de forma a abarcar explicações sobrenaturais e introduziu a IDiotia, acusou os directores das escolas que não acataram estas imbecilidades de promoverem «pornografia como literatura». A literatura «pornográfica» na realidade eram livros como Fallen Angels (Anjos Caídos) ou The Hot Zone (A zona quente, que relata uma epidemia de Ebola).

Palmira F. da Silva disse...

Em tribunal, e claro, em conferências, em blogs, em revistas científicas, etc..

Camarelli disse...

aff:

não sei até que ponto todas as mutações viáveis são equiprováveis. mas admitindo que todas essas mutações que resultem em indivíduos a priori com «saúde» suficiente para deixar descendência, mesmo assim, essas alterações não são igualmente vantajosas em diferentes cenários de pressões selectivas distintas. há competição entre genes, uns persistem e outros perecem, ou estão presentes em quantidades distintas no património genético das populações.

é certo que 1300 genes podem ser ordenados 1300! maneiras diferentes. eu tenho ideia que a ordem em que os genes estão não tem importância para definir o indivíduo mas isso a palmira deve saber melhor. além do mais o cálculo não devia ser calculado usando o tempo mas sim o número de criaturas que contribuíram para esse resultado final e a incidência de outros processos além das mutações. sabendo que em poucas horas conseguimos de um punhado de bactérias, uma população gigantesca, imagine-se isto a decorrer em 4 biliões de anos...

de qualquer modo, já li algures que o organismo com menor número de genes é uma bactéria com cerca de 500 genes dos quais cerca de 300 são vitais. mas isto é o que se conhece hoje. as bactérias modernas são organismos muito sofisticados.
supondo que a vida começou com pequenas sequências de adn (ou uma molécula semelhante) e tendo em conta os acelerados ritmos de reprodução (pequenas sequências de adn eventualmente sofrem mais com as mutações), com aumento progressivo da cadeia de genes, verificamos que o cálculo não é tão simples como o que fez.
podemos ter uma noção deste ritmo evolutivo constatando a rapidez com que microorganismos já bastante complexos adquirem resistência a antibióticos.

Camarelli disse...

palmira:

1. no comentário anterior afirmo que a ordem dos genes na sequência não tem importância, isto está correcto? (se os genes até podem estar «partidos» na sequência)

2. e já agora, não é verdade que há genes que codificam proteínas diferentes que no entanto fazem as mesmas funções?

Paulo Gama Mota disse...

O aff levantou uma questão interessante: a das probabilidades.
Reparem que a expressão 'o aff levantou uma questão interessante' é altamente improvável de surgir ao acaso: São 40 caracteres com 25 possibilidades para cada (se considerarmos os espaços e o ã). Isso dá 40^25, isto é, um número astronómico. Altamente improvável. Contudo, imaginemos o seguinte: um jogo em que lançamos 40 'dados', cada um com 25 faces. Agora, se a ocorrência não for de um passo só, mas por passos sucessivos e se em cada passo fixarmos as letras correctas nas posições correctas, passando só a lançar os dados das posições em falta, o processo será muito rápido. Podem experimentar construindo um pequeno algorítmo para o testar.

A diferença está na selecção. A selecção natural é o que faz a diferença toda na equação e que permite explicar a evolução da complexidade.

Fenómenos que parecem muito improváveis tornam-se bastante prováveis, quando o processo se dá por passos sucessivos cumulativos.

A evolução de uma estrutura complexa como o olho de um vertebrado foi simulada por dois investigadores suecos, Susan Pelger e Dan Nilsson, que mostraram que a evolução levava 2000 passos a ocorrer (ainda que não fosse previsível qual o resultado à partida). Assumindo uma taxa de mutação razoável e um coeficiente de selecção aceitável, a evolução de um olho de vertebrado necessitaria de 400 mil anos, o que é muito pouco em termos evolutivos.

1. Não é difícil explicar a evolução da complexidade.
2. a única explicação plausível é a da selecção natural.

antfilfon disse...

matarbustos,
As minhas contas apenas são uma estimativa aproximada, não pode ser de outra forma, no entanto mostram as grandezas envolvidas. Uma aproximação melhor seria por exemplo calcular as probabilidades condicionadas para duas espécies com uma maior distância entre os genes pelo teorema de Bayes. Por exemplo saber a probabilidade de existir uma especie dada a probabilidade de outra existir. Se fizermos p(x|A)= P(A|x)p(A)/P(A|x)p(A)+P(B|x)P(B) e se x for a existência simultanea duas espécies tens P(x|A)=1*1/30000!/(1*(1/30000!)+1*(1/1300!)=1.2x10^-117802. Um número muito menor ainda, o que quer dizer que quer dizer que a existência das duas espécies não é independente. Por isso passa-se de facto o que dizes mas só com a determinação da dependência entre os dois genomas é possível fazer contas mais exactas e a partir daí calcular a probabilidade de uma especie derivar da outra em n milhões de anos p. ex.

Paulo Gama Mota disse...

matarbustos disse:

"no comentário anterior afirmo que a ordem dos genes na sequência não tem importância"

Até um certo ponto a ordem dos genes não é importante. Pelo menos é o que se pensa actualmente. A leitura dos genes é activada por outros genes e por RNAs também.

"e já agora, não é verdade que há genes que codificam proteínas diferentes que no entanto fazem as mesmas funções?"

Quer dizer genes diferentes? É preciso distinguir genes de alelos.
Os grupos sanguíneos são determinados por um único gene que pode ter várias formas: A, B e O. Designam-se por alelos. Num sentido estrito sõa formas diferentes, não são genes diferentes.

Não conheço casos de genes diferentes codificando proteínas que desempenhem a mesma função. Os casos de genes que se formaram por duplicação de outros evoluiram rapidamente para formas diferentes com funções parecidas, mas diferentes. É o caso das rodopsinas dos nossos olhos, que permitem distinguir as cores. O gene para o verde evoluiu a partir do gene para o vermelho: são muito parecidos, mas codificam proteínas com funções diferentes, embora parecidas.

antfilfon disse...

Paulo Gama
Há de facto de ter isso em conta, mesmo assim as contas não se podem reduzir só a um olho. Por exemplo só o processo de metabolismo associado ao ATP, que é um processo fulcral na maioria dos seres vivos senão todos (não sou biólogo), tem também uma probabilidade infima de aparecer do nada. Julgo que de facto´não é nada implausível os seres mais primordiais terem vindo de fora do planeta Terra.

Paulo Gama Mota disse...

Não é implausível, tem razão. Há possibilidade de a vida ter tido uma origem extra-terrestre. (O que não tem nada a ver com a evolução da vida na Terra, entendamo-nos).

Mas, convém lembrar que os processos moleculares ocorrem a uma velocidade incomensuravelmente mais veloz do que ao nível macroscópico. Veja-se a velocidade de adaptação do virus da SIDA. Se é verdade que ainda não encontrámos boas demonstrações de uma origem terrena - depois das experiências de Miller que produziu aminoácidos a partir de ureia e metano - não devemos esquecer que temos quase mil milhões de anos desde a formação da Terra até aos primeiros fósseis de organismos - e isso em termos moleculares é ainda mais impressionante.

E repare que, até há alguns anos, ninguém aceitava que uma proteína simples pudesse passar informação a outra, que é o que acontece no caso dos priões, como o da BSE. E o Stanley Prusiner foi muito atacado quando o propôs. Não se sabe ainda como isso acontece. Quando se perceber bem o proceso, será um grande avanço na nossa compreensão sobre a evolução dos sistemas de conservação e transmissão de informação - o elo essencial para a vida. Houve certamente muitos outros sistemas antes do DNA.

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