segunda-feira, 19 de março de 2007

Os dinossáurios de Deus


Mark Noonan, um devoto republicano a quem a centelha do pensamento crítico, aliás diria de qualquer pensamento, jamais agraciou as sinapses e que está a leste do que seja ciência, considera como dado adquirido que a ciência morreu, nos Estados Unidos pelo menos. Tal feito deve-se não aos esforços envidados para tal pela administração Bush mas às «mentiras» dos cientistas que se desviaram dos caminhos da «Verdade». Assim, Noonan considera que a ciência morreu pelas mãos de «mentirosos» cientistas que falam em evolução e em aquecimento global.

Tal como Mark Noonan, a maioria dos norte-americanos considera que os cientistas são mentirosos, pelo menos no que à evolução diz respeito. Assim, no mundo industrializado apenas na Turquia a percentagem de pessoas que não acreditam na evolução é superior à encontrada nos Estados Unidos.

Como explica um dos autores do artigo da Science referido, este descrédito da e na ciência deve-se ao fundamentalismo evangélico, que apresenta um «vigor» que compara ao islâmico. E de facto, a ofensiva criacionista nos Estados Unidos é certamente «vigorosa», como é ilustrado pelo documentário Darwin's Deadly Legacy: The Chilling Impact of Darwin's Theory of Evolution, produzido pelo tele-evangelista do Coral Ridge Ministries, James Kennedy, em colaboração com os apóstolos do Discovery Institute, nomeadamente Philip Johnson e Michael Behe. O documentário pretende mostrar que «a evolução é uma má ideia que devia ser descartada no caixote de lixo da História» porque Hitler era, supostamente, um evolucionista e a «crença» na evolução a causa última do Holocausto.

Na realidade, não há calamidade desde o século XIX que os criacionistas não adscrevam ao evolucionismo, com o mesmo à-vontade na distorção das evidências históricas (Hitler era na realidade um criacionista convicto) que exibem em relação às evidências científicas.

Mas, se é fácil verberar que não há evidências científicas e insultar os «mentirosos» cientistas em questões em que o analfabetismo científico do público é completo, é mais complicado fazê-lo quando essas evidências são exibidas em «evolucionistas museus de História Natural que estão a virar inúmeras mentes contra o evangelho de Cristo e a autoridade das Escrituras».

De facto, há muitos esqueletos que assombram o criacionismo, nomeadamente muitos dos ossos do descontentamento dos criacionistas puros e duros são de dinossáurios e são exibidos em todos os museus de História Natural.

O problema em relação aos dinossáurios tem a ver com a linha de tempo que os fósseis destes estabelecem. Assim acredita-se que os dinossáurios surgiram em meados do Triásico (cerca de 240 milhões de anos atrás), atravessaram o Jurássico e extinguiram-se (isto é, desapareceram os gigantes que popularizaram os dinossáurios no léxico do nosso imaginário) no final do Cretácico (há cerca de 65,5 milhões de anos).

Para quem acredita que a Terra tem uns escassos 6 000 anos, os ossos de dinossáurios são muito difíceis de roer. Não admira que as efabulações mais mirabolantes e cretinas sejam fabricadas por estes criacionistas para justificar a coexistência temporal do Homem e dos dinossáurios e negar o suporte que os dinossauros e a sua história fóssil dão à teoria da evolução.

Como é impensável fazer nos Estados Unidos o que exigiram as igrejas evangélicas do Quénia ao Museu Nacional, que retirasse de exibição a mais completa colecção de fósseis que retratam inequívocamente a evolução do homem - que inclui o exemplar mais completo e um dos mais antigos do Homo erectus (Turkana Boy) e vários exemplares do Australopithecus anamensis-, proliferam nos Estados Unidos museus da Terra jovem profusamente decorados com dinossauros (todos vegetarianos, mesmo o Rex) contemporâneos do Homem.

O mais recente, o Museu da Criação do pastor Ken Ham, está associado ao site Respostas no Génesis - que reinvidica 10 milhões de visitas por mês - e ao programa de rádio «Respostas com... Ken Ham», transmitido em todo o mundo por mais de 725 estações de rádio.

Este monumento ao disparate criacionista, cuja inauguração está prevista para 2007, para além das inanidades habituais - que a Terra tem apenas 6 000 anos, que foi o grande dilúvio que originou o Grand Canyon, que os dinossáurios foram transportados por Noé na sua barca, etc. - culpa os homossexuais pelo flagelo da SIDA e atribui aos pecados da humanidade tragédias como doenças e fome. Nomeadamente, pecados como a «crença» e o ensino da evolução a que Ken Ham atribui, por exemplo, a tragédia no liceu de Columbine.

Outro museu do disparate criacionista, o Museu da Criação e da História da Terra, está ligado ao Institute for Creation Research, instituição que merecerá especial atenção já que o primeiro presidente do ICR, Henry Morris, e John C. Whitcomb, Jr., - cuja tese de doutoramento em Teologia tinha o título sugestivo «O Dilúvio do Genesis» - são os mentores da primeira ofensiva criacionista disfarçada de ciência, o oxímero criacionismo científico.

9 comentários:

Bruce Lóse disse...

Palmira

Prometo não vir importunar o seu número de pedagogia com as velhas perguntas que no Diário Ateísta lhe mereceram a vil supressão, até porque salvo uma ou outra escorregadela como a deste post, imagino-lhe a criatividade algo indexada às agora melhores companhias.

Não consigo no entanto deixar de entender a blogosfera como uma espécie de púlpito suburbano onde tudo o que se diz é confortavelmente emancipado pela maioria concordante e mandibular, tal e qual numa reunião de condóminos na quadrícula departamental do IST. Se isto me é indiferente na maioria dos blogues, venho elogiosamente opor-me à sua presença neste, e explico já já.

Chega de ordenhar o debate criacionismo vs. evolucionismo! A ser verdade o que por aqui se diz desses possíveis debates serem apascentados pelas prórprias universidades, por favor concorde comigo:

purga urgente dos infiéis depositários do pensamento lógico.

(e continua a intrigar-me com a sua extensa disponibilidade para musicar derivas irracionais)

Cmpts

Rui M disse...

Belo post, só manchado pelo facto de ter escrito Cretáceo e não Cretácico como se costuma escrever na nossa versão da língua Portuguesa.
Já agora um link para um video no youtube sobre um parque criacionista na Florida que foi obrigado a fechar porque os seus donos estavam tão ocupados a por os dinossaurios na arca de Noé que se esqueceram de pedir as autorizações devidas...

http://www.youtube.com/watch?v=FA5g9Dw0zCI

JV disse...

O princípio da selecção natural é falsificável?

David Cameira disse...

Obviamente que há coisas em q o autor criacionista q cita estará errado mas outras há em q está 100% certo
Isso é q vos custa

Rui M disse...

Não, o que nos custa é ele estar sempre errado e haver tanta gente a acreditar nele.

Ciência Ao Natural disse...

Só gostaria de acrescentar o seguinte:
1- Triásico e não Triássico;
2- Os dinossáurios (ou dinossauros) não-avianos (todos os dinossáurios que fazem parte da linhagem evolutiva que conduziu a Aves e não são Aves) extinguiram-se no final do Cretácico; hoje em dia ainda existem dinossáurios - Aves.
3- só me resta lamentar a ignorância dos Criacionistas e o seu alter-egos sofisticado, Inteligent Design.

Ana Ave disse...

É de lamentar que ainda existam crédulos para crer que o criacionismo é verdade pura e dura! Será que não compreendem que é um mito, uma história para os ingénuos e iliteratos! O livro Génesis não é um livro de ciência! É poesia e, como tal deve ser interpretada! Já tive uma bíblia na mão que dizia exactamente isto! E era uma bília católica!
Por favor, abram os olhos!

Fernando Martins disse...

É um prazer ler o Doutor Luís Azevedo Rodrigues aqui neste Blog...

É por estas e por outras (aqueles pormenorzinhos que só o Especialista sabe) que faz falta o Geólogo neste Blog.

nsfl disse...

Thanks for the link.

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