quarta-feira, 21 de março de 2007

Para que serve a poesia?

Neste dia, 21 de Março, dá-se por terminado o Inverno e inaugura-se a Primavera. É um dia de simbologias várias que remetem para promessas de renascimento. É também o dia mundial da poesia. Esta justaposição pode sugerir que a poesia está em renascimento ou, melhor, em constante renascimento. Contudo, esta sugestão não convive bem com uma pergunta que se insinua por aí: para que serve a poesia?

Estranha pergunta esta! Mas mais estranho é ter passado a ser corrente e haver sempre alguém disposto a ensaiar uma resposta. Mais estranho, ainda, é emergir dentro da Escola e, com toda a naturalidade, aí se ter instalado. E, muitíssimo mais estranho é ter deixado de soar estranha.

Sem sobressaltos intelectuais, aceita-se a lógica do “saber em acção ou em uso”, da “mobilização de competências no quotidiano”, que se tem fixado nos sistemas educativos ocidentais na transição do século XX para o XXI. Sob o pretexto de democratização, de igualitarismo social, pretende-se preparar os alunos para resolverem problemas concretos do dia-a-dia com significado na sua vivência e para a sua vivência. Nesta lógica utilitarista e imediatista, temos de admiti-lo, a poesia não serve para nada! Coerentemente, seria de esperar que se esfumasse dos currículos. Mas, não é bem assim: é quase pior!

Se deitarmos um olhar atento para o currículo nacional, programas e manuais do primeiro ciclo do ensino básico, ciclo absolutamente fundamental em termos de aquisição e consolidação de aprendizagens essenciais, percebemos várias coisas muito interessantes e… preocupantes.

Percebemos que a poesia ocupa, nesses documentos, um lugar obscuro, porque disperso entre várias outras intenções educativas, e residual, porque é preciso algum esforço de observação para se perceber que está lá.

Percebemos que a poesia caiu nas estranhas malhas do relativismo cultural. Nos manuais, em particular, os textos de escritores com estatura universal, rareiam porque remetem, alega-se, para uma educação elitista, e quando estão presentes são postos ao mesmo nível de escritores de dotes literários mais do que duvidosos. Manuais de Língua Portuguesa há, que só têm ou têm essencialmente “poesia” do próprio autor do manual, que (felizmente) ninguém sabe quem é.

Percebemos que a poesia é usada como estratégia pretensamente pedagógica, à maneira de receita, destinada a resolver os males do mundo: para sensibilizar as crianças para o multiculturalismo, explora-se um certo poema; para as sensibilizar para questões de género, aquele outro; para se tornarem defensores do ambiente ou da paz, não podem deixar de ler e dramatizar os que são recomendados; para adquirem hábitos de alimentação saudável, há um que, certamente, resulta; e assim por diante…

Percebemos que a poesia tem dias marcados e há poesia marcada para vários dia: uma para comemorar o dia do pai e, claro, outra para comemorar o dia da mãe e outra, ainda, para comemorar o dia dos avós, essa invenção mais recente; duas ou três para celebrar o Natal, como convém, por ser época festiva alargada; uma para assinalar o dia da árvore; outra para afirmar o dia da mulher e mais outra para sublinhar o dia da criança; várias para festejar o dos namorados, porque para esse dia há muitas.

Percebemos que a poesia deve “respeitar o vocabulário que as crianças trazem de casa”. Assim, se não for simplista, adapta-se: extraem-se cirurgicamente as palavras que se supõe que os alunos nunca escutaram antes, que não se usam no seu contexto de origem, pois o confronto com uma palavra menos comum, além de ser uma afronta à sua condição, desinteressa-os. Nessa adaptação também é comum reduzir-se a poesia em tamanho, porque, como se vai dizendo, o tempo de atenção e de esforço que os alunos conseguem dirigir para um texto é cada vez mais reduzido e facilmente se desmotivam quando confrontados com mais do que meia dúzia de linhas.

Percebemos que a poesia é decorativa e ilustrativa, ganhando muitas vezes o carácter de recompensa: nos manuais aparece com frequência no fim de cada lição, de cada tema, uma quadra, uma lengalenga, um trava-línguas para rematar o assunto. Não, parece ali caber qualquer orientação, deixando-se o texto desamparado, entregue apenas e só à criança. Mas, também acontece exactamente o contrário: ser a poesia acompanhada de explicações do sentido, de questionários interpretativos, roubando-se-lhe o prazer da leitura e sufocando ou condicionando a sua imaginação.

Ora bem, ainda que ninguém saiba como se leva alguém a amar a poesia, sabe-se que há caminhos que não se devem percorrer e, estranhamente, é nalguns desses caminhos que andamos a insistir. Nada melhor do que um poeta para nos fazer ver isso:

Ver claro

Toda a poesia é luminosa, até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade
Abençoado seja se lá chegar.

Eugénio de Andrade in "Os Sulcos da Sede"

12 comentários:

Fátima André disse...

É verdade que toda a poesia é luminosa. Mas o brilho da poesia fica ofuscado quando o saber popular, contextualizado e recheado de testonovelas se sobrepõe nos manuais escolares ao saber erudito. Se os miúdos não gostam de poesia, não se dá poesia... mas alguém pode amar o que desconhece?
Aqui fica uma sugestão de leitura para apreciadores de poesia:

Somos palavras com que se nomeia o indizível/
e pela descodificação de nós passa o entendimento/
do que em nós é e nos transcende

mas não somos apenas palavras soltas/
somos sílabas que às vezes se completam noutra/
somos frases inteiras onde se sintetizam os mistérios/
histórias também
versões novas de um livro antigo que connosco se vai escrevendo

um texto invisível
ao qual pertencemos em vários planos/
a um tempo sílabas, frases e histórias/
cruzadas noutras
num poema longo
onde se enrolam e desenrolam toadas dissonantes/
como vagas
...

Ana Viana, in por dentro das palavras... o tempo

Vasco Pontes disse...

Explicação da poesia

Luis Ferreira disse...

Para que serve a poesia? Para deixar a alma do poeta falar, para deixar as palavras fluirem, para deixar o sentimento falar da alma de quem nos lê.

Anónimo disse...

a poesia é luminosa pq????
help alguem me pode dizer???

Anónimo disse...

As letras que rimaram noutrora
hoje já não têm mais seu valor
trocadas pelo elusivo do agora
deixaram lá trás a beleza da cor

as tormentas dos dias modernos
não permite aos olhos perceber
a beleza dos outonos e invernos
e com a alma sublime conceber

a flor tem um aroma diverso
que se prova a cada estação
assim como um único verso
quando lido com o coração

mas o que falta é a sensibilidade
cegada pela escassez temporal
o passado me deixou saudade
um dia meu amor foi especial.

Luiz Henrique Franco Ribeiro

Unknown disse...

manoooo alguém pode me dizer pra que serve a porra da poesia?

Anónimo disse...

por ter acreditado em poesia minha filha quase morreu num acidente, este ano estou comemorando 13 dias dos pais, depois que
ela nasceu de novo
um poeta não é feito só de palavras

Anónimo disse...

belas palavras bem colocadas transformam alguém em poeta, atos legítimos fazem um homem
voce é um poeta luis henrique

Anónimo disse...

Ao Poeta Dr. Luiz Henrique:

Prezado sublime ser...
que insere na vida mel;
ao teu lado poderia viver...
como se estivesse no céu;

pena que a vida separou...
tua musa da tua poesia;
e hoje sei que não sou...
a tua fonte de magia;

mas tenho certeza que onde estiver...
terá sempre uma musa pra inspirar;
pois o ser inteligente quando quer...
nem o mundo todo poderá segurar;

e você tem esse dom todo especial...
que encanta e se torna perigoso;
é um belo sonho fora do normal...
que se faz, por doçura, maravilhoso.

Se adivinhar ganha um doce (rs)

Lucy Mara disse...

Me entristeço com estes anônimos, que perdem seu tempo com agressões a matérias e pessoas... Suas loucuras não lhe permitem nem ver que o que dizem, é tão errado que lhes faltam a coragem de colocar seus nomes...Excluo apenas dois anônimos, que a ninguém agrediram, somente deixaram uma poesia, ao último apenas gostaria de acrescentar que esqueceste de mencionar o grande Ser Humano que é o Dr Luiz Henrique.

Anónimo disse...

Dr. Luiz Henrique, por acaso é o autor das poesias do blog "http://luizhenriquefr.blogspot.com/"? Está de parabéns! Vi uma publicação sua num concurso de poesias... Bravo!

Pedro disse...

Poesia num contexto prático... não serve para nada. Veja-se o caso da matemática: serve para tudo ou quase tudo. Não fazemos nada sem matemática. Mas fazemos tudo sem poesia (ou quase). Poesia é apenas adorno, treino de retórica vocabular. Nada de especial. Não se desenvolvem métodos de cura com poesia. Não se desenvolvem hospitais com poesia. Não se constroem pontes , edíficios, computadores ou o que quer que seja, com poesia. Vós, poetas, podereis argumentar que poesia pode tocar o coração, fazer pontes dos sentimentos para o exterior e materializá-los na forma mais pura: em palavras. Contudo... é tudo teórico e nada concreto. Até a música que nada mais nada menos é que matemática...move corações. Portanto, poesia, mais uma vez, serve absolutamente para nada.

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