quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O passado e o presente da avaliação docente. E o futuro?

“Sempre que se propõe uma reforma, é verdade que: Primeiro: a reforma não vai alterar em nada o que já existe. Segundo: a reforma vai produzir efeitos exactamente contrários aos que pretende ter. Terceiro: a reforma vai prejudicar o que havia de positivo na reforma anterior” – Albert O. Hirschman.

Nem sempre a falta de nuvens no horizonte prenuncia a continuação de bom tempo. Isto para dizer que o aparente clima de entendimento entre o Ministério da Educação e os sindicatos docentes pode não querer significar uma luz ao fundo do túnel para os primeiros dias de Setembro perante a declarada intransigência sindical em pretender que todos os docentes possam chegar ao topo da carreira docente sob a alegação de que todos os professores fazem a mesma coisa. Isto é, traduzido por miúdos, que o professor que cumpre e tenha maior habilitação académica deva ter o mesmo tratamento daquele que não cumpre e tenha feito complemento de habilitações a martelo, fazendo crer, outrossim, que professor excepcional é a regra da carreira docente.

Mas façamos um flash-back para informar a opinião pública e avivar a memória dos professores que foram vítimas da derrogação de um sistema de avaliação que distinguia os professores em três escalões na chegada ao topo da carreira docente: escalão A para licenciados, escalão B para bacharéis e escalão C para diplomados com cursos médios. Depois de 25 de Abril, surgiu o sistema de avaliação que apenas diferenciava os docentes em dois escalões de chegada ao topo: 9º. escalão para bacharéis e 10.º escalão para licenciados, mas em que, estes, andando de cavalo para burro, regrediram para o 8.º escalão. Ou seja, na escuridão da noite e de baionetas caladas, foram os bacharéis e diplomados com cursos médios amplamente beneficiados com este novo estatuto docente e os licenciados severamente castigados. Acresce que os próprios equiparados a bacharéis logo deixaram de o ser numa espécie de pós de perlimpimpim pela abertura de escolas (ditas) superiores privadas que, em meia dúzia de meses, lhes venderam uma qualquer licenciatura. Desta abstrusa forma se igualaram desiguais, situação que o movimento sindical pretende ver repetida com a chegada dos docentes ao escalão máximo, chegada essa dependente apenas de classificações de excelência a granel. É este, portanto, o desafio que espera o actual Ministro da Educação perante um sindicalismo que tudo joga para que a reforma da avaliação docente tenha efeitos exactamente contrários aos que pretende ter para obstar à injustiça de uma igualdade escandalosamente desigual.

Adiar os problemas com reuniões que nada resolvem é uma situação que tem de ter os dias contados para que a própria opinião pública (como aliás já se tem expressado) e os pais dos alunos não tenham motivos para continuar a julgar que os problemas da educação se esgotam em questões meramente laborais. Ora, como é sabido, quem não quer ser lobo não lhe veste a pele!

Last but not least,
uma questão não tanto ao lado como possa parecer à primeira vista: quem avalia, ou como foram avaliados, os sindicalistas que se encontram no topo da carreira docente depois de terem posto na prateleira o exercício docente, alguns deles, de há várias décadas para cá? Pode ser que aqui se possa encontrar a argumentação para a defesa teimosa de uma avaliação docente identificada com a dos dirigentes sindicais de diversas conotações políticas ou clientelas associativas de formações académicas deveras díspares uma vez que, como diz o povo, ou "há moralidade ou comem todos". Aliás, só há um grande senão, como escreveu Henry Becque (1837-1899), em jeito premonitório: “O mal da igualdade é que nós só a queremos ter em relação aos nossos superiores”.

14 comentários:

Fartinho da Silva disse...

Caro Rui Baptista,

Parece que já deram a volta ao Ministro. Eles sabem perfeitamente que muitos dos que estão nos últimos escalões têm habilitações académicas inferiores ou mesmo muito inferiores a muitos dos que estão em escalões mais baixos, devido ao que acabou, mais uma vez, de apresentar neste seu texto.

Obrigar o avaliador a estar num escalão superior ao avaliado implica, necessariamente, que vamos ter professores sem licenciatura a avaliar professores doutorados! Isto é assustador...! Conheço o caso de um professor com um mestrado na sua área científica que foi avaliado por um professor não licenciado... escusado será dizer que foi pior que um... filme de terror! O professor avaliador dava conselhos ao professor avaliado que pareciam mitos urbanos... e jurava a pés juntos que o professor avaliado para melhorar o seu desempenho deveria seguir as suas orientações!!

joão boaventura disse...

Como a avaliação é o núcleo duro dos governos e sindicatos, tendo como alvo os professores, eu pergunto, na minha ingenuidade, supondo que a equidade e a justiça ainda funcionem, eu pergunto, repito, para quando a avaliação dos Governos e dos Sindicatos ?

Ou está provado que só o professor é que é o suspeito, e os governos e os sindicatos, os puros ?

O nosso António Vieira, a este propósito esclarece as minhas interrogações:

"Fez o Divino Mestre na sua escola duas eleições, ou duas classes, uma dos doze apóstolos, outra dos setenta e dois discípulos, e enviou-os todos a pregar, mas como ? Aos Discípulos de dois em dois; aos apóstolos um a um; um à Ásia, um à América, um à Etiópia, um à Índia, e assim os demais. E porque os Apóstolos sós, e os Discípulos não sós, senão acompanhados ? Porque os Apóstolos no tempo, em que foram enviados, eram já homens de heróica, e consumada virtude; os discípulos em seu tempo não. Quem tem chegado a grau heróico, e consumado de perfeição, leva em si, e consigo mesmo o respeito, a reverência, e o seguro das suas acções; quem não tem chegado àquele grau, não leva este seguro em si, e consigo, senão nos olhos, e no testemunho do companheiro; é como o cego, que para não cair se ajuda dos olhos alheios; aquele faz obras dignas de si, porque se vê, este, porque é visto; aquele porque se respeita, e reverencia a si mesmo; este, porque teme, e se envergonha do outro."
(In As cinco pedras da funda de David, em cinco discursos morais pregados à Sereníssima Rainha da Suécia Cristina Alexandra)

Chegados aqui, a conclusão enxerga-se:

Os políticos e os sindicalistas são, como os Apóstolos, "já homens de heróica, e consumada virtude" levando "consigo mesmo o respeito, a reverência, e o seguro das suas acções", fazem "obras de si, porque se vêem", e se "respeita e reverencia a si mesmo".

Os professores, são como os Discípulos, que ainda não chegaram ao grau de consumada perfeição, são "como o cego, que para não cair se ajuda dos olhos alheios", e "porque teme, e se envergonha do outro".

Anónimo disse...

Ora está uma boa ideia, avaliar os sindicatos. Eu bem sei que nota daria aos senhores de bigodes enrolados do sindicato dos bancários que para lá andam a organizar clínicas de golfe...

Cláudia S. Tomazi disse...

...Julgo não oferecer dúvida que o professor satisfaz o requisito de produzir um trabalho de natureza intelectual, como duvidoso me não parece que ele cumpre a condição de reconhecimento social que o põe a coberto da distinção que em Roma Antiga se estabelecia entre profissões livres e profissões servis. Pela inexistência de uma Ordem dos Professores, a orientação dos sistemas público e privado dos diversos graus de ensino, sem uma responsável audição dos seus mais representativos representantes, tem constituído uma penosa via sacra para os docentes flagelados pelo látego impiedoso de legíferos de leis mal feitas e mal interpretadas para satisfazer o apetite de pequenos tiranetes que enxameiam a Administração Pública e o próprio Poder Político.

“Ipso facto”, cumpre a todos os professores, sem excepção, no início ou no topo da carreira docente, ou a ela candidatos, sem solidariedades sindicais ou políticas entravadoras, comungarem duma estratégia intransigente para a criação da Ordem dos Professores,porque a melhor forma de estarem na vida e na profissão é não aceitarem passivamente um destino sem honra nem glória. Compreenderam-no os profissionais das ordens já criadas, de outras que se encontram na calha de serem criadas ou de aqueloutras que se manifestam publicamente a favor da respectiva criação. Só ainda o não compreenderem os professores!

Este “statu quo” não pode deixar de me trazer à memória a história de uma deliciosa ingenuidade de uma mãe que ao ver o seu filho a desfilar numa luzidia parada militar se volta para os circunstantes e diz alto e bom som, com indisfarçável orgulho: - “Todos levam o passo trocado, só meu filho leva o passo certo!” Será que só os professores é que marcham com o passo certo?...
Excerto do comentário de 10 de setembro 2007 – Sr. Rui Baptista

Ao Post tratar-se de Passado, Presente e Futuro, porém de que atrevimento conta com vosso perdão, estendo outro sim de docente sendo que questiono por véspera ao correr destes quatro anos ao que teria mudado? Honestamente o quê, em relação ao sentimento solitário, por força alheia do “statu quo” que vos teve como deliciosa ingenuidade?
Quando da ingenuidade, não ser um capítulo em questão, mas a decorrência de vosso sentimento que emerge toda a sensibilidade e desejo do amparo com da preocupação por uma classe historicamente caminhante, e que vossa certeza possa tão somente alargar e alinhar os passos que se destinam por horizontes do saber. Certamente na qualidade de visionário vos sustentais este lema com intuito de fazer com que percebam o diferencial diante da própria história em que vos caminhas passos firmes durante este tempo, acolhendo a melhor dos exercícios por base de qualquer vocação soprando na brasa para livre empenho da mesma.


Cordialmente

Rui Baptista disse...

Caro Fartinho da Silva: Na verdade é assustador o exemplo que apresenta de haver docentes sem licenciatura a avaliar professores doutorados como que se, por exemplo, um ano de docência a mais se pudesse superiorizar a uma diferença abissal das respectivas formações académicas.

O finca-pé que os sindicatos fazem a qualquer tentativa de mudança de avaliação docente que não permita o acesso de todos os professores ao último escalão da carreira é prova evidente dessa intenção. Embora, depois de 25 de Abril, tenha sido proibida a passagem da canção (de António Mourão) “Ó tempo volta para trás”, parece ser esse o argumento sindical a apresentar na mesa de negociações com o Ministério da Educação.

Ou seja, a declarada intenção de repor o sistema de avaliação em vigor anterior a toda esta discussão que faz com que todos os imensos e complexos problemas que afectam o sistema educativo se transformem numa espécie de pescadinha de rabo na boca. Aliás, alguma vez a vozearia sindical se levantou contra o facto de a exigência da direcção dos antigos conselhos directivos (inclusivamente das escolas secundárias) ter como única condição tratar-se de um docente de nomeação definitiva sem ter em linha de conta a respectiva formação académica igualando, desta forma, como o acontecido, por vezes, um diploma de estudos médios, ou mesmo secundários, a uma carta de curso de licenciatura.

Eu bem sei que o exemplo da carreira militar não agrada aos sindicatos docentes. Apesar disso, por analogia, gostaria de saber qual a reacção dos coronéis, e da própria sociedade civil, se fosse um sargento a comandar um regimento. Infelizmente foi esta situação vivida num clima de aceitação generalizada que só desencadeou uma certa revolta aquando da separação entre professores titulares e não titulares. Aí, sim. Vieram ao de cima todos estes problemas que dormiam a sua soneca sob a copa frondosa do nacional porreirismo.

Rui Baptista disse...

Caro anónimo (comentário de 01 Set.; 01:15):

É tida como uma prática sindical comum os dirigentes sindicais, com ou sem bigode, sacrificarem as suas vidas em prol das grandes questões do mundo do trabalho.

Mas como a vida não pode ser só trabalho e mais trabalho certos hobbies devem ser permitidos nas pouca horas de lazer, sejam eles jogar o golfe ou à bisca lambida ou mesmo colar cartazes!

Anónimo disse...

Quando uma instituição
não se deixa reformar,
há que sobre ela passar
recomeçando do chão!

JCN

Rui Baptista disse...

Prezado Professor JCN: Absolutamente de acordo. As reformas que se têm efeito (ou tentadas fazer) na avaliação docente (e não só!) mais não são do que remendos em pano velho.

Há que, como propõe e bem, recomeçar do chão criando aí caboucos que suportem um ensino digno que reconheça o esforço na aquisição de habilitações académicas que mais não sejam do que simples papéis para satisfazer o ego dos seus possuidores ou em tornar o ensino numa fonte de receita de escolas superiores (?) criadas, como disse alguém, “em vãos de escada”. Reformar o irreformável ou criar de raiz, "esta é a questão”!

Dis aliter visum disse...

Há agrupamentos de escolas ou escolas não agrupadas onde o projecto de avaliação docente do secretário de Estado João Casanova de Almeida é adequado: as (raras) escolas que funcionam muito bem, e.g. a escola secundária Infanta Dona Maria no tempo da directora Rosário Gama, ou as escolas situadas em certos bairros sociais.

As escolas localizadas em bairros de imigrantes oriundos de países africanos ou do Brasil, ou habitados pela etnia cigana, foram consideradas território educativo de intervenção prioritária (TEIP) pelo socialismo, que dava mais importância à integração social das etnias do que à mobilidade social dos filhos de famílias que não podem pagar bons colégios privados.
Só há dois tipos de escolas TEIP: as vandalizadas, onde se decidiu manter as aulas embora desenvolvendo muitas actividades de animação cultural, e as não vandalizadas porque os directores decidiram transformá-las no salão de festas das comunidades de imigrantes e onde pouco mais se faz do que animação cultural.
Os docentes que concorrem para estas escolas devem ser informados que vão ser animadores culturais, para não haver desperdício de recursos humanos dispendiosos.

Para todas as outras escolas, que são a maioria, este projecto de avaliação não só vai desincentivar os docentes com a melhor formação científica superior inicial, como vai asfixiá-los, levando-os a abandonar a carreira, pelo menos, no ensino público.
E se não acrescentámos à formação científica a palavra ‘pedagógica’, é porque não temos dúvida de que se pode aprender as teorias pedagógicas nas universidades, ou nos politécnicos, mas a pedagogia, i.e. a forma de conseguir transmitir conhecimentos e entender as dúvidas dos alunos só se aprende na sala de aula.
Conhecemos casos de docentes que decidiram ir leccionar para o ensino privado porque não suportavam a desorganização e a indisciplina que existia nas suas escolas e a burocracia que órgãos de gestão e conselhos pedagógicos criavam sobre a carga administrativa já subjacente à própria legislação educativa socialista.
Porquê esta tendência para a burocracia?
É uma fuga, tenta-se disfarçar as insuficiências científicas alinhando no trabalho administrativo, porque para preencher papelada basta saber escrever e o corrector do Word sempre vai ajudando a disfarçar os erros ortográficos e gramaticais.
E é acarinhada pela avaliação externa das escolas que se debruça quase exclusivamente sobre documentos escritos e valoriza a quantidade sobre a qualidade.

Então que alterações propomos ao projecto de avaliação docente?
Essencialmente, dignificar a avaliação externa, impedindo interferências dos directores na avaliação da dimensão científica e pedagógica, directa ou indirectamente através dos coordenadores dos departamentos que, como se sabe, são por eles nomeados e têm assento no conselho pedagógico.
Claro que se pressupõe que os avaliadores externos serão recrutados depois de prestarem provas públicas sobre a disciplina de que vão fazer observação de aulas.

Pormenorizemos: ver aqui porque excede o limite de caracteres.

Rui Baptista disse...

Cara Cláudia S. Tomazi: Embora agradecendo-lhe a transcrição simpática que fez de prosa em defesa da criação de uma Ordem dos Professores, não posso deixar de esclarecer o leitor menos atento (pela ausência de aspas na referida transcrição) que são da minha autoria os três parágrafos iniciais do seu comentário.

Sendo uma questão polémica tão desagrado de determinadas correntes sindicais que se julgam no direito de pôr em questão a necessidade de um código deontológico sob a alçada de uma Ordem dos Professores que responsabilize os docentes pelos seus actos perante a própria sociedade e opinião públicas não gostaria que recaísse sobre os seus ombros esse pesado ónus.

Cláudia disse...

Novamente ao quê, de minhas escusas a vossa dignidade na certeza do caríssimo leitor compreenda que a transcrição somente então digna de vos, eis porque talvez houvera por perceber ou não, do que ousara levar um estrangeiro(a) na busca pela devida dimensão de importância em que se aplica tal estudo.

"Se houver um caminho entre aquele que marcha e o objectivo para o qual tende, há esperança de o atingir; se faltar o caminho, de que serve o objectivo?
" Fonte - Santo Agostinho - Contra os Académicos 1,3,19

joão boaventura disse...

Quem se der ao trabalho de ler o jornal de Negócios online, encontra duas explicações:

1.ª que o Governo é a loja dos 500 (boys colocados) e 500 (mil euros a pagar a patrões e sindicatos), para vestir o traje de racionalidades económicas;

2.º que o Governo tem lojas para pagamentos políticos, para calar ou suavizar as reclamações de sindicatos e patrões.

Donde os fundamentos da necessidade de avaliar os Governos, já que o Estado-Educador passou a Estado-Avaliador.

joão boaventura disse...

Cara Cláudia

Também São Tomás de Aquino (1225-1274) disse:

"De Deus não sabemos o que é, mas sabemos o que ele não é".
Fonte - Thierry-Dominique Humbrecht - Théologie Négative et Noms Divins chez Saint Thomas d'Aquin" - Librairie Philosophique J. Vrin - Paris - 2005

Donde, a São Tomás de Aquino, tão depressa provava que Deus existia, como também que Deus não existia.

Donde, não lhe serviu de nada ter um objectivo, porque o caminho tampouco.

Mas, perante Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, quem somos nós, para os discutir ?

Cordialmente

Cláudia S. Tomazi disse...

Certamente quem somos?

Apenas pela sua graça e estendendo a pertinência do assunto então há esferas de compreensão e discernimento de como cita ao exemplos especiais de nosso afeto e atendendo tão somente a discussão "do que tão somente saibamos ao que seja ou não seja o bondoso Deus" também cito um exemplo quiça etimológico deste Brasil tão carinhosamente expressado pelo Doutor Carlos Fiolhais.

jabuticaba jabutic - aba
Garopaba Garop - aba
goiaba goi - aba
piaba pi - aba

Entretanto na natureza sua origem tal qual caminhos a que propriamente representam alimento.
Estimado Sr. João Boaventura quais seriam os objetivos dos naturais de novos mundos?
Na certeza de poder colaborar com vossos anseios de ditames por celebre entusiasmo.

Cordialmente

NOVA ATLÂNTIDA

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