segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Insulto e prisão

Na sequência dos artigos que publiquei sobre o uso do insulto como forma de limitar ilegitimamente a liberdade de expressão, vale a pena ler esta breve notícia, e ver as imagens humilhantes associadas. Para quem não lê inglês, eis o resumo: um escritor australiano publicou um romance que quase não se vendeu -- aparentemente, venderam-se apenas quatro cópias -- mas foi preso ao tentar sair do país (Tailândia) e condenado a três anos de cadeia por insultar a família real tailandesa. Não é possível defender que está tudo bem porque os juízes se limitaram a seguir a lei da Tailândia. O que se passa é que a lei da Tailândia está errada, tal está errada qualquer lei que permita a supressão da liberdade de expressão com base no conceito de insulto.

Para quem pensa que isto só pode acontecer no estrangeiro, leia-se o artigo "Direito ao Bom Nome e Liberdade de Expressão", publicado no passado Sábado no Público.

13 comentários:

Anónimo disse...

Desidério

O Código Penal português também criminaliza comportamentos injuriosos contra o Presidente da República (artigo 328º do Código Penal).

Vitor Guerreiro disse...

Que se foda o presidente da república. Que se foda o papa. Que se fodam todos a quem não se pode dizer "fodam-se".

Matheus Silva disse...

O que mais me deixa indignado é que grande parcela da população tende a reagir do mesmo modo que a família real tailandesa. Enquanto discutimos estas coisas neste blog provavelmente vários leitores acessam esse site e acham isso ótimo. Há ditadores entre nós, só que não possuem poder pra exibir isso. Se estivéssemos numa ditadura tanto o Desidério, Palmira, Vitor entre muitos outros certamente seriam presos e torturados. Nesse tipo de situação pessoas que vemos todos dias e aparecem nesse blog a despejar dogmatismo mostrariam ue tipo de gente eles são.

Matheus Silva disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
J.M.P.O disse...

Se calhar este não é o melhor sitio para colocar a critica/questão mas quando o tento fazer ou já passou o espaço em que se esperam respostas ou não consigo formular a critica. Tenho dúvidas quanto à justeza de certas partes do seu ponto de vista (ou então não o percebo o que não me admiraria nada, aliás, penso que foi Kant que disse que quanto mais nos parece que percebemos um filósofo mais longe estamos de saber realmente o que ele diz).

O meu raciocínio é este (peço desculpa por ter escrito tanto):

O insulto tomado como princípio absoluto não é forma de exercer a liberdade, ao contrário do que diz no artigo do Público para o qual faz uma hiperligação. De facto tem razão ao mostrar que este é fruto do exercício de uma liberdade, maxime da liberdade de expressão (e que por vezes até pode ser construtivo), contudo, assim como qualquer outra liberdade, absolutizada leva à maior das tiranias. Aquele que insulta é realmente livre para demonstrar ao outro que fez uma asneira, contudo o insulto não produz só efeitos na "auto-estima" do insultado mas também produz efeitos exteriores como por exemplo a possibilidade de este cair em descrédito ao pé dos outros elementos da sociedade em que se insere.

Uma sociedade onde a permissão do insulto fosse absoluta tornar-se-ia numa espécie de estado de natureza em que aquele que insultasse com mais espírito, primeiro ou com mais voz (i. e. através de instrumentos de comunicação de massas) de forma a derrotar completamente o oponente exercesse a sua liberdade em detrimento da liberdade dos demais, dos menos inventivos dos mais atrasados ou daqueles com menos “poder de encaixe".

A questão que fica é: Até onde posso então insultar? Aí penso que Stuart Mill dá uma boa resposta: Posso insultar até à liberdade do outro, não lhe podendo nunca causar um dano.

Apesar de o Sr. Professor objectar que o insulto não provoca dano (respondeu a isto num comentário de resposta a algo que eu escrevi algures) eu penso que há um outro problema nas ideias ou princípios absolutizados (neste caso o direito ao insulto) que é a possibilidade desses princípios poderem estar errados (ideia também provinda de Mill).

Quando se defende a total liberdade de insultar porque daí não advirão danos esquecemo-nos que existem outros bens que devem ser também protegidos e que serão esmagados por essa liberdade.

parece-me que outro argumento contra essa liberdade absoluta, que também decorrente deste princípio de ignorância, pode ser o seguinte:

Quando alguém insulta outrem, fá-lo com base em costumes, ideias ou preconceitos que poderão estar certos ou errados mas que poderão impressionar o outro, não tanto pela sua razão mas pela violência (a tal violência que Schopenhauer atribui ao argumento "ad hominem") com que são expostos ou por "estarem na moda", podendo impedi-lo de ter outras ideias ou tomar outras posições.

Há, por parte do "insultante", a exploração de um "defeito" do insultado. Ora como ninguém é infalível (excepto o legislador e o Papa - sendo que o primeiro apenas se presume (estou a usar a ironia, não me interprete literalmente)) o que é que permite a alguém lançar impropérios contra outrem sabendo que pode lesar o seu bom-nome?

Para além disso, teremos, em última análise, este problema (tratado v. g. por Menezes Cordeiro): à liberdade de expressão contrapõem-se normalmente os direitos à honra, ao bom-nome e o direito ao livre desenvolvimento da personalidade. Não deixará ela de cumprir a sua função quando, injustificadamente (e não apenas falsamente), invade a vida das pessoas e lhes prejudica desproporcionalmente, comparando com o benefício que a comunidade tem com a informação, a sua vida quotidiana?

A nível jurídico (onde julgo perceber alguma coisa do assunto), o insulto têm relevância para uma indemnização resultante de prejuízos decorrentes de uma violação do direito ao bom nome injustificada, indemnização que apenas cobre os danos causados (em portugal não existem indemnizações punitivas, só se responde pelo dano causado e na prática os danos morais, a morte e outros danos não patrimoniais são subavaliados). Em termos penais o insulto é aquilo que se na gíria se chama uma bagatela… É um crime particular (excepto o insulto ao Presidente da República que tem um regime atípico por causa de uma agressão contra um então PR Mário Soares) e as acções raramente dão nalguma coisa.

Anónimo disse...

Sim, o problema é o limite. Posso insultar com a língua? E com as mãos? Com as mãos pode causar prejuízo ao insultado como, por exemplo, um olho negro. Mas com a língua (ou a caneta) o prejuízo pode ser bem maior.

Anónimo disse...

Há qualquer coisa de errado. Como se atreve a defender a permissão do insulto num blogue que "diz seja respeitoso e cordial"? Eu tinha umas coisas a dizer que não me parecem nada respeitosas nem cordiais, não sei. À cautela calo-me... Pior: "pense em profundidade" coisa que sei ser incapaz de fazer. Logo sinto-me proibido de participar.

Anónimo disse...

A resposta é dada a meio do texto:

"A questão que fica é: Até onde posso então insultar? Aí penso que Stuart Mill dá uma boa resposta: Posso insultar até à liberdade do outro, não lhe podendo nunca causar um dano." aq

Desidério Murcho disse...

Do ponto de vista legal, o insulto só deve ser punido se, e só se, o insultado conseguir provar que sofreu em resultado causal directo do insulto, danos claros e inequívocos — do género, perder o emprego, ser obrigado a mudar de casa, sofrer um divórcio. Se nada disso acontece, pretender silenciar um insulto é um limite ilegítimo, na minha opinião, à liberdade de expressão.
Mas o problema não está neste tipo de insultos. Nunca é disso que os meus artigos trataram. Os meus artigos sobre este tema sempre trataram da fronteira entre o insulto meramente pessoal, e o uso do conceito de insulto para silenciar o debate público de ideias. Eu não tenho nem nunca tive em mente defender a beleza de andarmos na rua e nos jornais a chamar bestas a quem nos apetecer. O que tenho em mente é chamar a atenção que por sermos humanos é natural que no meio de discussões de ideias políticas, como no caso de que fala o Teixeira da Mota, se profiram insultos tolos. Seria desejável que isso não acontecesse? Sim. Mas pior ainda seria condenar sistematicamente as pessoas que o fizessem, porque depois as fronteiras começam a ser muito ténues. Ora o problema é alguém escrever um romance ou um artigo que outrem, por ser desta ou daquela religião ou ideologia ou grupo ou o que seja, declara insultuoso — e lá vai o pretenso insultador preso ou silenciado. Queremos realmente isso? Queremos Saramago silenciado porque escreve coisas ofensivas para algumas pessoas religiosas? Ou Sade? É sempre disso que estou a falar e fico sempre espantado por tantos leitores serem tão compreensivos com a punição do insultador, à custa do silêncio do artista, do pensador ou do opositor político. Mas, pensando bem, a liberdade nunca foi, jamais foi um valor central da cultura portuguesa. Basta que as pessoas releiam O Crime do Padre Amaro do Eça e se perguntem: se hoje este romance fosse hoje publicado não haveria um coro de protestos, clamando que é insultuoso e que deveria ser proibido? A minha resposta é que nem precisamos de pensar nisso porque a censura já está antes disso na cabeça das pessoas e por isso nenhum romancista português contemporâneo se atreveria a escrever um romance como este. Como é óbvio pelo que leio dos alguns leitores, esta é precisamente a situação que lhes agrada: esta ditadura de alabastro. A mim, desagrada-me. E penso que a médio prazo isto trará cada vez maior repressão branca, menos liberdade e uma consequente incapacidade crescente para pensar imaginativamente em projectos alternativos de sociedade, de vida, de ideias.

J.M.P.O disse...

Afinal Kant tinha razão, não tinha percebido a sua Ideia.

Afinal concordo consigo, não faz sentido, que aquém da protecção mínima que o direito penal confere (e esta protecção mínima prende-se com a ideia do dano milliano - isto foi clarificado pela Prof. Maria Fernanda Palma da F.D.U.L. quando redigiu brilhantes acórdãos enquanto juíza do Tribunal Constitucional) possa haver protecção de susceptibilidades... Para cá do mínimo dos mínimos podemos fazer tudo!

Aliás, com tanta gente sensível, acabava a comunicação não fossemos nós ferir as pessoas. Com tanto "Torquemada de saias" e sem elas as comédias e as sátiras iriam todas parar à fogueira!

Reconheço que o melindre é um óptimo pretexto para reabrir o Santo Ofício.

Matheus Silva disse...

Numa sociedade democrática e liberal onde há muita discordânca e diversidade de pontos de vista religiosos, filosóficos e políticos a liberdade de expressão é um princípio que deve ser mantido a qualquer custo. Se caricaturamos ou restringimos essa liberdade permitimos que as pessoas dogmáticas (e há muitas hoje em dia) imponham seus pontos de vista como a verdade absoluta e inquestionável. A atitude dos terroristas que fizeram de tudo pra matar todo os envolvidos no livro "Versos Satânicos" por se sentirem ofendidos, mostra isso. Há pessoas obscurantistas hoje em dia que se pudessem retornariam as instituições socias para a idade média.

João disse...

Desidério:

Como sabe estou em desacordo consigo neste particular, não que o Desidério dê alguma impotancia a isso, porque (entre outras razões) o Desidério é um ser inteligente com uma elevada capacidade de argumentação e defesa.

O que me custa é que a sociedade também é composta de pessoas com vidas profissionais instaveis, situações emocionais "desafiadas" sem capacidade de argumentação e por isso mais vulneraveis ao insulto.


A questão é: Só porque têm mais vulnerabilidade é justo permitir a agressão psicologica a essas pessoas? Elas que se virem?

João disse...

Nota:

Estive a ler a resposta a comentarios anteriores e cito "Os meus artigos sobre este tema sempre trataram da fronteira entre o insulto meramente pessoal, e o uso do conceito de insulto para silenciar o debate público de ideias".

Talvez reponda à minha questão. O Desidério opoe-se então ao abuso do conceito de insulto.
Assim estou de acordo. Peço desculpa por não ter compreendido.

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