segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Tabaco e perfeccionismo

Os posts recentes da Palmira e do Carlos, assim como a crítica de Ludwig, mostram que há alguma confusão no que respeita às leis relativas ao tabaco. Vejamos se podemos esclarecer um pouco as coisas.

Chama-se “perfeccionismo” a uma família de teorias filosóficas em ética e política que, por diferentes razões, tendem a ser rejeitadas intuitivamente hoje em dia. Contudo, os dois grupos de teorias são bastante diferentes, e podemos defender uma teoria perfeccionista em ética, mas recusá-la em filosofia política.

Em ética, o perfeccionismo está associado a filósofos que entendem os valores morais objectivamente, como Aristóteles. Assim, o bem para os seres humanos não é determinado pelo que a maior parte das pessoas quer para si mesma, pois a maior parte das pessoas pode estar enganada quanto ao que é bom para elas mesmas. Na mentalidade popular, este tipo de ideia ética é hoje em dia inaceitável por duas razões. Primeiro, porque na mundividência contemporânea é tido como óbvio que os valores são subjectivos. Segundo, porque se confunde uma teoria objectivista geral quanto aos valores com uma teoria específica sobre que valores são realmente defensáveis.

Em filosofia política, o perfeccionismo é a ideia de que o estado deve promover o que é tido como objectivamente bom para todas as pessoas. Tanto se pode defender que o estado deve fazê-lo coercivamente, como se pode defender que o estado deve apenas estimular, mas não coagir. Grande parte do pensamento contemporâneo em filosofia política é antiperfeccionista — é o caso de Dworkin e Rawls, para citar dois dos mais importantes filósofos desta área. Pode-se ser antiperfeccionista em filosofia política, mas perfeccionista em ética. John Stuart Mill parece ilustrar precisamente um desses casos: estava convencido de que havia bens e males objectivos, eticamente falando, mas opunha-se a que o estado impusesse o bem às pessoas. É menos claro se aceitaria um estado que apenas promovesse tais bens, mas sem coacção.

Qualquer pessoa que defenda o respeito pela liberdade alheia tem tendência para aceitar que isso implica que as pessoas têm o direito a ser palermas e a fazer coisas que as façam infelizes, doentes, etc. — desde que não prejudiquem ninguém com isso, directamente. Assim, por essa razão, as pessoas que defendem a liberdade, como o Carlos e a Palmira — e eu — têm tendência para ver com inquietação leis que parecem perfeccionistas, no sentido de tornar cada vez mais difícil que as pessoas fumem ou que se tornem obesas.

Mas pelo que leio diariamente no blog do Ludwig, ele não defende menos a liberdade do que nós. Então porquê a discordância? Porque no que respeita a certas leis as coisas estão misturadas: são leis que têm aspectos perfeccionistas mas também têm aspectos que não são perfeccionistas — trata-se apenas de proteger o bem-estar de terceiros. Assim, no que respeita a leis contra os obesos, qualquer pessoa que seja contra o perfeccionismo estatal, concorda com o Carlos, penso eu. Mas no que respeita ao tabaco as opiniões dividem-se — porque as próprias leis e o modo pouco inteligente como os políticos falam delas as tornam ambíguas: são leis que visam apenas proteger o bem-estar alheio, ou leis perfeccionistas que visam impedir a liberdade de fumar?

A dificuldade é que nem sempre é possível fazer uma coisa sem fazer a outra. Não podemos fazer leis que impeçam as pessoas de escarrar à frente dos outros sem ao mesmo tempo fazer leis que desencorajem as pessoas de escarrar em público. A fronteira é muito difícil de estabelecer.

Pessoalmente, detesto o modo como alguns arautos das leis referentes ao tabaco falam delas, pois são pessoas que estão claramente a querer impor aos outros um modo de vida saudável e sensato. Detesto isso porque considero que uma sociedade não pode ser genuinamente livre se as pessoas não tiverem a liberdade para fazer coisas que eu e outras pessoas consideramos uma palermice — fumar, comer e beber álcool desenfreadamente, etc. Mas a verdade é que os não fumadores, como eu, precisamos de ser protegidos da agressão contínua que é ter de gramar com o fumo e o mau cheiro do tabaco. Assim, o que é preciso é bom senso no modo como se fazem estas leis e no modo como se fala delas. Mas também não podemos pensar que é possível fazer leis puramente aperfeccionistas. Não é. E quando as coisas não são claras é mais sensato limitar a liberdade dos fumadores do que limitar a liberdade de quem não fuma.

29 comentários:

Rolando Almeida disse...

Caro Desidério,
A questão é que há uns anos atrás não se sabia que o chamado fumador passiva era efectivamente um fumador e, em razão disso, fortemente prejudicado mesmo sem ter decidido prejudicar-se. Nesse sentido quem defende a liberdade individual entra em contradição se afirmar que fuma porque é livre de o fazer, uma vez que o fumo do seu cigarro é inalado pelos que não fumam. Parece-me também razoável que um fumador possa começar a defender-se que também é prejudicado pelo gás que o carro do não fumador liberta. E isso também me parece verdade. Em causa está o maior bem comum para o maior numero de pessoas. Seria bom acabar com o consumo desenfreado do tabaco com a consciência das pessoas e não com leis, mas quando está em causa o bem comum por vezes tem de se recorrer a leis. Já agora: eu sou fumador, mas mesmo sem leis tenho vindo a reduzir o consumo de tabaco por questão de ordem racional. Com a lei, a verdade é que o meu consumo reduziu-se drásticamente. Mas o meu caso é muito particular e não quer ilustrar nada para ninguém, mas acredito que é mais fácil livrar-nos do vício do tabaco do que do vício de fazer leis por tudo e por nada :-)
Abraço
Rolando Almeida

Bruce Lóse disse...

Assim, o que é preciso é bom senso no modo como se fazem estas leis e no modo como se fala delas. (...) E quando as coisas não são claras é mais sensato limitar a liberdade dos fumadores do que limitar a liberdade de quem não fuma.


Dério,

Sendo que a filosofia prescreve o bom senso para este caso, gostava de lhe perguntar se podemos usar legitimamente o analfabetismo da prudência emocional para lidar com isto.

Daniel Marinha disse...

Pela primeira vez, um comentário com uma visão plural e uma opinião concertante sobre este assunto. Como habitualmente, aliás. Os meus parabéns.

Desidério Murcho disse...

Caros leitores

Obrigado pelos vossos comentários. Brucelose, não compreendo a pergunta.

Anónimo disse...

O Bruce quer saber se do ponto de vista filosófico é legítimo espancar um fumador.

Bruce Lóse disse...

Dério

Recordo uma resposta sua em que me diz que a ética, sem passar pela filosofia, não é mais do que a prudência emocional. Isto por eu questionar o meu interesse na "ética dos outros" (leia-se por exemplo Peter Singer).

É exactamente desta prudência emocional de que lhe falo agora, já que a conclusão do seu texto parece declinar as alternativas que cabem à filosofia.

Teodoro V. Pixel disse...

Parabéns: o texto é suficientemente críptico para parecer inteligente.
Mas se mudarmos alguns pormenores o dislate revela-se em todo o seu esplendor. Por exemplo: «E quando as coisas não são claras é mais sensato limitar a liberdade dos pensadores do que limitar a liberdade de quem não pensa.» Que tal?

Desidério Murcho disse...

Caro Brucelose

Entendo agora. Bom, do ponto de vista do pensamento amoral, as pessoas vão ter à mesma de coordenar os seus interesses, quando estes colidem, a menos que entrem em comportamentos prepotentes realmente imorais. Por exemplo, eu tenho interesse em fumar, mas você tem interesse em não levar com o fumo em cima. Como fazer? Não sei se era isto que tinha em mente.

Caro Teodoro

Há uma grande diferença entre querer pensar e querer fumar. Quando eu penso ao seu lado num bar, não o incomodo minimamente. Mas quando eu fumo ao seu lado num bar, faço-o cheirar e inalar o meu tabaco. Dado que as boas maneiras não resolveram de modo algum as coisas, ao longo do tempo, é preciso legislar para proteger quem não quer ser incomodado pelo fumo alheio. Tal como legislamos para proteger quem não quer ser incomodado pelo barulho do vizinho. Se todas as pessoas tivessem boas maneiras perfeitas, isso não seria preciso. Só que não têm, muitas vezes porque nem se apercebem que incomodam os outros. Outras vezes parecem ter a noção palerma de que têm o direito de incomodar os outros, e insistem sofisticamente em não distinguir incómodos palpáveis, como o cheiro do tabaco, de incómoos "espirituais" -- como o incomómodo que me pode provocar o facto de eu saber que ao meu lado um físico quântico está a ter pensamentos muito profundos, ao passo que eu só consigo pensar onde é que vou comprar tabaco às duas da manhã quando o homem do bar acabou de me dizer que se acabou.

Teodoro V. Pixel disse...

Em verdade, verdadinha, todo o pensamento provoca dejectos - essa é uma das razões pelas quais a analogia é viável, embora existam outras, já suficientemente documentadas ao longo dos anos em todos os dossiers publicados sobre a relação entre o fumo e a escrita, tanto em revistas nacionais (vide a LER) como estrangeiras (vide Magazine Littéraire, Granta, etc.).

Mas a distinção entre «incómodos palpáveis» e «incómodos espirituais» também não tem grande viço. Em caso de dúvida, veja-se o conceito de «háptico» em Deleuze (Cinema 2, por exemplo).

Mas o fundo do problema é aquela frase ter um indisfarçável tom fascizante, que, sob a capa de uma argumentação pretensamente lógica, acaba por redundar numa forma similar à que levou os nazis a eliminarem a «arte degenerada» no início dos anos 30. Ou não é verdade que também eles argumentavam ser mais sensato limitar a liberdade dos artistas do que limitar a liberdade de quem não produzia arte?

Bruce Lóse disse...

Dério, cê tá mangando de mim?

Parece que a ausência da ética-produto-filośofico deixa a humanidade em plano inclinado para a prepotência, a não ser que os patrícios se organizem mais ou menos. Não acredito que seja esta a sua convicção sincera, ou o comentário do Pixel será completamente justo...

toupeira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Desidério Murcho disse...

Caro Teodoro

É um problema em aberto em filosofia política saber exactamente o que é o dano a terceiros, desde que o princípio do dano foi pela primeira vez explicitamente formulado por Mill.

Mas seja qual for o tratamento dado ao conceito, não me parece que se possa aplicar de modo algum à produção dos artistas, desde que os artistas não obriguem ninguém a ler ou apreciar as suas obras de arte.

Oponho-me totalmente à ideia de proibir o tabaco. Na verdade, sou a favor da legalização do comércio e consumo de todas as drogas.

O que está em causa é a articulação entre o direito que eu tenho de fumar um cigarro e o direito que têm as pessoas à minha volta de não ser incomodadas com o meu fumo.

Caro Brucelose

As pessoas têm de coordenar os seus comportamentos. Podem fazer isso de muitas maneiras. Usando a força e a prepotência, ou orientando-se por princípios de justiça.

Não afirmei que sem a filosofia a humanidade fica a caminho da prepotência. Na verdade, ao longo da história, a humanidade viveu quase sempre na prepotência, com ou sem filosofia.

A ideia de dar o máximo de liberdade possível ao maior número de pessoas possível, independentemente das suas origens sociais, é uma ideia muito nova na humanidade.

Mas não me parece que os conflitos de liberdades, que são inevitáveis se procuramos uma sociedade maximamente livre, possam ser razoavelmente resolvidos sem um pensamento claro, articulado e publicamente justificável. E fazer isso inevitavelmente trará questões filosóficas que precisam de ser clarificadas. É como fazer pontes. Podemos fazê-las mais ou menos intuitivamente, ou podemos fazê-las usando os nossos melhores conhecimentos de engenharia. A chatice é que, no que respeita à filosofia política, não temos receitas fáceis como na engenharia. Temos muitos problemas em aberto.

Mas também aí a filosofia oferece uma vantagem, pois oferece a possibilidade de pensar com clareza, precisão e profundidade mesmo na ausência de resultados consensuais.

toupeira disse...

Hmmmm....

Eu não tenho carta, ando de transportes (comboio e metro). Quando chego a Lisboa, ando pelos passeios, não incomodando ninguém enquanto a fila de carros a meu lado polui o ar com os seus gases, ruídos e cores. Onde está o estado perfeccionista? Porque não proibir a circulação de automoveis ao ar livre (que andem de carro na sua casa)? E que tal promover a abolição do automovel através do aumento do IRS dos condutores e da redução do IVA para não fumadores?

Não é tanto a lei (com a qual eu concordo em grande parte e sou fumador) que me aborrece, é toda a hipocrisia que jaz subjacente. O fumo mata, mas não é só o do tabaco. O fumo dos carros de alta cilindrada dos nossos "representantes" na assembleia da república também mata. O excesso de velocidade também mata, porque não limitar os carros electronicamente e via satélite de acordo com a zona por onde circulam? A ignorância também mata e fecham-se escolas. O que irrita é o facto de se ter arranjado solução para um problema que pertence nem de perto nem de longe ao Top 5 dos grandes problemas actuais. O que realmente irrita é o argumento da saúde pública não serve porque é incoerente (afinal, nos casinos pode-se fumar e ainda gostava de saber como é com os fumadores que têm empregadas em casa) e hipócrita (embora não tenha números, não me parece que, pelo menos nos centros urbanos, o fumo dos fumadores prejudique mais os não fumadores que as emissões dos automoveis). O argumento da qualidade de vida ainda é mais rídiculo quando temos as questões da (in)justiça, da (des) igualdade social, da saúde, da (in)segurança, da (des)educação, da corrupção política e empresarial, etc, ainda por avaliar e resolver.

Enfim, esta lei é mais uma politiquice e não uma tentativa séria de resolver problemas de saúde pública. A próxima que se seguirá será a redução da carga fiscal, não para aumentar o poder de compra dos portugueses, mas porque já se vislumbram no horizonte as próximas eleições.

Divago...

Teodoro V. Pixel disse...

Saúdo o esclarecimento - é melhor que o texto original. Pode acontecer a qualquer.

Bruce Lóse disse...

Dério,

Devo agradecer-lhe a sua resposta, e é o que faço. Mas estarei sempre com um pé atrás em relação aos "resultados" da filosofia.

Desidério Murcho disse...

Caros leitores

Brucelose: Em filosofia raramente há resultados; a filosofia é uma disciplina zetética, uma disciplina de investigação de problemas substanciais em aberto. Os problemas em aberto são os problemas para os quais não há soluções amplamente consensuais. Isso confunde muitas pessoas que pensam assim: ou uma disciplina apresenta resultados, como a física, ou então não tem valor público. Isto é falacioso, porque podemos saber muito sobre um problema, se o estudarmos seriamente, e não saber realmente qual é a sua solução. Além disso, penso que estar perante a nossa própria ignorância, e aprender a lidar com isso e a tomar decisões, tem um valor público inestimável, pois ensina-nos a lidar com a incerteza e a diversidade de opiniões.

Teodoro: obrigado pelas suas palavras. É com a discussão aberta que esclarecemos as coisas.

Toupeira: penso compreender a sua posição, mas parece-me haver algumas confusões.

Primeiro, uma lei pode ser legítima ainda que os seus próprios defensores a defendam com argumentos errados (como a saúde pública -- eu acho que a lei se justifica sem ter nada a ver com isso).

Segundo, é falacioso argumentar que só podemos fazer uma lei legítima num caso se fizermos em todos os outros casos também. Se a lei é legítima neste caso, do facto de não ser feita nos outros casos só mostra que deve ser feita também nos outros casos, e não que não deve ser feita neste.

Terceiro, muitas coisas que seriam idealmente boas fazer não podem ser realmente feitas porque tornava a vida impraticável. Poderíamos proibir os automóveis nas cidades, mas isso traria transtornos em nada comparáveis ao transtorno que eu tenho para fumar um cigarro.

Finalmente, sou simpático à sua posição geral, mas esta baseia-se numa confusão. A posição geral é que certas defesas da lei do tabaco são palermices, e com isso concordo. E concordo que há outros casos em que precisamos de proteger o conforto alheio. Mas de nenhum destes casos se segue que a lei não é legítima.

Bruce Lóse disse...

Isso confunde muitas pessoas que pensam assim: ou uma disciplina apresenta resultados, como a física, ou então não tem valor público. Isto é falacioso

Mais falacioso seria assumir que eu estou a confundir os resultados da física com os da filosofia (um processo pode ser um resultado em si mesmo), porque não estou. Só que tive um dia complicado e a pior coisa que me podia acontecer era acabar a teimar com um filósofo. Ofereço-lhe esta!

Desidério Murcho disse...

Não presumi tal coisa. Se tivesse presumido isso em relação a si, te-lo-ia dito claramente, tal como disse à Toupeira que penso estar a fazer algumas confusões.

Fiz o comentário que fiz porque detecto este problema nas discussões públicas. Muitas pessoas (não estou a falar de si) parecem pensar que ou há soluções científicas ou então é o reino da anarquia e ganha quem tem mais força física, económica, etc., e não vale a pena insistir na dicussão de ideias cuidadosa, distanciada e informada.

Rolando Almeida disse...

Caros,
Bem, antes de tudo confesso que tem piada poder comunicar e ser lido pela Brucelose, que é prima do Bruce Lee, pela parte do pai, acho. E deve ser tia da Santa Carolina do Canadá.
Sei que um fumador pode sofrer com esta lei e que o sofrimento pode até ser complicado de suportar. Mas também tenho uma convicção muito forte de que o tabaco e a má forma como com ele nos relacionamos, fumando por vezes mais de 20 cigarros por dia, envolve ainda um outro aspecto que deve ser discutido e que está para além da lei, que é o aspecto pedagógico. Imagino o meu filho, que tem somente 2 meses e meio, quando tiver 17 anos, à porta de um bar com os amigos, provavelmente a fumar um cigarro e a dizer aos amigos: «O meu pai conta-me que no tempo dele as pessoas fumavam dentro dos bares. Eram completamente loucos!!!». Isto não é nada absurdo se pensarmos que também achamos absurdo que os professores, aqui há uns anos atrás, fumassem dentro das salas de aulas. Quando digo aos meus alunos que no meu tempo de secundário, os professores iam para o pátio fumar e os alunos adolescentes fumavam também, os meus alunos de 15 e 16 anos nem querem acreditar em tal loucura. Já agora aproveito para lançar uma ideia que muita confusão me faz: como é que o presidente da ASAE continua a ser presidente da ASAE depois de ter sido encontrado a violar a lei logo nas primeiras horas em que ela entra em vigor? A maior parte das pessoas com quem contacto acham que isto não passa de um fait divers. Mas não é! Parece ser um fait divers uma vez que em Portugal é muito natural, mas também muito parvo, que os lideres sejam os primeiros a dar os maus exemplos, desde os polícias, aos políticos, passando pelos professores, gestores e médicos. Eu estarei inteiramente de acordo com uma lei que puna severamente os incumpridores principalmente se forem figuras de relevo.
Abraço
Rolando Almeida

toupeira disse...

Caro Desidério

Eu não questiono a legitimidade da lei no seu todo (porque é que o dono de um estabelecimento comercial também paga uma coima se alguém estiver a fumar lá dentro?) , acho que esta é necessária e quando muito, peca por tardia. O que questiono é, como diz o Desidério, alguma patetice argumentativa de alguns não fumadores (e fumadores também) que ao falam em perigo para a saúde pública ao telemovel enquanto vêm de automovel em excesso de velocdade para Lisboa por pura comodidade e luxo. A saúde dos outros é muito importante mas, ao que parece, não é sempre. E sem pôr em causa a lei em si, existem sem dúvida casos mais graves de perigo para a saúde pública do que o cigarro dos outros.
Quanto aos carros, e como está tão na moda dar Londres como exemplo, pode-se sempre impor o sistema que a capital inglesa tem: paga-se uma tarifa (com o sistema da Via Verde seria relativamente simples de o fazer) para entrar em Lisboa. A cidade seria dividida em três coroas, quanto mais se penetrasse no centro da cidade, mais se pagaria. Talvez assim Lisboa deixasse de ser uma das (se não a) cidades mais poluidas da Europa e também uma das mais individadas... E os senhores políticos poderiam ser obrigados a escolher apenas carros híbridos ou de muito baixo consumo, mas acho que já estou a pedir o impossível...


Caro Rolando Almeida

Em relação ao caso do Sr. da ASAE no Casino de Lisboa:
Ao que parece, os casinos estão dentro de um regime de excepção na lei - tributação especial, licença especial para jogos de azar, etc.. - pelo que esta lei não se lhes aplica. Para se poder aplicar esta lei nos casinos, estes teriam de vir específicados no decreto lei. E, devido ao tal regime de excepção, a lei não pode ser aplicada por analogia, como o é noutros estabelecimentos comerciais (seria impossível especificar todo o tipo de estabelecimentos com porta aberta ao público). Isto leva a crer que o legislador sabia perfeitamente o que estava a fazer e deixou os casinos de fora propositadamente.

Nando disse...

Caro Desidério:

Concordando na generalidade com o seu artigo (e sendo fumador), só me resta fumar nas esplanadas, agradecer a clemência da corrente do Golfo, e esperar que o bem comum seja sempre enaltecido -- enfim, sou um mártir da tal sociedade maximamente livre!

No entanto, na discussão desta caixa de comentários, um comentário seu deixou-me de pé atrás:

"Em filosofia raramente há resultados; a filosofia é uma disciplina zetética, uma disciplina de investigação de problemas substanciais em aberto. Os problemas em aberto são os problemas para os quais não há soluções amplamente consensuais. Isso confunde muitas pessoas que pensam assim: ou uma disciplina apresenta resultados, como a física, ou então não tem valor público. Isto é falacioso, porque podemos saber muito sobre um problema, se o estudarmos seriamente, e não saber realmente qual é a sua solução."

No entanto, esta declaração poderia perfeitamente definir a física! Obviamente, esta tem de obedecer a um contraste permanente com os resultados experimentais -- que por si só são muitas vezes vagos. Mas a enormíssima maioria de artigos científicos produzidos não reclama a solução para nenhum problema em concreto; pelo contrário, adianta apenas mais algumas peças, sem se saber sequer se pertencem ao puzzle em questão.

Normalmente, só após alguns anos de acumulação de provas circunstanciais é que se procede à síntese do aprendido, tentando então formular uma resposta digna de aparecer num manual de texto -- e numa comunicação para agradecer o prémio Nobel.

Em suma: não estará a confundir ciência com técnica? Ou, em sua interposta defesa, pretendia apenas dizer que o público confunde as duas, exigindo resultados e respostas "úteis" (e céleres) à física.

Boa noite a todos,

Jorge

Desidério Murcho disse...

Caro Jorge

A questão que levanta é muito boa, mas não estou a fazer essa confusão, que muita gente faz de facto.

Se você comparar a ciência de ponta, o que se passa nas fronteiras da ciência, com a filosofia, então é o mesmo: é investigação do que não se sabe, há desacordos teóricos, teorias concorrentes, etc.

Só que o que se faz nas margens da ciência faz-se contra o pano de fundo de imensos resultados substanciais amplamente estabelecidos -- fundamentalmente, o que os estudantes aprendem no secundário e na universidade, até chegarem ao doutoramento ou ao mestrado. Na filosofia, começa-se a investigar logo. Quase não temos teorias substanciais amplamente consensuais sobre o que quer que seja. Ninguém sabe se temos livre-arbítrio, se Deus existe, o que é um pensamento, qual é o fundamento da ética ou o que são as verdades necessárias.

Unknown disse...

O post do Desidério mostra que não percebeu pevas do que escreveram o Carlos Fiolhais e a Palmira.

Fiquei surpreendida de ver quem tanto se insurge contra o autoritarismo do estado que quer regular a ortografia achar bem que o mesmo estado puna quem não se comporta como alguns iluminados querem!

Há uma linha de demarcação para o autoritarismo que começa a ser pisada e foi sobre esse pisar do risco que os dois escreveram.

Não sei se preciso lembrar que na Inglaterra donde saiu a ideia de proibir os aquecedores de rua se pretendia que os fumadores passassem para o fim das listas de espera do serviço nacional de saúde. Na prática, pretendia-se retirar o direito à assistência na saúde aos fumadores.

Acho excelente que a lei defenda os não fumadores como eu de levarem em cima com o fumo dos outros.

Acho preocupante que, sem tornar ilegal fumar, se façam leis com o propósito de perseguir e discriminar os "pecadores", sejam eles gordos ou fumadores.

Um estado democrático tem todo o direito e o dever de advertir para os malefícios de uma vida pouco saudável. Um estado democrático não pode punir quem não segue o que esse estado considera ser uma vida saudável!

Unknown disse...

O post do Carlos versava sobre uma proposta de lei que visa proibir que os gordos possam comer num restaurante.

O da Palmira sobre outra que visa proibir que os fumadores possam usar a rua, onde ninguém apanha com o fumo deles, para fumar com conforto. Se querem fumar então têm de ser punidos por isso, fazendo-o ao frio, levando com neve e com chuva em cima.

Em nenhum dos casos se está a proteger a saúde dos outros, está-se a discriminar e interferir com a liberdade pessoal de alguns.

Acho esquisito que o nosso filósofo não perceba a diferença... Mas enfim, todos temos os nossos pontos cegos...

Unknown disse...

Sobre as patetadas do Ludwig, que deturpa as contas de propósito para melhor vender o seu peixe, mostrando uma desonestidade intelectual surpreendente.

Não me surpreende que os fundamentalistas de alguma coisa achem que deve ser devidamente punido quem se afasta da mundivisão desses fundamentalistas.

É de facto um despedício de energia aquecer o ar exterior para não se congelar quando se fuma um cigarrito na rua. Mas também é um desperdício de energia aquecer o ar interior do carro, da casa, do Patlamento europeu, etc.. Há milhentos desperdícios de energia que ninguém ataca porque caíam muito mal.

Assim bora lá perseguir os fumadores que é politicamente correcto fazê-lo e ainda haverá quem, como o Desidério, o Ludwig e muitos mais, batam palmas!

Bruce Lóse disse...

iRita,

Você é um erro informático?
Esteve que tempos a discutir "rendimento energético" com base numa sinistra matemática do watt/ano e vem para aqui esguichar toxinas coercivas em nome da razoabilidade? Acupunctura, minha querida. Harmonizar as quatro componentes do indivíduo: o nervoso, a psique, o reumático e o diabetes. Depois com calma falaremos.

Unknown disse...

"O post do Carlos versava sobre uma proposta de lei que visa proibir que os gordos possam comer num restaurante.

O da Palmira sobre outra que visa proibir que os fumadores possam usar a rua, onde ninguém apanha com o fumo deles, para fumar com conforto."

Cara Rita,

Isso e uma forma excesivamente simplista de colocar a questao, esquece um ponto essencial que creio que ninguem ainda abordou aqui directamente. O ciencia e o conhecimento humanos estao a revelarnos um mundo cada vez mais complexo. Sao muito poucas as relacoes univocas e simples entre duas variaveis apenas no mundo.

A questao por tras do acesso de obesos a alimentos excessivamente nutritivos ou dos aquecedores na rua e que se reconhece actualmente que todas as accoes humanas tem impactos, muitas vezes exponenciais no mundo que nos rodeia.

O fumador (ou melhor dizendo, qualquer pessoa a usar um aquecedor de rua, dizer que isto e um problema dos fumadores e falacioso) nao esta simplesmente a usar a rua, esta a usar recursos finitos e a criar sub-produtos com impacto no ambiente de todos para uma actividade de utilidade duvidosa (fumar? fazer um barbecue no Inverno? gozar uma pint a ver os carros passarem na rua com 5 celsius?). E isto e para mim o cerne, os economistas chamam-lhes externalidades negativas, ou seja, custos ou beneficios que nao estao contabilizados nesta accao e que distorcem a atitude racional da pessoa, os filosofos chamam-lhe as consequencias sobre terceiros e os ambientalistas o impacto ambiental, mas no fundo estamos todos a falar da mesmissima coisa.

No caso dos gordos subjacente esta que a obesidade e neste momento classificado como uma doenca cronica e o seu impacto na sociedade so agora comeca a ser contabilizado de forma precisa: custos nos sistemas de saude, na produtividade do proprio e de terceiros ja para nao falar no consumo de recursos associado a providenciacao de alimentos em excesso para que uma pessoa permaneca doente.

E muito bonito andar por ai a proclamar a liberdade como valor essencial e dizer que o que cada um faz e individual e privado. Mas a realidade (essa chata incoercivel) teima em revelar que a liberdade, na vastissima maioria dos casos nao e mais que uma ilusao e que quase nao existem accoes privadas neste mundo, do nascimento a nossa morte (inclusive) tudo o que fazemos tem impacto a nossa volta.

E por isso mesmo e que mesmo a legislacao que se imponha para tentar balizar os impactos daquilo que fazemos deve ser seriamente avaliada antes e apos implementacao porque a propria accao de reduzir impactos tem ela propria impacto.

artur figueiredo disse...

Concordo que é legítimo proibir que alguém possa prejudicar outros mesmo que não o faça voluntariamente. Mas não é igualmente linear que seja legítimo que o estado, que há pouco mais de duas décadas era o principal promotor do consumo do tabaco, agora faça questão de escorraçar os seus consumidores para o olho da rua para poderem satisfazer o prazer por ele próprio incentivado.

Pode ser razoável proteger primeiro os direitos dos não fumadores, mas continuo a pensar que seria possível sem grande esforço nem elaboradas estratégias manter alguns direitos dos não fumadores.

Depois também tenho muitas dúvidas que a perseguição dos fumadores seja a melhor forma de combater o consumo de tabaco que o ser humano já faz há centenas de anos.

Se falarmos deste tipo de proibição em sociedades de outras latitudes será descabido falar de uma moda?

Hipocrisia em demasia, e a gente assobia!

Rolando Almeida disse...

Caro Toupeira,
Creio que esse buraco na lei só foi destapado depois do Presidente da ASAE ter sido encontrado a fumar no Casino. Curiosamente antes não se tinha falado se era ou não possível fumar nos Casinos. E se é assim como digo, a questão é ainda mais grave do que parece.
Abraço
Rolando Almeida

NOVA ATLÂNTIDA

 A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à info...