Os plásticos, cuja história a Elvira tão bem nos contou num post convidado no De Rerum Natura, são polímeros de síntese com temperatura de transição vítrea, Tg, superior à temperatura ambiente, isto é, à temperatura ambiente não há mobilidade das cadeias poliméricas e os plásticos são rígidos. Os elastómeros, no léxico do quotidiano designados muitas vezes por borrachas, são polímeros com Tg inferior à temperatura ambiente. Por sua vez, as fibras distinguem-se dos restantes polímeros pelo facto de serem cristalinos, isto é, nas fibras as cadeias poliméricas estão «bem arrumadas».
Dentro dos plásticos, distinguimos ainda os termoplásticos e os termoendurecíveis, aqueles que merecem o rótulo de não recicláveis pelo facto de as suas propriedades físicas e mecânicas serem conferidas por ligações cruzadas (cross-links) entre cadeias poliméricas, normalmente estabelecidas durante uma polimerização in situ.
O bifenol A é utilizado na produção de policarbonatos (um plástico «inquebrável» utilizado para lentes, garrafas, etc.) e de algumas resinas epóxido (para além da Araldite, muito utilizadas como revestimento de latas na indústria alimentar e como substituto das amálgamas em produtos dentários - naqueles tratamentos em que o dentista nos aponta ao dente uma pistola de UV, na realidade polimeriza in situ a resina utilizada).
De facto, embora exista outro policarbonato (um termoendurecível), quando nos referimos a policarbonatos estamos normalmente a referir um copolímero de bisfenol A e fosgénio, com tamanho de cadeias, o «n» na fórmula, variável consoante o processo de fabrico, cuja estrutura é a seguir representada.
De igual forma, as resinas epóxido são normalmente copolímeros de uma diamina e de ou uma molécula como o epóxido que a seguir se indica ou de um pré-polímero em que n é no máximo 25, ambos sintetizados a partir de bifenol A:
Os plásticos comerciais apresentam na sua composição, para além do polímero propriamente dito, uma série de aditivos. A «receita» destes plásticos é, regra geral, ciosamente guardada e permanece no segredo dos deuses. Alguns desses aditivos destinam-se a alterar as propriedades mecânicas dos polímeros, outros, nas resinas utilizadas pelos dentistas, são espécies fluorescentes que emulam a fluorescência da dentina para não parecermos um pirata de dentes negros nas discotecas e em outras situações em que tenhamos de rir sob «luz negra».
A síntese do bifenol A, BPA, sintetizado pela primeira vez em 1891, foi publicada em 1905 por Thomas Zincke da Universidade de Marburg. Nos anos 30 do século passado confirmou-se a sua elevada toxicidade em ratos, nomeadamente é um agonista dos receptores de estrogénio ou hormonas estrogénicas e por isso está relacionado com inúmeras anomalias do sistema reprodutivo (masculino e feminino) e com alguns tipos de cancros, especialmente o da mama, do endometrio, do fígado, dos ovários e da próstata. Não existem dúvidas sobre as propriedades estrogénicas do BPA, cujos efeitos se fazem sentir sobretudo ao nível da fertilidade.
Um estudo publicado em 2005 na Environmental Health Perspectives, «Urinary Concentrations of Bisphenol A and 4-Nonylphenol in a Human Reference Population», detectou em 95% da população analisada concentrações de BPA superiores a 0.1 µg/L de urina, com um valor médio de 1.33 µg/L, o que confirma a exposição generalizada a este xenoestrogénio.
A União Europeia impõe um limite de migração específica (isto é, libertação de BPA de polímeros à base deste monómero) para o BPA de 3 mg/L, limite que será reduzido para 0,6 mg/L a partir de Dezembro de 2007. Nos recipientes destinados à alimentação de crianças, nomeadamente biberões, o limite é de 0,3 mg/L. Estes limites garantem que mesmo em condições drásticas de utilização, os recipientes libertam quantidades de BPA muito inferiores aos limites de Ingestão Diária Tolerável (TDI) estipulados pela UE.
A UE estabeleceu em 29 de Janeiro do corrente ano (documento pdf) a TDI do BPA em 0,05 mg (ou 50 μg)/kg (cinco vezes superior ao previamente estabelecido), muito abaixo do que considera o Nível de Efeito Adverso Não Observável (NOAEL), 5 mg/kg/dia.
Há cerca de quinze dias foi lançado um aviso por um grupo de cientistas contra a utilização de plásticos contendo BPA (que aparentemente para além de monómero é usado como aditivo em alguns plásticos) que sugere que estes limites deviam ser revistos. O aviso foi publicado na revista «Reproductive Technology», e os seus autores usaram cerca de 700 estudos sobre o efeito de BPA em animais para concluir, numa linguagem forte e peremptória, que estamos expostos a níveis de BPA superiores àqueles que se sabe serem prejudiciais em ratos.
A indústria de plásticos, que mantém uma página devotada a rebater todos os estudos que sugerem a toxicidade em humanos do BPA, reagiu dizendo que os cientistas são alarmistas e que o uso de BPA é seguro, citando dois estudos governamentais que concluem não existirem evidências suficientes para restringir o uso de BPA devido às diferenças metabólicas entre humanos e ratos.
Frederick vom Saal, da Universidade de Missouri-Columbia, respondeu dizendo «Não há praticamente diferença na forma como as células dos ratos respondem ao BPA e a forma como os humanos respondem». Embora não existam estudos ligando a exposição a BPA a efeitos no homem, os cientistas esperam que esta declaração suscite o interesse do público no assunto.
E de facto este aviso teve efeitos quasi imediatos. Um painel do NIH (National Institute of Health) reuniu para o efeito e manifestou prontamente alguma preocupação em relação a danos neurológicos em crianças mas, como nos dá conta a Nature em 10 de Agosto (acesso restrito a assinantes), considerou baixos os restantes riscos, nomeadamente reprodutivos, apontados no aviso expresso no «Reproductive Technology».
Mais concretamente, o National Toxicology Program Centre for the Evaluation of Risks to Human Reproduction reuniu um painel de 12 cientistas que depois de analisar os dados disponíveis concluiu que há um risco desprezável no uso dos referidos polímeros, expressando alguma preocupação em relação a possíveis efeitos neurológicos e comportamentais devidos à exposição de grávidas a BPA, indicando serem necessários mais estudos sobre o assunto.
As conclusões do painel foram saudadas por Steven Hentges, que representa os fabricantes de BPA e policarbonatos numa organização ligada à indústria química americana, o American Chemistry Council.
Por sua vez, Anila Jacob do Environmental Working Group, afirma que as conclusões do painel assentam num relatório elaborado por uma firma de consultoria com ligações à indústria, despedida por conflito de interesses. Este relatório preliminar foi declarado sem bias e serviu de base às conclusões do painel, liderado por Robert Chapin da Pfizer e em que não havia peritos em BPA.
Como tal, Anila afirma que o documento emanado do painel está cheio de erros e da influência da indústria. Segundo a cientista, «Apenas a indústria química concorda com a decisão que o BPA apresenta poucos ou nenhuns riscos para a saúde humana. O que por si só diz tudo sobre o processo corrupto subscrito hoje pelo painel».
Um artigo na revista Science de 17 de Agosto mostra que a controvérsia continua acesa, embora não tenha dado conta dela deste lado do Atlântico.
Talvez porque o «Apelo de Paris» (documento pdf em português), lançado em Maio de 2004 e que recebeu o apoio de inúmeras ONGs e do Comité Permanente dos Médicos Europeus, já incluía o bifenol A nos xenobióticos cancerígenos, mutagénicos ou tóxicos para a reprodução a retirar do mercado.
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5 comentários:
Bom post. Parabéns.
Alguns bonecos de plástico, polímeros, portanto, conseguem chegar ao poder em certos países da Cauda da Europa. Depois, aquece, eles derretem-se e é um trabalho para os "despeganhar" de lá... :-)
Eu já só bebia água da torneira, agora vou passar a ver se alguma coisa que eu consumo tem o tal PDA para o tirar da lista.
Li algumas das referências e por mim acho que estes polímeros deviam ser completamente proibidos!
BPA, não PDA.
Palmira,
Trazes, mais uma vez, para a agenda um assunto de grande importância. Entre outros, referes o problema da potencial toxicidade de substâncias que fazem parte do nosso quotidiano e das quais muito dependemos. No que diz respeito aos aditivos, por exemplo, os ftalatos, aditivos usados em vários artigos de PVC, nomeadamente brinquedos, material para os hospitais, etc, têm originado grandes discussões entre a EU, USA, grupos ambientalistas, e.g., Greenpeace no sentido da sua proibição. À volta deste debate são apresentados argumentos, estudos e pareceres por parte de comissões de cientistas, indústria, políticos e organizações independentes ligadas à saúde. Cada um apresenta as suas fortes razões, uns a favor da proibição (Greenpeace e políticos da EU) e outros contra a proibição (indústria, EUA, cientistas). A Greenpeace e os políticos da EU na defesa da proibição argumentam com o princípio da precaução (conceito tornado popular por ocasião das discussões ambientais na Alemanha dos anos 1970s) e os cientistas e a indústria na defesa da não proibição argumentam com a falta de evidência científica. Pelo meio vão-se levantando questões filosóficas muito interessantes tais como: o que é isso do princípio de precaução e o que é isso de evidência científica. Este assunto vem sendo discutido com afinco desde 1990s depois do alarmismo trazido pela Greenpeace, em meados de 1980s, sobre os brinquedos de plástico da Chicco produzidos na China.
Maria Elvira Callapez
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