quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Difícil é educá-los

Parafraseando o título dum livro de entrevistas - Dífícil é sentá-los - a Marçal Grilo, ex-Ministro da Educação, David Justino também o ex-Ministro da Educação (2002-2004), publicou recentemente um livro intitulado Difícil é educá-los, que se apresenta como o 5.º volume da Colecção Ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Num jornal de distribuição gratuita - Ensino Magazine - do presente mês de Dezembro, apresenta-se uma longa entrevista de Nuno Dias da Silva com o título Não há visão de futuro para a educação em Portugal. Reproduzo algumas passagens dessa entrevista que considero particularmente interessantes pelo facto de traduzirem o pensamente de alguém que teve responsabilidades na pasta da Educação.

"E.M: Depois de citar textos de Oliveira Martins sobre o «estado da Educação», publicados em 1988, diz que temos problemas com um século

D.J: Exitem duas perspectivas: ou os problemas têm um século ou aforma como eles são encarados é que tem um século. Ou seja, o discurso sobre educação tende a reproduzir estereótipos e alguns deles têm mais de cem anos. Quando citei Oliveira Martins era para chamar a atenção que o discurso utilizado no David Justino XIX, em alguns aspectos, não mudou nada. Insiste-se muito no registo da insatisfação, mas as críticas não são necessariamente fundamentadas. Hoje toda a gente discute educação como quem discute futebol. Na verdade, não discutem, porque falam sem saber. As pessoas não estudam, não analisam e reproduzem o que lêem nos jornais e ouvem na televisão. Seria preciso debater sobre dados concretos e o meu ensaio é um contributo pedagógico para isso, procurando transmitir que certos problemas só se resolvem num contexto mais alargado, distanciado da agitação do dia-a-dia.

E.M: O mediatismo em torno do sector tem prejudicado a resolução dos problemas mais prementes?

D.J.: A educação está há demasiado tempo no topo da actualidade. Desde meados da década de 90 que a educação é uma espécie de constante campo de batalha. Vivemos numa sociedade de «achistas», em que as pessoas preferem achar a pensar e que reflecte o nível de escolarização que existe em Portugal. Não existem hábitos de reflexão e análise sobre os problemas, preferindo-se enveredar pela lógica do confronto. O problema é que andamos há 15 anos a porfiar sobre temas que em nada resolvem os problemas da educação. A opinião pública entretém-se a chafurdar naquilo que é acessório, ao sabor das notícias dos jornais, e dos casos da professora que tirou o tememóvel à aluna, do bullying, etc. Muitas das pessoas que hoje falam mal da novas gerações porventura já se esqueceram do que é que eram.

E.M: Está a referir-se ao termo «geração rasca»?

D.J.: Esse é um termo injusto, datado de meados da década de 90, porque nessa altura a maior parte das pessoas era menos escolarizada do que é hoje. Como é que uma geração, como muitos analfabetos, tem a ousadia de criticar uma geração bem mais informação e com uma nova perspectiva? Insurjo-me muito contra essa frase feita de «que no meu tempo é que era»... Quando eu era aluno, a maior parte da população era analfabeta. As pessoas esquecem-se disso...

E.M: A lógica instalada do «diz-se que diz-se» mina a coesão social?

D.J.: O país precisa de assumir colectivamente um atitude construtiva e o ponto de partida é definir claramente o que é que sabemos. O problema é que as pessoas não sabem o que é que querem da educação. Mesmo os que têm responsabilidades políticas estão de tal forma enredadas na teia mediática que se esquecem de resolver os problemas de médio e longo prazo, limitando-se a apagar os «fogos» que vão aparecendo todos os dias. Muitas políticas são introduzidas a reboque das manchetes dos jornais.

E.M: Onde fica a visão de futuro com esta exclusiva gestão do dia-a-dia?

D.J.: Não existe. Devíamos estar preocupados com o tipo de educação que vai ter uma criança que entra agora no jardim de infância nos próximos 15 ou 20 anos. Alguém fala disso? Este país consome-se no curto prazo, e a educação não foge a essa vertingem e não conseguiremos progredir sem uma visão de longo prazo."

7 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem,

Assumindo que o entrevistado é coerente, deve haver partes na entrevista onde ele diz o que acha que esta bem no funcionamento do sistema actual, com vista à educação das tais crianças que entram hoje no jardim de infância, e também partes em que explica o que pode ser aperfeiçoado, e como.

Porque não coloca antes essas partes em linha ?

E' que se é para ouvir mais uma vez que o problema é complexo, e que as pessoas não o encaram de forma razoavel, apetece dizer que ja chega. Ja estou suficientemente convencido de que o discurso sobre politica de educação é permeavel à demagogia. Acho inevitavel que assim seja, uma vez que se trata de uma das principais questões politicas do momento, senão mesmo a principal.

No entanto, embora não seja especialista, discordo de uma parte importante do post : acho que sei o que espero do sistema de educação publica e que sou capaz de olhar friamente e com objectividade para os dados que nos permitem saber se ele cumpre, ou não os objectivos.

Sera descabido exigir das pessoas que se queixam (e bem) da demagogia, que comecem elas proprias a debater em termos construtivos ?

Cumprimentos

joão viegas

Augusto Kuettner de Magalhaes disse...

Excelente entrevista, está aqui tudo dito.
Excelente, felicitações a David Justino.

melhores cumprimentos

Augusto Küttner de Magalhaes

nota: este livro : DIFICIL É EDUCÁ-LOS, custa, 3,15 Euros no Pingo Doce, muitos o queiram ler, que muito aprendemos.

Rui Augusto disse...

Reflectir no século XX é olhar a manipulação dos princípios morais que se está a operar, geração após geração, lentamente e com objectivos precisos. Chega de afirmar que o povo é inculto, uma vez que o significado disso também varia no tempo. Todos sabemos que a permissibilidade leva ao caos, não à liberdade ou sabedoria. A perda de valores e referências é um mau prenúncio para qualquer povo, ainda mais quando a tecnologia parece querer tomar o seu lugar.

"Porque estudar uma Arte?" é um artigo que proponho como reflexão:
http://flautatransversal.blogspot.com/2009/04/estudar-uma-arte-porque.html

José Batista da Ascenção disse...

No nosso país, no domínio da educação, há coisas deveras curiosas. A começar pelos ministros que, enquanto ministros, não conseguiram mostrar sequer o que pretendiam para a educação, quanto mais deixar obra que pudéssemos apreciar. E quando deixaram, pobre é o resultado, por mais gráficos encorajadores que nos venham da OCDE...
De tal sorte que, quem anda no terreno todos os dias, chega a ter vontade de dizer: "Difícil é que (os ex-ministros) se calem".
Por pudor...

Anónimo disse...

Mais um que passou pela 5 de Outubro e nada fez de jeito. E, agora, escreve livros...
Nem mais uma frase gasto para comentar com este post.

Augusto Kuettner de Magalhães disse...

Difícil é educá-los

Ao lermos o livro em questão, convém ter em atenção uma frase excelente que David Justino utiliza no respectivo prefácio:
…neste mundo virado do avesso que nos surpreende e atormenta dia a dia.

Muito importante e muito necessária esta frase, dado que apesar de estarmos menos bem relativamente a todos os outros, as incertezas, também na Educação são transversais a vários países e veja-se o que está de menos bom a acontecer, nesta área, no Reino Unido.
Logo, ao estarmos efectivamente menos bem e de facto termos que ficar – como? Quando ? - bem melhores, não podemos esquecer o contexto.
E, mesmo que muito divaguem quanto aos recentes resultados obtidos pelo nosso País no PISA, sejam por que foram comprados, seja pelo que possa ser, convém estudá-los e fazer algo mais, , também nesta área de positivamente diferente!
Para não ficarmos a sempre mal dizer e a não sair do sitio…….

Parabéns uma vez mais a DAVID JUTINO, por este seu excelente contributo.
Augusto Küttner de Magalhães

Richard Majece disse...

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