quarta-feira, 24 de novembro de 2010

À procura do remate perfeito



Post convidado do físico Armando Vieira (no vídeo o supergolo de Roberto Carlos, no França-Brasil de 1997):


Rematar uma bola com precisão requer uma grande perícia que leva anos a aperfeiçoar. E se esse conhecimento fosse, porém, expresso através de um modelo computacional de forma a prever o golo mesmo antes de a bola sair do pé? Se o jogador fosse capaz de tirar partido desse modelo poderia acelerar imenso o longo processo de aprendizagem da técnica do remate perfeito. Impossível? Talvez não.

O futebol é um desporto e uma arte de grande destreza física. Mas é também uma ciência. Desde há muito que a ciência tem sido aplicada ao desporto, por exemplo na optimização do desempenho de atletas, do ponto de vista do treino físico, de forma a tirar o máximo proveito das suas potencialidades. Tem sido também aplicada com sucesso no desenho de bolas de futebol ou no calçado desportivo.

No entanto, no caso do futebol, há ainda um longo caminho a percorrer naquilo que a ciência é capaz de fazer por este desporto. Recentemente, publiquei um artigo científico no qual estudei, de uma forma simplificada, o remate de uma bola de futebol. Nesse artigo apresentei os resultados do cálculo de quantidades como velocidade e força da bola quando é chutada. Os dados deste modelo foram validados usando uma câmara de vídeo de alta velocidade, com 1000 frames por segundo, onde se podiam ver todos os pormenores de um remate que dura apenas um centésimo de segundo. Usando essa câmara e algum processamento digital de imagens por software fui capaz de determinar a forma como o pé do jogador interage com a bola e como a bola sai do chão – velocidade, rotação e ângulo.

Interessante. Contudo o objectivo do futebol não é fazer investigação científica, mas sim marcar golos. Certo? Sim, mas a ciência pode ter respostas inesperadas e por isso há que não fazer juízos de valor precipitados.

Um remate é formado por dois momentos: i) o instante em que o pé transfere energia para a bola e lhe imprime movimento; e ii) o voo da bola até o seu destino final. A partir do momento em que a bola deixa de estar em contacto com o pé tem o seu destino traçado - ela fica escrava das equações da aerodinâmica. Mas essa é a parte fácil: dada a forma da bola, o ângulo com que deixa o solo, a velocidade e rotação, é relativamente simples calcular a trajectória. A parte difícil, e que ainda ninguém estudou em pormenor, é saber como interage o pé com a bola de forma a responder a questões como esta: que tipo de pontapé é capaz de imprimir à bola uma certa velocidade e um certo ângulo?

Todos gostamos de ver bons remates e golos espectaculares como o do Roberto Carlos em que a bola parece que sai e, no último segundo, vira para dentro da baliza. Mas estes remates levam anos a ser aperfeiçoados e só os melhores os conseguem realizar. Acredito que, com uma abordagem mais científica ao mundo do futebol, designadamente com o desenvolvimento de modelo computacionais do remate, as equipas teriam muito a ganhar na performance dos seus jogadores, pelo menos na aceleração da aprendizagem destas técnicas.

A ciência não quer, nem pode, roubar a beleza deste jogo. Pelo contrário, usada apropriadamente, pode ser uma ajuda preciosa para tornar o espectáculo ainda mais espectacular.

Armando Vieira

2 comentários:

Carlos Medina Ribeiro disse...

Acerca do "efeito" que Roberto Carlos imprime à bola, ver [AQUI].

Filipe Alexandre disse...

Não merece consideração a preparação do remate propriamente dito? Antes do contacto do pé do atleta com a bola ocorre uma série de acções cinemáticas decisivas para o sucesso. Note-se que os executantes especialistas elaboram metodicamente um quase "ritual" na fase de preparação (e.g. no caso do Roberto Carlos é característico o "skipping" baixo na fase incial)

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