sexta-feira, 19 de novembro de 2010

CASAR OU NÃO CASAR: EIS A QUESTÃO DE DARWIN


A Colecção de Livros de Bolso da Europa-América acaba de publicar "Escritos Íntimos" de Charles Darwin (n.º 683 da colecção), que inclui notas pessoais do grande naturalista inglês: Eis as suas reflexões sobre um futuro casamento rabiscadas num papel em 1838:
"1. Eis a questão

Casar

Filhos - (se aprouver a Deus) - uma companheira fiel (e uma amiga na velhice) que se interesse por nós - um objecto para amarmos e para nos divertirmos - melhor do que um cão em todos os sentidos. - Uma lareira e alguém que se ocupe da casa. - Os encantos da música e da tagarelice femininas. - Essas coisas são boas para a saúde - mas terríveis perdas de tempo. - Forçado a fazer visitas e a receber os parentes. -

Meu Deus, será suportável pensar que vamos passar a vida como uma abelha, a trabalhar, a trabalhar, sem conseguir nada no fim. - Não, não, impossível.- Imagine-se alguém que passa todos os seus dias sozinho numa casa suja e cheia de fumo em Londres. - Agora imagine-se com uma esposa doce, calmamente sentado no sofá, talvez com livros e música - compare-se esta visão com a terna realidade de Great Marlboro' St.

O casamento - o casamento - o casamento QED.

Não casar

Nada de filhos (nada de vida dupla) ninguém para cuidar de nós na velhice. - Para quê trabalhar no duro sem a amizade dos bons velhos amigos - e quem são os bons velhos amigos de um velho senão os membros da família?

Liberdade para ir onde se quiser - escolha de lugares a frequentar, em pequeno número. Conversas em clubes com homens inteligentes. - Nenhuma obrigação de fazer visitas a parentes e de vergar a todas as ninharias . Nem de fazer face às despesas e preocupações com os filhos - talvez mesmo às disputas - perda de tempo. - Ler o mais possível à noite - gordo e ocioso - a inquietude e responsabilidade - menos dinheiro para os livros, etc. - Se tiver muitos filhos, forçado a ganhar o seu sustento. - (Mas, por outro lado, é muito mau para a saúde trabalhar demasiado). Talvez a minha mulher não goste de Londres; então a sentença será o exílio e a degradação no sentido de um imbecil indolente e sem obra. -

2. Estando provado que o casamento é necessário

Quando? Cedo ou tarde.

O perceptor diz "cedo", porque senão mau será se tivermos filhos - temos o carácter mais flexível - os sentimentos mais vivos, e, se não casarmos rapidamente, passamos ao lado de muita felicidade pura. -

Mas, enfim, se casasse amanhã: haveria uma infinitude de complicações e despesas para adquirir e mobilar uma casa - lutar contra as mundanidades - os toques de alvorada - a falta de jeito- a perda quotidiana de tempo (a menos que a esposa seja um anjo e faça as coisas de modo a podermos continuar a trabalhar). - E depois como posso tratar de todos os meus assuntos se serei obrigado a fazer todos os dias um passeio com uma* a minha mulher. Eheu!! Nunca poderei aprender francês, - nem ver o continente - nem ir à América, nem andar de balão, nem fazer uma viagem sozinho pelo País de Gales - pobre escravo! - Valerás menos do que um negro - e então pobreza horrível (a menos que a esposa seja ainda melhor do que um anjo e tenha dinheiro) - vamos, meu rapaz, nada de inquietações - Coração ao alto - Não podes viver esta vida sozinho, com uma velhice coxa, sem amigos, sem filhos e ao frio. Olhando cada um frente a frente enquanto as rugas se multiplicam. Fia-te na virgem e não corras. Olho aberto. Há muitos escravos felizes. - "

Charles Darwin

* Palavra "uma" riscada no original.

A 29 de Janeiro de 1939, poucos dias depois de ter entrado para a Royal Society, Charles Darwin casou com Emma Wedgwood.

11 comentários:

Rui Baptista disse...

É atribuída a Sócrates (o filósofo!) o seguinte pensamento: "Quer te cases, quer não te cases, tem por certo o arrependimento!"

Como se vê, nestas coisas de matrimónio, não há por onde escolher...

António Daniel disse...

Ou seja, a diferença entre um casado e um solteiro reside no facto do primeiro ter uma vida de cão e morrer como um rei e do segundo viver como um rei e morrer como um cão.
Li isto algures.

Anónimo disse...

Um texto profundamente misógino e racista.
Uma vergonha.

Exemplos:


"uma companheira fiel (...) melhor do que um cão em todos os sentidos."

"Valerás menos do que um negro"

"Há muitos escravos felizes."

Como se pode admirar um homem assim?

Anónimo disse...

Dentro de portas, que mesquinhos são por vezes os homens de ciência! JCN

joão boaventura disse...

Respeito as críticas, mas não podemos exigir de um cientista que seja um santo e albergue todas as virtudes.

Devemos respeitar o pensamento íntimo de Darwin, os seus desabafos, os desabafos que qualquer mortal tem para consigo mesmo, mas que nem todos os transmitem ao papel.

Sobre o casamento assemelha-se muito à confissão do sociólogo Norbert Elias que, numa entrevista argumentou nunca se ter casado porque casamento e investigação não se conjugavam: teria de enfrentar sempre os ciúmes da cônjuge com o tempo dedicado à investigação.

Nesta caso, como soe dizer-se, aplicava-se à investigação a tempo inteiro. Numa entrevista biográfica feita na Holanda, em 1984, confessou: “trabalho sempre muito duro [de 11 às 22h segundo os entrevistadores], e o faço tendo consciência de que devo criar as condições nas quais a minha obra possa efectivamente se tornar parte integrante da tradição sociológica. Trabalho sempre muito para atingir esse nível.”

Simplesmente Norbert Elias nunca teve tempo para escrever, nas horas vagas (teria tido?), as congeminações por que Darwin passou e escreveu.

Quanto ao racismo, pouco podemos falar, porque ainda hoje perdura, mau grado nosso. E não são os pensamentos íntimos que vão minimizar a obra de Darwin.

Na sequência deste discurso proponho a leitura livre de Norbert Elias por Ele Mesmo.

JonDays disse...

Tem piada pois peguei neste livrinho e li exactamente esta parte que falava sobre a questão do casamento. Acho que se mantém muito actual, em todos os sentidos :)) Por muito que se creia, o homem não mudou assim tanto nos últimos 200 anos! Os dilemas continuam os mesmos de sempre! Quanto ao comentário que nos diz que Darwin é um racista, que dizer então de inúmeros santos da igreja católica, que foram ferverosos inquisidores e matavam por amor!!??

Anónimo disse...

Se os inquisidores fossem propriamente racistas, teriam queimado "por amor", não os judeus e reformistas, mas os pretos, os amarelos e os peles-vermelhas, o que não consta! JCN

Anónimo disse...

Quem não quer ser julgado pelos seus pensamentos ou sentimentos... não deve escrevê-los, guardando-os para si! JCN

Anónimo disse...

Os sábios, ao contrário dos santos, nem sempre constituem padrões de vida nas esferas da moralidade. JCN

joão boaventura disse...

Caro JCN

Desculpe, mas Darwin não escreveu para os divulgar, fê-lo como um diário pessoal, e não deu indicações para os pôr à luz do dia. Quem o fez foi a família que os disponibilizou, mas devia estar imbuída do espírito folhetinesco.

Toda a gente gosta de saber minudência da vida íntima dos grandes, no pressuposto de encontrar nela as raízes que catapultaram sábios, matemáticos, escritores,... para as luzes da ribalta. E depois fica desiludida, porque o segredo continua bem guardado nos grandes homens que, possivelmente, também eles o desconhecem.

Anónimo disse...

Desculpe, Dr. João Boaventura, mas Darwin seria tudo... menos um mentecapto! JCN

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