sexta-feira, 26 de novembro de 2010
INTERVALO CRESCENTE
Crónica escrita a partir do poema "Máquina do Mundo", de António Gedeão (in Máquina de Fogo, 1961), e elaborada para o Exploratório Infante D. Henrique, Centro de Ciência Viva de Coimbra, no âmbito da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, a decorrer entre 22 e 28 de Novembro de 2010.
[α,∞)?
Que intervalo de tempo e de espaço, de matéria e de energia, é esse Universo em que a nossa vida pontua? Em que singularidade se originou? Quando é que foi t = 0? Há cerca de 13,7 mil milhões de anos, quando todo o Universo, conhecido e desconhecido, estava reunido num único ponto infinitesimamente compacto, imensurável, adimensional!?
Foi Georges Lemaître, padre e cientista, o primeiro a propor, em 1927, um início assim para o Universo. Sem dimensões de tempo nem de espaço, uma singularidade. Chamou-lhe a “hipótese do átomo primevo” e baseava-se em assumpções decorrentes da teoria da relatividade geral de Einstein. Anos mais tarde, em 1949, Fred Hoyle haveria de baptizar, ainda que pelo ridículo, esse momento com a designação de “Big Bang”.
O modelo do “Big Bang” não descreve a singularidade, mas sim o que aconteceu imediatamente a seguir a ela e que acabou por nos dar origem. Segundo a teoria mais corrente do “Big Bang”e a teoria da inflação, a partir da singularidade, esse nada absoluto grávido de tudo, o universo expandiu-se, súbita e incontrolavelmente e, em cerca de 0,0000000000000000000000000000001 segundo, emergiram as forças da gravidade, do electromagnetismo, as forças nucleares fortes e fracas.
Sob acção destas forças, uma revoada de partículas elementares, fotões, electrões, protões, neutrões, resultantes de outras fundamentais como os quarks, polvilharam o nada em todas as direcções, num número de partículas de cada tipo na ordem de 1 seguido de 89 zeros!
Em 1929, Edwin Hubble observou que a distância aparente de galáxias distantes era tanto maior quanto maior fosse o desvio para o vermelho dos seus espectros luminosos observáveis. E, espantosamente, verificou que quanto mais distantes se encontravam maior era a velocidade a que se afastavam da nossa posição aparente.
Constatamos que as galáxias mais longínquas se afastam umas das outras a velocidades tanto maiores quanto mais longe estiverem de nós. Afastam-se de quê? Da singularidade inicial. Vão para onde? Para o nada infinito no tempo, finito num intervalo de espaço em expansão!
Até onde podemos ver, e ver permite-nos calcular distâncias no espaço e no tempo, através dos actuais radiotelescópios, a fronteira do Universo visível encontra-se algures a 145 biliões de triliões de quilómetros (14 000 milhões de anos-luz) de distância aparente!
Universo visível? …O espanto esmaga-nos com o peso do Universo que não é visível, “preenchido” por matéria dita negra e que corresponde a 85% de toda a matéria do Universo. Viajamos num mar de escuridão que não emite radiação electromagnética! E por isso esse oceano cósmico é indetectável pelos nossos olhos, adaptados que estão a sentir uma pequena fresta, um intervalo suficiente do espectro da luz solar.
E que vazio? Incomensurável! Num átomo de hidrogénio, o combustível das estrelas e o elemento mais abundante do Universo, 99,9999% é vazio! O seu núcleo, constituído por um único protão, ocupa apenas 0,00001% do volume de todo o átomo. O resto é nada e uma certa probabilidade de encontramos um electrão, num determinado estado quântico.
E é pelo balanço delicado entre repulsão e atracção electrostática entre nuvens electrónicas e núcleos atómicos, “coreografias” magnéticas e tudo o mais que se expressa nos princípios colombianos, quânticos e de exclusão, que as indiscerníveis partículas fundamentais dos átomos interagem, dando-nos esta sensação de matéria, quando apertamos as mãos.
E, paradoxalmente, é esse intervalo cheio de vazio que permite interacções entre átomos diferentes, gerando compostos que arquitectam a vida tal qual a conhecemos.
Somos então um intervalo vazio semeado de partículas e energia, cerzidos no tear sempre crescente de tempo e de espaço.
E, neste intervalo assim crescente, somos o resultado de uma singularidade de gente.
António Piedade
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8 comentários:
Fico aturdido com as maravilhas
que continuadadamente nos revela
neste país repleto de pandilhas
que são do mundo a principal mazela!
JCN
Apenas três apontamentos.
1) Dizer que o universo tem 13.7 biliões-de-anos sem especificar em que sistemas de coordenadas isso se estabelece, é não perceber o tempo.
2) No texto parece que há uma confusão entre horizonte de partículas e matéria escura. Os 14 milhões de anos luz é o horizonte de partículas (mais concretamente, a distância percorrida pela luz em coordenadas de comovimento entre o início do espaço-tempo e o presente -- isto é, o "raio causal"), determinando o universo observável no presente. Enquanto matéria escura é um conceito que descreve algo que possui "carga gravítica" e interage muito pouco ou absolutamente nada do ponto de vista electromagnético (invisível, pela definição do que é "ver").
3) Isto não deve estar bem "(..) segundos, emergiram as forças da gravidade, do electromagnetismo, as forças nucleares fortes e fracas.", simplesmente porque estamos a falar de forças bastante distintas e que portanto têm o seu papel em épocas diferentes da história do universo.
Como pode confirmar, eu não afirmei, questionei.
Agradeço muito os seus apontamentos, que esclarecem algumas dúvidas inclusas no texto e que também colocam novas questões.
António Piedade
Uma pequena correcção, o Universo tem 13 700 000 000 anos, isto lê-se 13.7 biliões-de-anos se utilizarmos a "escala curta" que é utilizada em países como o Brasil, o Reino Unido ou os EUA. Em Portugal e na maioria da Europa Continantal utiliza-se a "escala longa", pelo que se deve ler 13.7 mil milhões de anos.
Outra nota, o limite do horizonte do Universo (também utilizando a "escala longa") são cerca de 46 mil milhões de anos e não 14, este número é maior que a idade do Universo, mas o valor é explicado pela expansão do Universo. Aqui seria bem vinda uma explicação mais completa por parte dos físicos do fórum.
Com rigor ou sem rigor físico o texto já é por si um excelente desafio intelectual...pelo menos para leigos como eu (embora de espírito aberto, entenda-se).
Daniel de Sousa
Quanto à dúvida no comentário sobre o tamanho do Universo, tendo em conta a expansão do Universo, deixo este artigo:
http://astropt.org/blog/2009/12/15/tamanho-do-universo/
Carlos
Mais palmo menos palmo, que interessa, realmente, o tamanho do universo... em permanente expansão?! Fiqueme-nos pelo incomensurável. Já não é pouco! JCN
Alguém, os físicos deste magnífico Blogue, pode explicar se o tempo se expande da mesma forma que o espaço? Obrigado.
MS
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