quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Uma Lágrima


Crónica a partir do poema “Lágrima de Preta”, de António Gedeão, in Máquina de Fogo, 1961, e elaborada para o Exploratório Infante D. Henrique, Centro de Ciência Viva de Coimbra, no âmbito da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, a decorrer entre 22 e 28 de Novembro de 2010.

De tanto rir, uma lágrima cai na palma da mão de António. Espantado com a gotinha de líquido translúcido na mão, António aproxima-a dos olhos para melhor a contemplar. É uma gotinha que parece repousar suavemente sobre a pele, tão perfeita na sua redondeza. Olha através dela e vê uma miríade de pequenos arco-íris num festival de luz e cor.

- É a luz solar a ser refractada no interior da lágrima e reflectida para os teus olhos. – Diz uma voz familiar. Orientado pelo som, António foca o seu olhar na superfície da lágrima e vê a imagem nela reflectida do seu tio Rómulo, que acaba de chegar.

- Olha tio Rómulo, uma lágrima minha na palma da minha mão. – Diz António elevando a mão até à altura do olhar de seu tio.

- Parece uma bola colorida, cheia de arco-íris! – Brinca Rómulo, e pergunta. – Sabes de que é feita?

- De água…- responde António hesitante. – …e são salgadas, as lágrimas…

- Sim. – Confirma o tio Rómulo. – Água (H2O), quase tudo, e cloreto de sódio (NaCl).

Acrescenta com um sorriso.

- E nada mais? – Inquire António com ar desconfiado.

- Sabes António, as lágrimas têm propriedades ópticas excepcionais devido a uma mistura complexa de muitos átomos e moléculas que não só a água e o cloreto de sódio.

- Quantos átomos e moléculas diferentes numa única lágrima? – Pergunta António, curioso a olhar mais de perto para a lágrima que tem na mão?

- Um número astronómico de átomos de oxigénio e hidrogénio; um nada menos de carbono, nitrogénio e enxofre; algumas pitadas de potássio, sódio, cloro, cálcio, ferro e manganésio; vestígios de outros elementos, quanto baste. Enfim, podemos dizer que a tabela periódica dos elementos está muito bem representada numa lágrima.

- Tudo isso numa única lágrima? – Insiste António. – Como é que sabemos isso, como é que conseguimos ver tantos elementos nesta lágrima se ela é assim tão transparente e sem cor?

- As ciências analíticas, qualitativas e quantitativas, avançaram muito. – Começa a explicar o tio Rómulo – Os cientistas têm hoje, ao seu dispor, inúmeras técnicas e equipamentos muito sensíveis que são capazes de desvendar, pela análise de uma diminuta amostra de lágrima, a sua composição elementar.

- Podes começar? – Desafia António.

- Em pouco mais de um grama de lágrima, cerca de um mililitro de emoção, e através de espectroscopias, electroforeses e cromatografias, somos capazes de chegar à seguinte observação: para além da água, que pressentimos, encontramos gorduras, proteínas e peptídeos de vários tamanhos e funções, alguns açúcares, sais e muitos outros compostos com baixos e altos pesos moleculares.

- Tanta coisa num pedacinho de água? Para quê? – Questiona António espantado.

- Sabes António, a lágrima tem como principal função limpar e lubrificar os olhos. Os cientistas descobriram que os componentes do líquido lacrimal se dispõem em três camadas sobre o olho. A primeira é rica em mucina, uma proteína ligada a açúcares, que forma um gel cheio de água e que protege a córnea do olho de forma homogénea e transparente à luz visível.

- E a segunda camada? – Interrompe António ávido de saber.

- A segunda é uma solução aquosa verdadeira. Contem proteínas como a lisozima, lactoferrina, albumina e outros complexos imunológicos solúveis em água, que atacam micróbios e protegem os olhos de infecções. E é também nesta camada aquosa que encontramos a maioria dos sais, cuja presença permite a regulação da pressão osmótica entre o interior e o exterior do olho. Aliás, a composição em sais faz eco da noite uterina amniótica e é semelhante à do plasma do sangue. É como se fosse uma onda do nosso mar interior a banhar a superfície ocular!

- E a última, a que está, se bem entendi, por cima de todas? – Pergunta António atento.

- A última camada é feita de óleos, gorduras próprias de lágrima, que criam uma barreira que reduz a evaporação da sua água. Para os olhos não secarem!

- É como se fosse azeite por cima de uma gotinha de água? – Comparou António.

- Sim, mas são outras as gorduras produzidas pelas glândulas de meibómio. – Especifica Rómulo.

- E as lágrimas são todas iguais? – Pergunta António introspectivo.

- São iguais entre humanos, diferentes entre os vários animais. As do crocodilo têm outras proteínas, óleos e diferentes concentrações de sais.

- E esta que saltou do meu riso é diferente daquelas que escorrem em carreiros quando choro? – Indaga António.

- Pouca diferença há, pois essas lágrimas estão armazenadas no mesmo saco lacrimal. Quando choras ou ris, os músculos faciais, que modelam a expressão do teu rosto, apertam o saco e assim são expulsas as lágrimas. – E continua o Tio Rómulo depois de uma breve pausa – Os cientistas descobriram que numa lágrima de emoção há mais de umas hormonas e outras moléculas cerebrais, como a acetilcolina. E se estiveres doente, ainda outras diferenças haverá no grupo proteico da albumina.

- Quer dizer que as lágrimas reflectem a saúde do meu corpo e se estou triste ou contente? - Questiona António desconfiado.

- Sim. – Responde Rómulo, com um brilho no olhar. – As lágrimas são impressões bioquímicas de um momento do teu ser. Como estão em contacto com todos os líquidos corporais, pela continuidade do plasma sanguíneo, são transparentes na verdade que contam, se as analisarmos em tubos bem esterilizados, claro está.

- E eu que pensava que as lágrimas eram só água e sais, nada mais! – Exclama António.

- Tudo o que hoje sabemos é pouco, comparado com o que amanhã podemos vir a descobrir! – Diz Rómulo ao tocar com um dedo na lágrima na palma da mão do António.

António Piedade

2 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Outro artigo para reler e partilhar.
Bem haja.

Anónimo disse...

UNIUVERSALIDADE

Seja de branco, preto ou amarelo,
em qualquer parte que se nasça ou viva,
em qualquer longitude ou paralelo,
uma lágrima, ainda que furtiva,

não tem cor diferente nem sabor,
é sempre igual independentemente
da crença ou língua de quem sente a dor
ou ri, pelo contrário, de contente.
Pode afirmar-se de maneira séria,
segundo os entendidos na matéria,
que as lágrimas não têm questões de raça.


Por obra da alegria ou da desgraça,
o gosto que possui o mar salgado
não lhe provém tão-só do nosso lado!

JOÃO DE CASTRO NUNES

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