segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Tremor de Genes e Ambiente




Crónica publicada no "Diário de Coimbra":

O conhecimento sobre a influência genética no aparecimento e progressão da Doença de Parkinson (DP) mudou muito nos últimos 15 anos.

As tecnologias de sequenciação e outras entretanto desenvolvidas, permitiram já a identificação de, pelo menos, 15 genes (SCNA, PARK8, etc.) associados a esta doença do movimento. Isto significa que quando um desses genes apresenta determinada variação, o indivíduo que o transporta tem uma probabilidade aumentada de desenvolver doenças parkinsonianas.

Mas nem só de genes vive o homem! Sabemos hoje que a Doença de Parkinson é o resultado de uma complexa interacção de uma mistura de factores genéticos e ambientais a que o indivíduo é, e está, sujeito. Isto significa que a causa o desenvolvimento da Doença de Parkinson, na maioria dos afligidos, não se radica exclusivamente na genética ou na história ambiental do individuo, mas numa interacção simultânea entre ambos os conjuntos de factores.

Apesar de esta identificação genética não ter ainda permitido avanços significativos na sua farmacogenómica (isto é, o desenvolvimento de fármacos dirigidos especificamente a um determinado gene e/ou à proteína que este codifica) que minorem o avanço ou mesmo o desenvolvimento da doença, a caracterização da componente genética tem permitido perceber melhor como é que o nosso cérebro funciona.

Por outro lado, a identificação de genes análogos em outras espécies tem permitido a realização de estudos bioquímicos em modelos animais experimentais, que não são possíveis de realizar em seres humanos, por razões mais que óbvias. A este respeito ressalta o trabalho que tem vindo a ser realizado no grupo do investigador Tiago F. Outeiro no Instituto de Medicina Molecular.

Mas a componente genética tem outras implicações: se existem genes associados a esta doença do movimento, então podemos colocar a hipótese de ela não ser uma doença antiga na história das maleitas humanas, e não o resultado de uma modernidade civilizacional urbanística e alimentar desajustada à arquitectura do organismo e ao seu subjacente fenótipo bioquímico.

Do ponto de vista genético e evolucionista, o facto de a doença se manifestar maioritária e principalmente após os sessenta anos, sugere que a sua expressão foi “empurrada”, há muito, pela selecção natural para idades superiores à idade de vida média, ao longo da evolução humana, assim reduzindo a sua manifestação em adultos jovens e em idade de procriação.

Apesar de a doença e os seus sintomas só terem sido formalmente descritos e documentados, do ponto de vista clínico, em 1817, pelo farmacêutico britânico James Parkinson, são hoje conhecidas fontes bem mais antigas de descrições de perturbações que se podem associar, com as devidas reticências metodológicas, ao mal de Parkinson (ver aqui). Foram encontradas descrições de perturbações e sintomas semelhantes aos descritos por Parkinson em textos hindus (cerca de 2500 a.C.), papiros egípcios (1500 a.C.) e mesmo no texto bíblico (Eclesiastes 12:3), quando é feita referência ao tremor na velhice.



Mas a hipótese anterior faria mais sentido se a doença de Parkinson se resumisse só a uma doença do movimento. Os avanços registados na neurologia do quadro de sintomas associados à doença indicam que a perturbação motora possa ser a manifestação de uma de várias fases da doença de Parkinson.

Estudos recentes apontam para um período temporal de 40 anos durante os quais ocorrem seis fases caracterizadas por diversas perturbações baseadas em distintas funções neurológicas modeladas por diferentes cambiantes intensidades (ver aqui). Só os últimos 20 anos daquela janela apresentam perturbações do movimento acentuadas e severamente limitantes.

Por outro lado, hoje sabemos que os circuitos dopaminérgicos nigroestriados nos gânglios basais do hipotálamo, associados ao controlo das funções neuromotoras, como por exemplo as determinantes do início e fim de um gesto voluntário (ver aqui), também estão também envolvidos em outras “tarefas” neurológicas. Por exemplo, num estudo publicado este ano na revista Neuropsychologia é indicado que funções neurológicas relacionadas com o planeamento de acções no tempo e com a capacidade de tomar decisões, também estão modificadas em indivíduos que apresentam sintomatologia parkinsoniana.

Por último, refiram-se a existência de recentes associações de outras áreas do cérebro, que não só os gânglios basais, às perturbações comummente assinaladas nos males de Parkinson.

António Piedade

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