sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O SINDICALISMO DOCENTE NO FINAL DA PRIMEIRA DÉCADA DO SÉCULO XXI

"O tempo passado e o tempo presente fazem ambos parte do tempo futuro (T.S. Eliot, 1888-1965).

Agitam-se novamente sindicatos docentes em acções de luta conjunta que me levam a recuperar um meu texto do passado que adapto ao tempo presente.

E se, como nos disse José Luís Borges “temos como futuro o esquecimento”, hoje, mais do que nunca, entendo dever ser feita uma reflexão aprofundada sobre um sindicalismo docente que continua a fazer da rua palco ruidoso, do género das manifestações das grandes massas operárias de pendor revolucionário de fins do século XIX.

Ademais, foi de estranhar o silêncio cúmplice de sindicatos docentes a um corajoso artigo de opinião de Helena Matos (Público, 21/10/2008), bem contundente, até, pelo título escolhido: “Para que servem os sindicatos?”

Do referido texto, transcrevo dados referentes a sindicatos docentes (extraídos da Agência Lusa, 2006) que, segundo Helena Matos, “são uma extensão da administração pública e por ela sustentados”: “Os 450 professores que estão destacados nos sindicatos representam uma despesa anual superior a oito milhões de euros. No ano lectivo passado, estavam destacados 1327 docentes (…) que custavam por ano 20 milhões de euros, segundo estimativas do governo.”

Como é consabido, no terreno movediço de conveniências ocasionais, surgiu, anos atrás, uma denominada Plataforma Sindical, que eu tive como de contra-natura, entre catorze sindicatos de professores que, forçosamente, viria a conduzir a desavenças e clivagens profissionais com todos os traumas que a repulsão entre pólos opostos, por si só, justifica. Assim, por exemplo, na declaração conjunta de adesão à Greve Geral do próximo dia 24, figuram as siglas de vários sindicatos – SNPL, Fnei, FENPROF, Pró-Ordem, Sepleu, SINAPE, SIPE, SIPPEB e SPLIU - sem delas constar a poderosa FNE (Federação Nacional de Educação). Simples omissão ou, pelo contrário, atendendo à pluralidade de interesses em jogo, porque, como li algures, “a opinião comum que é possível obter tem sempre um limite trágico”?

Tempos atrás, disso mesmo nos viria a dar prova a Federação Nacional de Educação, quando o seu secretário-geral, João Dias da Silva, durante o seu 9.º Congresso (2008), reconheceu ter ela “perdido visibilidade ao integrar-se na Plataforma Sindical, dizendo que no futuro serão necessários acordos para impedir que alguns sindicatos se sobreponham a outros injustamente”.

Será talvez a altura dos dirigentes de um sindicalismo arcaico, ou pelo menos démodé, se debruçarem atentamente sobre a tese de doutoramento em Sociologia de Manuel Carvalho da Silva, defendida no ISCTE, em Julho de 2007, intitulada Centralidade do Trabalho e Acção Colectiva – Sindicalismo em Tempo de Globalização, que termina com a seguinte advertência: “Os sindicatos estão desafiados a ter futuro”. E esse futuro, ainda segundo ele, passa por um mundo mais exigente e ajustado aos novos tempos em que cada um deve procurar ser mais qualificado, a excelência deve ser perseguida e os mais capazes devem ser premiados em resultado do seu contributo para os resultados.

Este género de sindicalismo, adaptado às necessidades dos tempos que correm, parece não ter caído nas boas graças do Partido Comunista Português. Assim, cito do Público (09/01/2008): “Manuel Carvalho da Silva poderá abandonar a liderança da CGTP e não ser sequer candidato a secretário-geral no próximo congresso que se realiza a 15 e 16 de Fevereiro. Carvalho da Silva terá mesmo já comunicado a dirigentes do PCP que não está disponível para continuar a dar a cara pela maior central sindical portuguesa, perante o tipo de imposições que este partido tem feito quanto à composição da futura direcção, bem como à estratégia e programa a seguir no futuro pela CGTP”.

Em notícia do mesmo jornal (23/01/2009) lia-se, em título, “Futuro do movimento sindical está em risco, diz a UGT de Portugal”. A razão apresentada pelo respectivo secretário-geral, João Proença, foi o risco “face ao baixo nível de sindicalização dos jovens portugueses, uma realidade que obriga a repensar a imagem dos sindicatos”. E acrescentava: “A UGT deve manter uma política de sindicalismo com propostas, que trabalha para obter acordos e que nunca faz da luta um objectivo de acção”.

Sintomaticamente, um estudo, incidindo sobre uma população de 16 países europeus, publicado no mês de Fevereiro de 2009 nas Selecções do Reader’s Digest, colocava a profissão de líder sindical entre as profissões menos confiáveis em Portugal. Para tentar inverter esta tendência, em tempo de mudança para um novo paradigma, um sindicalismo que se deseja moderno e responsável não deve continuar a assumir uma política reivindicativa, exclusivamente, laboral, descurando os verdadeiros problemas de um sistema educativo que tarda em encontrar um rumo que não tenha por bússola fortes pressões sindicais.

Embora num clima de excepção que justifica todas as formas de luta actual, temo que, em resquícios de uma luta sindical do passado, uns tantos sindicatos docentes responsáveis por manifestações constantes no sector da Educação queiram continuar um clima de conflito permanente, terreno fértil para a desestabilização da sociedade portuguesa e prejuízo constante para o sistema educativo português. Ontem como hoje. E amanhã?

4 comentários:

joão boaventura disse...

Quando João Dias da Silva assevera que a Federação Nacional de Educação (FNE) tem “perdido visibilidade ao integrar-se na Plataforma Sindical, dizendo que no futuro serão necessários acordos para impedir que alguns sindicatos se sobreponham a outros injustamente”, está a actuar como os partidos que, não poucas vezes, estão mais preocupados com a sua imagem do que a imagem do país, considerando que partidos e sindicatos se propõem olhar o que é melhor para o país e não para a casa de cada um.

Posto isto, a FNE não tem que culpar a Plataforma, mas sim a sua incapacidade na afirmação dos seus objectivos, o que está patente na sua integração voluntária para adquirir notoriedade, notoriedade feita em Manifestações o que, convenhamos, não argumenta, ou antes, argumenta a incapacidade de dialogar.

A partir do momento em que a pluralidade de sindicatos se aglomerou sob a asa da Plataforma, todos eles só se têm de queixar de si mesmos, isto é, da incapacidade de se afirmar com os seus próprios recursos de conhecimento da área de que cada um se acha representativo.

A conclusão que se pode extrair deste quadro é que há sindicatos a mais, pelo que seria de bom tom, nos tempos críticos que se avizinham que se fundam todos na Plataforma, ou numa nova designação.

Rui Baptista disse...

Caro João Boaventura: Esse seria o grande sonho ou pesadelo, tornado realidade, da Fenprof: a "unicidade sindical" dos professores sob a sua batuta por ser, ou disso se jactar, a maior organização sindical docente do país.

No meio disto tudo, o Snpl criado com a missão específica de defender os professores licenciados por universidades perante as "Novas Oportunidades" de licenciaturas feitas a martelo fez prescrever os princípios constantes e plasmados nos seus estatutos e da sua ingente acção na criação de uma Ordem dos Professores, essa sim, em representação dos professores de todos os graus de ensino.

Mas isto é uma discussão para contos bem mais largos...Agradeço-lhe, como tal, ter despoletado essa discussão.

joão boaventura disse...

Caro Rui Baptista

O que se passa é que a prodigiosa criatividade portuguesa conseguiu e fenomenológica produção dos seguintes sindicatos relacionados com o complexo mundo da educação, já de si infrutífero.

Por ordem alfabética:

Associação Sindical Pró-Ordem dos Professores
Associação Sindical de Professores Licenciado (ASPL)
Federação Nacional da Educação FNE), (com 10 Sindicatos Regionais a que se junta o Sindicato dos Professores nas Comunidades Lusíadas)
Federação Nacional de Ensino e Investigação (FNEI)

Federação Nacional dos Professores (FENPROF) (com oito ou nove Sindicatos aderentes formando uma nova frente designada por Plataforma Sindical dos Professores)
Federação Portuguesa dos Professores (FPP)
Sindicato dos Educadores e Professores Licenciados pelas Escolas Superiores de Educação e Universidades (SEPLEU)
Sindicato Independente e Professores e Educadores (SIPE)

Sindicato Nacional dos Professores da Educação (SINAPE)
Sindicato Nacional dos Professores Licenciados (SNPL)
Sindicato Nacional dos Professores Licenciados pelos Politécnicos e Universidades (SPLIU)
Sindicato dos Professores do Pré-Escolar e Ensino Básico (SIPPEB).

A juntar-se a este conglomerado de boas vontades junta-se a Confederação Nacional das Associações de Pais e Encarregados de Educação, abraçando todas as APEE.

Deve entender-se haver aqui alguma dificuldade em discernir se todos estes caminhos convergem para o mesmo fim e, se afirmativo, como conjugar esforços tão múltiplos e díspares; e, se negativo, permanece a dúvida sobre a eficácia ou a eficiência.

Não se vai aqui concluir que o estado da educação se deve a esta floração Sindical, porque a floração Ministerial, com a multiplicação de gabinetes e subgabinetes, também tem a sua quota parte do desastre em que se vive nas escolas que deveriam ser espaços a reflectir a ordem organizada que de cima deveria emanar, já que, a organização ordenada em que se vivia nas mesmas, antes de 25 de Abril, não se reflectiu no espaço ministerial pós-25 de Abril.

É de supor que seria tempo de arrumar a casa-mãe da 5 de Outubro, vivendo do excessivo oxigénio legífero, bem como simplificar a casa Sindical que, salvo erro pessoal, peca por excesso de representatividade.

Rui Baptista disse...

Meu Caro João Boaventura:

No essencial, absolutamente de acordo consigo. Apenas um reforço. Todas esta "floração sindical", como escreve e eu reproduzo, se fica a dever ao facto de não existir o título profissional de professor, apenas um exercício profissional docente.

Repare que para se ser sapateiro é preciso saber pôr meias solas, para se ser médico o título profissional passado pela respectiva Ordem Profissional. E para se ser professor? De há uns tempos para cá passou a ser exigida uma licenciatura obtida em escolas, algumas delas ditas, superiores numa espécie de “Novas Oportunidades” mesmo antes delas existirem em forma de lei.

Como escreveu um Bispo da Diocese de Viseu, “a única forma de reparação de injustiças só pode ser corrigir, modificar situações, anular estruturas e decretos e revogar leis que atentem com a justiça social. Caso contrário, aí ficarão essas estruturas a gerar pecados de injustiça que gritam e gritarão contra todos os seus responsáveis”. E esses responsáveis são, em parte, os sindicatos docentes que proliferam como cogumelos em terreno húmido e as estruturas pesadas do Ministério da Educação que encontram sempre uma cadeira e uma secretária para encaixarem mais um burocrata.

Mas o mais curioso disto tudo, é o facto de existirem tantos dirigentes sindicais que se sacrificam no altar de uma missão ao serviço da grei e do ensino...

Não será altura de lhes dar o descanso que merecem não tornando esse sacrifício numa espécie de penas eternas? Daí eu compreender a crítica que faz à proliferação de sindicatos docentes (o rol, pelo João, indicado não deixa lugar a dúvidas) ao serviço de clientelas específicas, sejam elas políticas ou de um exercício profissional em que a igualdade entre desiguais se fez moeda de troca de favores e silêncios cúmplices.

Tempos atrás, corria o dito, atribuído a um dirigente sindical, de que os professores eram todos bons ou muito bons. Só quando foi criada a carreira docente que dividiu os docentes em professores e professores titulares surgiu o toque a rebate. Aí sim. Foi um corrupio de reclamações dos que se julgavam mais habilitados (e a maior parte das vezes, eram-no na verdade) ao serem ultrapassados pelos de menor habilitação.

Tentar emendar este “status quo” é abrir uma verdadeira Caixa de Pandora que só a criação de uma Ordem dos Professores poderia tornar a fechar. E assim, se explica o inexplicável: a razão pela qual cada vez são criadas mais ordens profissionais e os que exercem a docência fogem de um associação de direito público como o diabo da cruz. E, por seu lado, sindicatos há a quem a situação vigente interessa por não pôr em causa “direitos adquiridos” no dirigismo sindical, nem que isso constitua para o erário público uma pesada despesa como foi denunciado no artigo de Helena Matos, citado no meu post.

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