quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

A propósito do sismo de hoje...

A propósito do sismo desta madrugada, relembro um pequeno excerto de uma interessante comunicação de Rómulo de Carvalho apresentada à Classe de Ciências da Academia das Ciências de Lisboa, na sessão de 29 de Outubro de 1987, intitulando-se «Interpretações dadas, na época, às causas do terramoto de 1 de Novembro de 1755»:

«Em 1 de Novembro de 1755, pelas nove horas e três quartos da manhã, começaram a sentir os habitantes de Lisboa, com espanto e angústia, que o chão lhes tremia por debaixo dos pés . O tremor fora antecedido de um ruído tumultuoso que vinha do interior da terra e que, por si só, não seria assustador, de acordo com a descrição de um contemporâneo que o comparou ao «de muitos coches correndo». E acrescenta: «de modo que os que estávamos na Igreja da Senhora das Necessidades, onde os Soberanos costumão ir aos sabbados, julgámos que chegava Sua Magestade».

Em breves instantes o tremor, que se iniciara por uma sacudidela lenta, cresceu com grande intensidade. As paredes dos edifícios começaram a dar de si, a estalar, a abrir fendas e em breve se desmoronaram abatendo-se sobre as pessoas que alucinadamente fugiam de suas casas, correndo pelas ruas. Era um sábado, e dia santificado, dia de Todos-os-Santos. Por ser dia de especial devoção, e por ser de manhã, estavam as igrejas a transbordar de fiéis que assistiam às missas, o que foi causa de grande mortandade. As pedras das abóbadas dos templos, as colunas dos altares, as paredes em redor, abateram-se abruptamente sobre as pessoas desvairadas e indefesas, erguendo nuvens de poeira que sufocavam os poucos que ainda conseguiam fugir a tempo.

O abalo durou cerca de sete minutos e transformou, em tão curto tempo para tão desoladora mudança, uma cidade cheia de animação e de movimento, num montão de ruínas. Quantas pessoas teriam perecido? Muitos milhares mas não se sabe ao certo quantos.

Ao primeiro abalo, o das nove e três quartos, sucederam-se mais dois no mesmo dia, igualmente violentos, um às onze horas da manhã e outro às três da tarde, provocando novos desmoronamentos, e novas angústias , após o que abrandou a convulsão da terra embora os pequenos tremores fossem prosseguindo nos dias e nos meses que lhes sucederam.

A multidão desvairada entendeu que estaria mais segura correndo para locais descobertos, sem casas nem arruamentos, para o campo se possível, e também para a margem do rio, para a largueza do terreiro do paço real ou para a Ribeira. Tudo inútil. Aí não eram as pedras das casas que esmagavam os fugitivos mas as ondas embravecidas do Tejo que avançavam sobre a cidade e depois recuavam levando tudo atrás de si. «[...] meia hora ou pouco mais de cada num dos tremores succedeo a intumescência do mar». «Em partes fugio muito o Tejo, e o mar descobrio praias, que nunca virão o Sol. Em outras partes entrarão as agoas muito dentro da terra» . «O movimento das agoas, foi hum dos effeitos estupendos do Terremoto». «Mais de oito dias depois do primeiro de Novembro não tiverão as marés o seu curso regular».

A tamanha desgraça colectiva ainda se acrescentou a dos incêndios. As velas acesas nos altares das igrejas e nos oratórios particulares, as brasas dos fogareiros das cozinhas na habitação de cada um, facilmente pegaram fogo a panos, a roupas, a papéis sobre os quais tombavam. Logo ao primeiro abalo se seguiu imediatamente «taõ voraz incêndio que acabou por arruinar a melhor parte da Cidade, o qual principiou na mesma hora» - diz uma das testemunhas do acontecimento. A cidade ardeu «durante quatro dias» - informa outro comentador.

A movimentação do solo no decurso da memorável tragédia daquele primeiro dia de Novembro, deu-se segundo diferentes direcções, o que teria sido motivo para que o terramoto fosse mais devastador. Além de se agitar verticalmente também a terra «dava huns balanços com que a modo de embarcação», de nascente para poente e de norte para sul . São concordantes os diversos testemunhos, embora alguns dêem mais privilégio à direcção norte-sul. «A direcção dos seus movimentos» - diz um desses testemunhos - «suppõem todos de Norte a Sul. Não há dúvida, que os mayores, e de mais larga duração forão nesta direcção; e os que eu pude observar foraõ da mesma sorte; mas pessoas veridicas, e de caracter destincto, me affirmáraõ, que houve mudança nestes movimentos, que a terra também tremera do Oriente para o Poente» . Teodoro de Almeida, observador atento, é dessa opinião: «O movimento foi com balanço differente em diversos sitios de Lisboa, e de seus contornos. Em muitas partes foi o balanço de Norte a Sul, e n'outros de Poente a Nascente». O mestre oratoriano apresenta exemplos concretos, que apreciou cuidadosamente, de pormenores de edifícios que ruíram ou não, ou que sofreram deslocamentos, e até o caso de rotação sobre si mesmas de certas estátuas que ornamentavam o jardim da casa de campo do marquês de Ponte de Lima, em Mafra.

Não foi apenas na cidade de Lisboa e seus arredores que o terramoto de 1755 se fez sentir. Ele foi, segundo opinião abalizada, «o mais extenso que a sciencia assignala». O chamado, indevidamente, «terramoto de Lisboa», sentiu-se, pode dizer-se, em todo o Portugal Continental, na Espanha, no Norte de África, nas costas do Mediterrâneo, na Europa Central, na Inglaterra, na Irlanda, na Suécia, na Noruega, e até do outro lado do Atlântico. Os efeitos mais desastrosos deram-se porém no continente português, em Espanha e em Marrocos.»

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A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...