Do meu livro Curiosidade Apaixonada (Gradiva, 2005) uma recensão do livro de Gregory Chaitin "Conversas com um Matemático" (Gradiva, 2003):
"Dieu a choisi celuy qui est... le plus simple en hypotheses et le plus riche en phenomenes."
[Deus escolheu o mundo que é o mais simples em hipóteses e o mais rico em fenómenos.]
Gottfried Leibniz, Discours de métaphysique, VI, 1686 (edição portuguesa: “Discursos de Metafísica”, Colibri, 1995).
Esta asserção do filósofo alemão Leibniz, escrita originalmente em francês, aparece no frontispício da página Web do matemático norte-americano Gregory Chaitin, investigador no Thomas J. Watson Center da IBM, em Nova Iorque. Chaitin é o autor da obra “Conversas com um Matemático”, subintitulada “Matemática, Arte, Ciência e os Limites da Razão”, que saiu em português do prelo da Gradiva. A fim de efectuar o lançamento desse livro, Chaitin esteve uma semana entre nós, numa iniciativa da Gradiva apoiada pela IBM, proferindo um seminário não técnico no Instituto de Investigação Interdisciplinar da Universidade de Coimbra que sugestivamente se intitulou “É o Universo inteligível?”.
Por que é que Chaitin gosta de citar Leibniz? Simplesmente porque considera Leibniz o percursor da “teoria algorítmica da complexidade” de que Chaitin é não só autor como também incansável arauto.
Para Leibniz vivemos no melhor dos mundos possíveis (uma ideia satirizada pelo seu rival francês Voltaire, no romance “Candide”) e o “melhor” significa aqui a ligação entre o “mínimo de hipóteses” e a “máxima riqueza de fenómenos”. Para ele, na linha do racionalismo da Grécia Antiga, o mundo era inteligível: podia compreender-se com base num certo conjunto de leis simples – a palavra simples é aqui essencial porque leis demasiado complicadas conduzem, como é óbvio, à ininteligibilidade. Mas, por outro lado, o mundo era dificilmente inteligível, dada a imensa variedade de fenómenos que a Natureza nos oferece. As leis simples estão tão bem escondidas pela complexidade das manifestações naturais que é quase um milagre a descoberta humana das leis da Natureza. Foi Einstein quem comentou que o “mais ininteligível do Universo era o facto de ele ser inteligível”.
Leibniz, com formação em direito, foi não só um filósofo extraordinário como um matemático (autor do cálculo diferencial e integral e da linguagem binária usada hoje pelos computadores), um físico (estudou mecânica e óptica) e um engenheiro (construiu uma das primeiras máquinas de calcular). Foi talvez por temer ser ensombrado pelo génio de Leibniz que Newton e seus mais fiéis amigos polemizaram longa e asperamente com ele. Hoje em dia, Chaitin encontra em Leibniz a premonição das ideias que reclama sobre complexidade. Segundo o matemático norte-americano, a complexidade é medida pelo tamanho do programa computacional que a produz. Um programa curto pode originar resultados complexos. Mas um programa longo produzirá uma complexidade maior. Escreveu Leibniz, há mais de três séculos, no seu «Tratado de Metafísica» (transcreve-se o original francês não por presunçosa erudição, mas simplesmente porque tem outro “som”):
"Mais quand une regle est fort composée, ce qui luy est conforme passe pour irrégulier". [Quando uma regra é muito complicada, o seu resultado parece caótico].
Os físicos do século XIX criaram um conceito novo para descrever o caos. É a entropia: um valor elevado de entropia deve ser associado a sistemas onde reina o caos, a sistemas de elevada complexidade. E o norte-americano Claude Shannon, a trabalhar para a Bell Telephones nos anos 40 do século XX, associou entropia com falta de informação.
Agora, Chaitin vai mais longe ao dizer que a entropia se pode obter do tamanho de um programa. Se, com Shannon, a teoria da informação se liga à ciência termodinâmica, com Chaitin são as ciências da computação que se vêem ligadas à mesma ciência, abrindo uma fecunda visão interdisciplinar. Mais ainda: como as ciências da computação estão intimamente ligadas a problemas fundamentais de matemática (basta lembrar que os problemas do funcionamento de autómatos investigados pelo inglês Alan Turing têm relação directa com o teorema da incompletude do austríaco Kurt Goedel), Chaitin vai procurar iluminar as bases da matemática com noções termodinâmicas, como a de aleatoriedade, que pareciam completamente estranhas a essa disciplina.
Os matemáticos estranharam, antes de entranhar. Numa das interessantes entrevistas incluídas no seu livro mais recente, Chaitin exprime assim a reacção dos seus colegas matemáticos perante as novas propostas:
“...Os matemáticos acham que não pode haver qualquer aleatoriedade! Uma afirmação matemática ou é verdadeira ou é falsa, não pode ter 50% de probabilidade de ser verdadeira. Os matemáticos acham que têm de acreditar na verdade absoluta. Os físicos, por outro lado, acreditam na aleatoriedade. A aleatoriedade é um dos temas básicos da física do século XX [a mecânica quântica, rejeitada por Einstein quando disse que Deus não jogava aos dados com o Universo]. Por isso, os físicos deliciam-se com o meu trabalho. (...) Os físicos sentem-se muito mais à vontade com as minha ideias do que os matemáticos, porque peguei numa ideia da física, que é a aleatoriedade, e descobri-a na lógica matemática. Mas as pessoas que trabalham em lógica matemática não gostam disso, não compreendem a aleatoriedade”.
Ora aqui está um bom exemplo do modo como a moderna ciência se faz nos intervalos interdisciplinares. Uma ideia do mundo da física foi inseminada com sucesso no mundo da matemática. Alguma matemática passou a ser feita à moda da física. Para ver que a filosofia não pode passar incólume, basta ler Leibniz:
“Sans les mathématiques on ne pénètre point au fond de la philosophie. Sans la philosophie on ne pénètre point au fond des mathématiques. Sans les deux on ne pénètre au fond de rien” [“Sem a matemática não podemos penetrar no fundo da filosofia. Sem a filosofia não podemos penetrar no fundo da matemática. E sem as duas não penetramos no fundo de nada”].
Surgem, portanto e imediatamente, consequências filosóficas. De resto, novas ideias epistemológicas surgem sempre que duas ou mais disciplinas se aproximam e se intersectam.
Amante do saber, o matemático Chaitin vai ao encontro da filosofia: ele é uma espécie de Leibniz dos tempos modernos!
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4 comentários:
boa tarde, meu conceito e sempre blog em primeiro lugar em vez de site, e o seu blog tem uma justeza de aprovar o meu conceito, convido a participar do meu blog que é http://andersonoradialista.blogspot.com
abraços
«Os físicos do século XIX criaram um conceito novo para descrever o caos. É a entropia: um valor elevado de entropia deve ser associado a sistemas onde reina o caos, a sistemas de elevada complexidade. E o norte-americano Claude Shannon, a trabalhar para a Bell Telephones nos anos 40 do século XX, associou entropia com falta de informação.»
Julgo que a entropia, incluindo a vertente termodinâmica, seria um bom tema para ser abordado desenvolvidamente num post mais "técnico". Porém, talvez o Professor Carlos Fiolhais, co-autor deste excelente blogue não queira fazê-lo aqui. Mas penso que é uma pena.
Américo Tavares
Sobre a ordem e o caos,
À questão de Kant: “é possível escrever uma história universal de um ponto de
vista cosmopolita?”
A nossa resposta, é sim (Fukuyama, 1992: 136). O imperativo categórico do mesmo
pensador, é típico desta governação globals como se o próprio fosse o todo, de tal modo que da sua conduta decisória se pode extrair uma máxima universal. Kant, estuda a complexidade e a historicidade cósmicas, apresentando,
pela primeira vez, uma causa natural e coerente para a origem do mundo. Nesta perspectiva, o mundo teria evoluído de uma situação caótica através da sua auto organização.
Cumpts,
Madalena
Quem pretender votar numa sondagem sobre se a matemática é uma ciencia a decorrer no meu blog, pode ir a
http://problemasteoremas.wordpress.com/2009/12/31/a-matematica-e-uma-ciencia-is-mathematics-a-science/ .
Américo Tavares
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