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"Hélder Costa, um ícone da dramaturgia européia é líder de ação teatral, A Barraca, por ele fundada, em Lisboa, desde sua volta do exílio, após a “Revolução dos Cravos”, em abril de 1975! Autor de 50 peças, presente em inúmeros festivais da Europa, inclusive das programadas no Théâtre St-Gervais, de Genebra, para temporada 2010, respectivamente: “Meu drama é meu dream”, e “Obviamente Demito-o”.
Privilegiadas, Sobral e Fortaleza tiveram a ocasião de assistir “As Peúgas de Einstein”, sob a direção de Hélder Costa e assistência de Yuri Yamamoto, respectivamente nos teatros de São José e Centro Dragão do Mar. Cabe louvar o apoio do Governo do Estado do Ceará, desta feita a um acontecimento cultural de rara qualidade, tanto em seu aspecto propriamente textual e dramático quanto em sua força política, histórica. Neste sentido, a obra deveria circular em todo o Estado: teatros, escolas, prisões, universidades, Assembléia Legislativa, bairros de todos os segmentos sociais etc.
Afora a biografia multifacetada de gênio, optou-se por uma cartografia que tem como alvo Einstein em movimento, em erupção num universo encantador e cruel: o século XX!
Cientista, esteta, ele não nos carrega em seus braços; envolvido no turbilhão da história, complexa e perturbadora, leva-nos com ele. São diversos encontros. E ninguém sai ileso de tantas emoções! Algumas doces, outras terríveis, mas que instigam o espectador a se perguntar: o humano não é a face oculta do horror? Hitler e sua arquitetura da destruição, ou ainda os humilhados, os perseguidos do Mac Carthysmo. E claro, Charles Chaplin, cujo ator rouba a cena, tornando-a obs-cena, fora da cena.
Diante dos horrores da guerra, dos sistemas ditatoriais ou déspotas que marcaram o século XX: as sátiras e comédias políticas, o riso e a emoção, as lembranças dos bons encontros, em detrimento da violência política nua, crua definem a escolha de uma dramaturgia, que acolhe as diferenças como vontade de potência, sem comum medida com a melancolia aguda presente em nossos poros e sonhos.
A obra propõe, pois, uma visita guiada por Einstein através das incríveis invenções do século XX, recheado de linhas de fuga artísticas: arte, resistência. O despertar do cinema, o surrealismo. A ebulição filosófica, uma espécie de Renascimento das letras e das ciências, das margens e dos anarquismos desejantes, amores e paixões, corpos e sensualidades, como reação à barbárie cantam e celebram a vida.
O diretor escolheu relatar uma história enlutada, sem ressentimento niilista daqueles que não agem, mas reagem! A reação é reacionária. Agir é reinventar devires. A presença do humor é um bálsamo, e o elenco (O Grupo Bagaceira) afinadíssimo, cria uma dramaturgia sem concessão, habitada, todavia, pelos afetos e cuidados, flutuando entre coração e o cérebro,o que enche a cena de jubilação, de saber com sabor! O uso da comédia, afora as ideologias, alcança sua função maior: divertir, comover.
Ao atenuar a memória das marcas, mediante o riso e o humor, delicadamente dirigidos, a obra aviva os espíritos revitalizando-os para um aquecimento ativo, para a invenção de mundos possíveis, sem cair na denegação dos horrores, nem tornar a história, uma estória.
É de extrema beleza o encontro de Chaplin (Tempos Modernos) com sua companheira, com quem caminha em direção a um horizonte múltiplo, fascinante porque desconhecido. Comoção e blocos de afetos guiam a irresponsabilidade do espírito habitado pela vontade sempre de amar, combater, viver.
Momento raro na dramaturgia brasileira!"
Daniel Lins
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