Extracto, onde se evoca a primeira década do século XX, de um artigo publicado hoje na revista "Pública" do jornal "Público" da autoria de Clara Barata e Miguel Gaspar, para o qual dei um depoimento (foram emendados alguns erros do artigo):
"Quando começa um século - ou uma década -, tem-se esperança de que tudo vá mudar. Mas o difícil é perceber o que é de facto uma mudança com capacidade para durar, para transformar e o que não passa de espuma dos dias. Quando o século XX estava a romper, o mundo era ao mesmo tempo impossivelmente diferente e já com as sementes do nosso. Na ciência, surgiam a física quântica e a relatividade, por exemplo. E na pintura, Picasso rasgava novos horizontes com Les Demoisellles de Avignon, inventando o cubismo e a arte abstracta.
"O novo, o problema da descontinuidade, a mudança de paradigma, que Thomas Kuhn explorou muito, para mim, está exageradíssimo", responde o físico Carlos Fiolhais, professor na Universidade de Coimbra. Mas foi em 1900 que Max Planck se viu obrigado a reconhecer que a física anterior não conseguia descrever o que via. "Isso foi o mérito de Planck. Descreveu a realidade com uma fórmula matemática nova, reconhecendo que a antiga teoria já não conseguia descrever as observações. A energia é emitida e absorvida aos saltos, aos pulos, é isso os quanta. É como se a cerveja não pudesse fluir de um barril, só pudesse sair em saltos, em quantidades definidas".
Em 1905, aconteceu o chamado "ano miraculoso" de Einstein, em que ele, aos 26 anos, publicou uma série de artigos em que assenta a sua obra revolucionária - tudo isso na primeira década do século XX. Quem viveu esse período tinha consciência de que estava a entrar no futuro? "Ninguém percebeu na altura a importância que teriam essas ideias, nem mesmo Planck e Einstein podiam ter percebido. Planck, que morreu após a Segunda Guerra, disse que as novas teorias triunfam porque os adversários acabam por morrer. Einstein nunca aceitou muito bem a física quântica, dizia 'Deus não joga aos dados' ", diz Fiolhais.
Nas artes, houve uma grande revolução. "O grande cavalo de batalha é a pintura, estava próxima a invenção da fotografia e ainda mais próximo a do cinema", diz Delfim Sardo, professor de História da Arte Moderna e Contemporânea na Universidade de Coimbra. A obra-símbolo dessa revolução é Les Demoiselles d'Avignon, de 1907, uma composição com os retratos de prostitutas de um bordel frequentado por Picasso em Barcelona em que as figuras são desconstruídas para além do reconhecimento individual, para além de qualquer reconhecimento da cena real.
"É uma obra mitificada, com a qual Picasso teve uma relação difícil. Há uma enorme quantidade de cadernos cheios de esboços, é talvez a obra com maior trabalho preparatório", diz Delfim Sardo. Não surge do nada, claro: "Obviamente, não é uma experiência isolada no tempo, vem na continuidade de Cézanne e Matisse, mas quando Picasso constrói Les Demoiselles, a unidade compositiva da imagem deixa de existir. Com este quadro, Picasso estica o processo da suspensão da incredubilidade até um ponto que ele próprio terá duvidado se esta obra era um sucesso ou um fracasso."
1 comentário:
O que disse Planck:
"A scientific truth does not triumph by convincing its opponents and making them see the light, but rather because its opponents eventually die and a new generation grows up that is familiar with it."
O que Fiolhais diz que o Planck disse:
"Planck, que morreu após a Segunda Guerra, disse que as novas teorias triunfam porque os adversários acabam por morrer."
Esta é apenas uma de muitas asneiras do Fiolhais. Asneiras escritas tanto aqui (neste post) como em tudo o que afirmou sobre Leibniz. Já as tentei assinalar, mas não passou na "moderação". Como é bela a honestidade intelectual.
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