terça-feira, 2 de junho de 2009
QUEM DESCOBRIU O ZERO?
Da "Gazeta de Física", a excelente revista da Sociedade Portuguesa de Física, acaba de sair mais um número, tal como os recentes muito bem recheado e com uma excelente apresentação gráfica. Desta vez a revista não está apenas disponível em papel para os socios da Sociedade Portuguesa de Física (mas vale a pena fazer-se sócio aó para receber a revista em papel) mas também em pdf no sítio da revista.
Com a devida vénia, transcrevemos a muito interessante crónica do físico inglês Jim Al-Khalili, professor da Universidade de Surrey nascido no Iraque (na foto, em Granada, onde esteve para o documentário da BBC sobre ciência árabe) e um dos grandes divulgadores não só da Física mas também da ciência britânicos (ver aqui ):
O ano passado, passei uma boa parte do meu tempo a viajar no Médio Oriente, enquanto produzia uma série de televisão para a BBC chamada “Ciência e Islão”, e aprendi muitas coisas interessantes sobre história da ciência que são importantes para desfazer alguns equívocos amplamente difundidos no Ocidente.
Por exemplo, se perguntarmos a alguém o que foi que os árabes nos trouxeram, depois do rol habitual de tapetes mágicos, Ali Babá, danças do ventre, tamareiras e poços de petróleo, o exemplo mais frequentemente citado é a invenção do zero. A verdade, porém, é que, embora a matemática árabe fosse extraordinariamente diversificada e avançada – foram eles que desenvolveram duas novas disciplinas: a álgebra e a trigonometria – essa invenção não lhes pode ser atribuída. Qual é então a origem desta valorização do nada matemático?
Acontece que a resposta a esta pergunta não é assim tão simples, porque a pergunta “Quem descobriu o zero?” pode significar várias coisas diferentes e, para cada caso, a resposta será também diferente. Poderá tratar-se da pergunta: quando foi feita a primeira utilização de um símbolo, ou marca, para indicar um espaço em branco dentro de um número (por exemplo, para podermos distinguir entre os números 11 e 101)? Ou poderá ser: quando se valorizou pela primeira vez o zero, enquanto conceito filosófico que simboliza o nada? Ou ainda: qual a primeira referência ao zero, enquanto número de pleno direito?
A definição mais elementar de zero é a de uma notação posicional dentro de um número. No início do segundo milénio a.C., os antigos babilónios precisavam de poder estabelecer distinções entre os números nas suas tabelas astronómicas estelares. Assim, sempre que necessário, deixavam um espaço entre os símbolos para indicar um lugar vazio (onde hoje utilizaríamos o símbolo zero).
Muito mais tarde, os babilónios selêucidas, que governaram o território que é hoje o Iraque como sucessores de Alexandre, o Grande, inventaram um símbolo para substituir este ambíguo espaço dos antigos babilónios. Assim, o mais antigo símbolo conhecido para o zero encontra-se, cerca de 300 a.C., em muitas placas de argila babilónicas cobertas de escrita cuneiforme.
Os antigos gregos foram fortemente influenciados pela astronomia babilónica e pela matemática a ela associada. Por conseguinte, precisavam também de um símbolo para o zero e escolheram a letra grega ómicron (décima quinta letra do alfabeto grego, correspondente ao o aberto). Porém, este símbolo zero também não era ainda um número, nem sequer um conceito, de pleno direito.
E quanto ao conceito de zero como representação do nada? Aqui, o mérito terá de ser atribuído aos antigos gregos. Mais especificamente, foi o grande Aristóteles (384-322 a.C.), o mais famoso filósofo que jamais viveu, quem primeiro escreveu claramente sobre o zero enquanto conceito matemático. Na sua grande obra, conhecida como a “Física” de Aristóteles, ele descreve a ideia do zero matemático em relação a um ponto numa linha e explica-a da seguinte forma: se a velocidade de qualquer objecto em movimento aumentar proporcionalmente à resistência (ou densidade) do meio através do qual ele se desloca, a sua velocidade no vácuo (ou vazio) terá necessariamente de ser infinita, uma vez que aí não há qualquer resistência. Segundo Aristóteles, isto demonstrava a impossibilidade da existência do vazio. Evidentemente, hoje sabemos que as ideias de Aristóteles sobre física estão erradas, mas não há dúvida de que o homem sabia pensar.
Passamos agora à questão mais importante de tratar o zero como um número de pleno direito, que deve ser considerada como correspondendo à verdadeira invenção do zero. É geralmente aceite que o símbolo do zero nos chegou da Índia, integrando o pacote trazido pelo Império Islâmico Medieval, juntamente com a notação decimal. Parece não haver dúvida de que, já em 505 d.C., os hindus consideravam o zero como um número real, mais do que um mero símbolo. Brahmagupta, o maior de todos os cientistas indianos medievais, afirmou correctamente em 628 da Era Comum que zero multiplicado por qualquer número finito dá zero e descreveu a impossibilidade da divisão de um número por zero.
Concluímos, então, que a resposta à pergunta “Quem inventou o zero?” é a seguinte: os babilónios inventaram o primeiro símbolo do zero, os gregos foram os primeiros a compreender o conceito de zero e os indianos utilizaram o zero pela primeira vez como número de pleno direito. Parece que nunca nada é simples e, neste caso, a origem do nada acaba por não ser nada simples.
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3 comentários:
À resposta quem inventou o zero ? Um professor que tive de Yoga , meditação , filosofia budista, de Shiatsu e Taishi, entre outras actividades, que pertence à comunidade budista em Portugal, disse-me uma vez que foram os budistas tibetanos que inventaram o zero , ou se quiserem a noção de nada. Não sei se será uma dica , mas achei piada enviar comentário
sobre esta informação.
Fiquem bem,
Madalena Madeira
Não que responda à questão do post, mas por relacionamento temático
"Zero in Four Dimensions:
Cultural, Historical, Mathematical, and Psychological Perspectives" de Hossein Arsham
http://home.ubalt.edu/ntsbarsh/zero/ZERO.HTM
Cruz Gaspar
Sim Cruz Gaspar, o Budismo nasceu na India.
Ainda não tive tempo de ler todo o link que me sugeriu. Mas, será talvez com os Budistas na India e não no Tibete?, ainda a propósito da invenção do zero. Os Budistas são excelentes físicos e matemáticos.
De facto, sou péssima a matemática . A minhas áreas são as Ciências Sociais e Humanas, mais especificamente as Ciências Políticas."Sonho" com o dia em que as Ciências sociais e Humanas se unam às Ciências Naturais, pressinto que se poderia encontrar respostas para muitas dúvidas , talvez para as mais complexas. Por exemplo, adoro especular Filosofia e " juntá-la" com Física ou melhor com Física Social, tenho feito isso na dissertação de mestrado e ainda não sei bem como me vou safar quando chegar à defesa oral da mesma.
Acho piada à numerologia , que quem inventou foi Pitágoras.Penso que cada um dos números tem um significado quantitativo, mas tb simbólico.
Fiquem bem,
Madalena Madeira
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