Num texto que aqui publiquei há pouco tempo, escrevi que as políticas para a educação dos vários países ocidentais se assemelham; assemelhando-se também a defesa e a oposição que encontram no quadro académico e social.
Na revista Standpoint deste mês de Junho saiu um artigo duma senhora chamada Susan Hill, que, num determinado passo, me parece poder reportar-se à realidade portuguesa:
"We have betrayed several generations of children in many ways — by giving the teaching of skills priority over that of knowledge, by making exams easier out of a false egalitarianism, by letting them choose their own morality from a soup of political correctness, by over-emphasising the importance of the computer as if it were anything more than a useful tool, and of the internet as if it were more content-rich than books."
(“Em muitos aspectos, traímos várias gerações de crianças - demos prioridade ao ensino por competências, em detrimento dos conhecimentos, fizemos exames mais fáceis em nome de uma falsa igualdade social, permitimos que elas fizessem as suas escolhas morais no contexto confuso do politicamente correcto, enfatizámos a importância do computador, como se ele fosse mais do que uma ferramenta útil, e supusemos que a internet era mais rica do que os livros em conteúdos.”)
Esta apreciação faz-me lembrar uma outra, da autoria de Marçal Grilo, acerca da nossa própria realidade que, pela minha lógica, não se aplica só a ela:
"Preocupa-me (…) a atitude que muitos compatriotas têm em relação à escola. Eles não olham para a escola como algo que possa ser relevante para o futuro dos seus filhos, como um instrumento de aprendizagem, mas mais no sentido de a ultrapassar. Preocupam-se sobretudo que os miúdos passem e não tanto com o que eles sabem. É preciso também perceber o que se pretende com o sucesso nas escolas. Para mim, o sucesso traduz-se nos alunos saberem mais, terem maior consciência das suas capacidades e uma atitude diferente perante o mundo e a sociedade (…). A minha geração vai ficar aqui com um peso na consciência por não ter sido capaz de motivar os jovens para a educação."
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23 comentários:
Isto a propósito do Magalhães, que é como quem diz, da internet.
Perguntaram uma vez, a Bill Gates, o homem forte da Microsoft, se os seus filhos já tinham computadores.
Gates respondeu, cito de memória:
"Não, primeiro têm que ler. O primeiro e o mais importante instrumento dos alunos é o livro."
Sócrates inverteu tudo: "Primeiro o Magalhães, sob a falsa capa das novas tecnologias".
O conteúdo deste texto não me causa estranheza. Sei o que se passa na França e na Bélgica. O "conhecimento" foi colocado para segundo plano. As estatísticas (que tanto pavor têm causado no ME) batem-se por "competências". Aqui e noutro lado. Felizmente, ainda há sistemas de ensino com esse nome, nesta Europa.
Do comentador anterior:
Sócrates inverteu tudo: "Primeiro o Magalhães, sob a falsa capa das novas tecnologias". Foi para melhorar no "ranking" das competências.
João Moreira
É verdade e ninguém "vai pra cadeia", salvo seja (ou talvez não?) como aconteceu ao Maldoff!... Afinal de quem é a culpa disto tudo? Dos teóricos das Ciências da Educação? Ou de quem à toa aplica dados das suas correctas (apesar de tudo) investigações? - esses ministros da educação que agora vêm dizer o contrário do que fizeram; os formadores de professores, tanto nas ESES como nas Universidades; os inspectores de educação; os sindicatos... toda essa gente deveria ser seriamente chamada à responsabilidade. Infelizmente no nosso país cinzento a culpa há-de morrer sempre solteira, até porque assim todos têm sempre algo a dizer... dos outros. Nós até sabemos quem foram os responsáveis, até se lhes sabe os nomes, por que é que não se sentam no banco do réu como noutros países? Isso é que era. Agora andarmo-nos permanentemente a lamuriar no que já passou...
ze do mundo
Para ser franco, encontro-me dividido. Por um lado tendo a privilegiar o conhecimento, mas por outro reconheço que não é suficiente: há competências, sociais, por exemplo, que são tanto ou mais determinantes para muitas profissões do que os sólidos conhecimentos académicos, no sentido estrito.
Eu, as minhas competências sociais, não as aprendi na escola: aprendi-as à batatada com os meus irmãos.
Mas agora é tudo filhos únicos...
Será que quando alguns comentadores que aqui intervêm sabem do que falam quando se referem a competências? Terão, ao menos, a consciência da verdadeira amplitude do conceito e da sua relação com o conhecimento? Afinal de que nos servem os conhecimentos pelos conhecimentos? Seremos nós apenas meras enciclopédias? Será que tantos possuidores de conhecimento (nesta lógica)serão assim tão competentes no seu quotidiano, no exercício mais amplo da sua cidadania? Ou não se tornarão naqueles seres chatos à boa maneira das célebres "conversas em família"?
O que acho é que o exagero que uns apontam à proliefração do princípio das competências em detrimento, é o mesmo que os outros apontam àqueles que teimam na prevalência do conhecimento puro e duro. O que é preciso é sabermos efectivamente do que se trata quando se fala de competências hoje na escola. Procurem saber...
O último Anónimo talvez queira partilhar o que entende por competências...
E já agora explicar como se pode ter uma competência sem conhecer o assunto em questão de forma aprofundada...!
O "Anónimo de 1 de Junho das 0:07" diz: "Para ser franco, encontro-me dividido."
Estar dividido perante tema tão complexo é sinal de vitalidade intelectual.
Mas também é necessário juntar algumas variantes e articulá-las em algumas ideias-chave. E assim, concordo com o "Anónimo Seguinte": as competências sociais devem ser adquiridas, primeirissimamente, fora da escola, porque - há coisas que só mesmo "à batatada" (seja entre irmãos seja entre amigos).
Quanto à Grande Traição que nos acompanha como uma sombra à luz do devir histórico, somos todos responsáveis sem termos culpa nenhuma... mas que as crianças continuam a ser objecto duma sujíssima e danosa traição, ai isso continuam!, e toda a indignação é necessária, em nome das crianças.
Por fim, acreditem no Dr. João Baptista: é preciso uma Ordem de Professores para pôr alguma ordem no caos que cada vez mais nos divide em muitas partes.
P.S. - Caros anónimos, não podem ao menos arranjar um pseudónimo simples - é que nomeá-los nestes comentários é moroso e chato.
Claro que concordo inteiramente que se não se transmitirem os conhecimentos isso é muito nefasto.
Só digo que é preciso fazer as duas coisas: conhecimentos e atitudes, para não estar outra vez a falar de competências.
É que quando somos testados pelos psicólogos para entrar ou não numa empresa, somos excluídos liminarmente, independentemente dos conhecimentos que tivermos, se não respondermos da forma que é pretendida. E nessa altura as classificações académicas não são tidas nem achadas.
O físico Feynmann, prémio Nobel, nem por isso deixou de ser considerado idiota pelo psicólogo da tropa, e do que li, errado estava o psicólogo.
Anónimo de 1 de Junho das 0:07
O problema não está nas competências. claro que a escola deve procurar que os alunos adquiram competências. Como disse Kant: é preciso ensinar a pensar e não apenas ensinar pensamentos. (Embora seja preciso ver bem que competências, pois o termo aparece associado a muita conversa fiada e tralha psicológica).
O problema está na menorização dos conteúdos. Sem conteúdos as competências não são nada. Ou seja: sem não ensinarmos pensamnetos não ensinamos também a pensar!
Tenho verificado, como professora do secundário, que no domíno da expressão escrita e oral e do raciocínio lógico, nos últimos anos os alunos vêm do 9º ano muito mais mal preparados do que há alguns anos atrás.
O problema é só este: os conteúdos programáticos de muitas disciplinas do secundário não podem ser compreendidos sem terem sido consolidadas competências básicas ao nível da língua e do raciocínio lógico.
Claro que ter hábitos de trabalho também ajuda!
Costumo dizer aos meus alunos do 10º ano que quem fez uma caminhada triunfal (isto é, sem qualquer esforço) até ao 10º ano, ou muda de vida e percebe que foi enganado até aí ou ficará impedido de compreender verdadeiramente as matérias (o que não significa que até não venha a conseguir o 10, o que hoje em dia não é difícil, dada a falta de exigência promovida pelo próprio Ministério).
Como é possível a alguns alunos - com mais capacidades intelectuais - resitirem e manterem a curiosidade e o desejo de aprender, no meio de tantas competências vazias e folclóricas e de tanta falta de exigência. Felizmente, ainda há alguns que resistem...mas são cada vez menos.
Cara Helena Ribeiro, já que teve a amabilidade de me citar, peço-lhe que repare que o meu comentário não foi anónimo. Quanto às competências: mesmo o pensamento crítico, que é uma competência, pressupõe um conhecimento: é mais fácil detectar uma falácia quando se sabe nomeá-la.
Aqui está um exemplo aproximado do que Dan deve ter visto em Portugal sobre competências.
O exemplo aqui é a da competência oratória, enquanto Dan terá assistido a uma competência simulada de manuseio do computador, na linha tradicional portuguesa de fazer coisas para inglês ver (neste caso, para canadiano ver).
José Luiz Sarmento põe o dedo na ferida quando diz que "uma competência, pressupõe um conhecimento", o que está correcto porque não se pode chamar competente a quem não adquiriu os conhecimentos para os dominar e utilizar.
Simplesmente, e no caso em discussão, o que se passa é que nenhum aluno teve tempo para dominar os Magalhães, que se adquire através do conhecimento da máquina para entrar no treino e na prática.
No blog Wikinomics Dan Tapscott esclarece que “Portugal has invested 400 million euros to makes sure each classroom has access to the Internet.”
Com os curricula da escola que ocupam a maior parte do tempo não se vê onde é que o Governo vai buscar tempo para os alunos praticarem no PC, sem prejuizo das disciplinas.
Logo, a introdução da internet e do computador nas escolas é uma "competência fictícia, aparente ou virtual".
Se eu comprar um piano e disser aos meus amigos que comprei um piano eu apenas fui "competente" na aquisição. Para dizer aos meus amigos que toco piano tenho de ocupar muito tempo a aprender o solfejo, começar pelo Schmoll, e praticar, praticar, praticar até chegar ao nível da Maria João Pires, para dizer aos meus amigos que tenho competência em piano.
Por exemplo, pretendeu-se ensinar literatura mas procurando poupar as "crianças" à massada de ler obras literárias...
Outro exemplo, pretendeu-se que os alunos conseguissem competências no cálculo sem saberem matemática...!
Outro exemplo, tentou-se que os alunos obtivessem competências de leitura sem ler!
Isto é a mesma coisa que uma empresa tentar recrutar alguém com competências de programação sem saber programar!!!
Claro que os "cientistas" e os "especialistas" da educação consideram que quem necessita de resolver um problema na canalização lá de casa deve contactar um psicólogo que tenha competências transversais...!
No entanto, tenho muitas dúvidas que nas casas deles não se contacte um excelente canalizador que saiba MUITO bem aquilo que está a fazer....
Oooops, peço desculpa pelos quatro comentários seguidos... tinha activado um script no Mozilla Firefox cuja competência era a detecção de erros ortográficos, mas parece que o programador não aprendeu programação de computadores na escola pós-moderna do lobby das "ciências" da educação.
Provavelmente terá tido uma área curricular não disciplinar transversal ao currículo tanto verticalmente como horizontalmente e quiçá diagonalmente, desta forma percebe que existe programação nas mais diversas actividades, reconhece inclusivamente que a programação é algo que promove a exclusão social, entende até que a programação é muito interessante para todos aqueles que sabem programar computadores, no entanto não teve a oportunidade de aprender a programar, porque o "eduquês" considerou que o professor não deveria ensinar programação de computadores mas sim facilitar a obtenção das aprendizagens e/ou das competências da socialização entre os alunos no acto de descobrirem a programação...!
Hoje, depois de ter entrado na empresa pelas 8:00 horas e ter sido despedido pelas 11:30 horas, o desgraçado do programador percebeu que todos os indianos, paquistaneses e coreanos que conheceu nas duas horas enquanto teve trabalho sabiam programar, enquanto ele julgava ter adquirido a competência de programar...! Hoje ele sabe que foi ENGANADO pelo sistema criado pelos "cientistas" e "especialistas" da educação e deixou de escrever no seu Curriculum Vitae: Programador de Computadores, passando a escrever: Especialista na Educação da Programação de Computadores...
E traíram várias gerações de pais. ter filhos que sabem menos que nós , ferramentas tecnológicas e modernices incluídas , não dá satisfação nenhuma. é contra natura , até.
A Helena Ribeiro errou.
Onde escreveu:
"Por fim, acreditem no Dr. João Baptista: é preciso uma Ordem de Professores para pôr alguma ordem no caos que cada vez mais nos divide em muitas partes."
Quis dizer:
"Por fim, acreditem no Dr. Rui Baptista: é preciso uma Ordem de Professores para pôr alguma ordem no caos que cada vez mais nos divide em muitas partes."
O João Baptista deixou de pensar quando foi degolado.
não compreendo exactamente o que querem dizer com competencias sociais. Presumo que, por alto, se fala de modelos "anti-empinanço"...E a ideia de jogo não é totalmente descabida....mas vamos ver.
tive um prof de matemática que parava a aula expositiva caso alguém afirmasse trazer um quebra cabeça daqueles pesadinhos.
Ora a malta, e eu, se nos dissessem que não estávamos a ser avaliados, que os erros não estavam sujeitos a punição já abriamos a boca e erravamos. Analisavamos os erros uns dos outros, pensavamos com a teoria alheia...etc...havia uma semelhança entre aquilo e a disciplina em si, de persistencia, um segredo qualquer a quebrar que fazendo uma vez passava a funcionar. A balburdia que se gerava não era igual àquela de quando dominavamos uma aula (um professor) para fazer fosse lá o que fosse que quisessemos. Era uma balburdia empenhada.
de seguida encontrei um engenheiro reformado no café que acordou em dar-me explicações da mesma disciplina, mas à sua maneira. Tinha pouco tempo mas uma unica aluna, pelo que me "obrigou" a tirar todas as formulas de trigonometria a partir de um triangulo recortado do papel. Caramba, a coisa era palpável, e era possível FAZER as próprias demonstrações, em vez de assistir a elas (bem sei, nas aulas não é possível fazê-lo a tanta gente).
A noção de persistencia que ganhei com o primeiro e o não-empinanço com o segundo valeu-me passar a CONSEGUIR estudar matemática, passar a demolir o exercicio mais difícil, a matemática tornou-se "fiável"_exigente mas objectiva, simples, mais simples que as humanidades.
....
Em frances e português tive ocasião de manusear livros dos 80's e os mesmos tinham uma orientação, talvez sinal dos tempos nacionais, de debate, cheios de questões sociais, os de francês, e divulgação massiva de autores em pequenos trechos, os de português. Uma professora amiga a quem esses livros pertenciam também faz esse exercicio de parar a aula para debate, especialmente nas turmas-problema (ou de cadastrados, como sem PC lhes chama), sendo que os putos, para tentar "dominar" a aula, afinal fazem-lhe um favor_ recolhem notícias de jornal, organizam "sem querer" propostas de debate. Inclusive, ultimamente, conseguiu interessa-los em fazer a transição do português para o frances através do latim, compreender (a origem) sem ter que empinar. Dá-lhes materia extra e eles gostam.
Solicitam debates de actualidades mediáticas e educação sexual.
Os livros por onde estudei eram completamente diferentes destes. Rasos, para crianças muito mais novas, já achava na altura (le gateaux,le petit oiseau). E a português aconselhava-se mesmo a leitura dos resumos europa-america em vez do proprio trabalho de interpretação, tendo sido avaliada nesse sentido (não está errado, mas não é a resposta "oficial"_ disseram-me)
Eu era um daqueles alunos que liam os livros mal eram comprados e a seguir era calona, estudava de vespera. Fazia balburdia sempre que o prof não se aguentava como rigido disciplinador, era inseguro e se fiava unicamente na exposição não conseguindo encetar diálogo canalizando-o de volta para a matéria. No fundo, quando era falho/a de qualidades humanas. Respondiamos nós proprios desumanamente com crueldade.
Por outro lado, penso que há um desinvestimento tão grande na extra-curricularidade, dentro e fora da escola (puxando a brasa ao meu emprego, mas também com sinceridade)nas actividades culturais. Os IPJ's são casas de jotas-boys, não de profissionais, não-professores que deviam estar a tomar uma tarefa que está a ser descarregada nas escolas_aparentemente, discordo, mas é o sinal dos tempos, a rua está proscrita e os miudos devem passar o seu tempo sob supervisão, fazendo actividades. O desporto, está vai-que-não-vai de fornecido, mas as demais actividades culturais estão completamente desinvestidas, mesmo quando há equipamento comprado.
Nem traíram. Vossa competência é solução.
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