sábado, 13 de junho de 2009

O modelo bolonhês

Não obstante as assinaláveis diferenças de orientação política e a distância de quase meio século, perceba o leitor os pontos de contacto desta intervenção parlamentar do deputado Nunes Barata na sessão parlamentar n.º 48, realizada em 17 de Março de 1962, com os discursos actuais sobre a Reforma de Bolonha.

“Senhor Presidente: a tradição universitária de Coimbra remonta quase aos primórdios da nossa nação independente. D. Dinis, ao criar a Universidade portuguesa, inspirou-se principalmente no modelo bolonhês. Assim a instituição ganhou marcado cunho estudantil.

«Não há quem não saiba – escrevia há pouco o Prof. Doutor Braga da Cruz, magnífico Reitor da Universidade de Coimbra, a quem desta tribuna, mais uma vez, presto as minhas homenagens – que a Universidade surgiu com este nome na Idade Média. A universitas é precisamente essa corporação, de governo autónomo, que pode ter o acento tónico no corpo docente (universitas magistrorum) no corpo discente (universitas scholarium), ou formar um todo equilibrado dos dois elementos corpo docente (universitas magistrorum et scholarium). Mas já é corrente esquecer-se que não é apenas no sentido de corporação, de instituição corporativa autónoma, que a palavra universitas é utilizada para designar estas escolas medievais, mas também no sentido de instituição onde se processa a síntese e a hierarquização dos ramos mais nobres da ciências, dentro de uma visão harmónica e unitária do saber humano universitas scientiarum» (…).

Ora um dos problemas da Universidade portuguesas é precisamente o da sua autonomia. Reportando-se a este facto, escreveu um dia o Prof. Doutor Galvão Teles estas palavras elucidativas: «A Universidade vai perdendo a sua alma. A consciência universitária vai-se diluindo e com ela a capacidade de determinação, o sentimento de responsabilidade, a diligente coragem de encarar e resolver os próprios problemas, sem cómoda devolução a uma instância superior. Órgãos universitários vão mirrando, na esterilidade que traz a falta de exercícios de função, muitas vezes inferior de longe ao que pomposamente consta do papel da lei, mas que se não pratica».

Insisto na necessidade em reconduzir a Universidade à sua estrutura corporativa, uma autonomia institucional que se harmonize com as realidades da vida contemporânea (…) O sucesso da Universidade é, ainda, expressão da categoria dos seus professores. As elites que saem das escolas são o produto do próprio exemplo dos mestres.

Põem-se, assim, problemas que ultrapassam a simples quantidade, que se reportam a valores intelectuais, morais e profissionais que saibam estar à altura da sua nobre visão. Mas os Poderes Públicos devem proporcionar ao corpo docente todo um conjunto de possibilidades que permitam aos mestres não se limitarem ao exercício pontual da função burocrática (…).

Mas também os estudantes têm inúmeros problemas que necessitam de atenção imediata. O primeiro, que se enquadra naquele espírito de democratização do ensino (…) é o do acesso à Universidade. Importa, para tanto, não só insistir na promoção económico-social de todos os portugueses, como alargar o esquema de benefícios escolares e localizar as escolas de forma a tornarem-se mais acessíveis."

Texto retirado do livro: Em prol da Universidade de Coimbra e do Ensino (1962). Coimbra (Composto e impresso na Tipografia Progresso), pp. 64-66.

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