domingo, 14 de junho de 2009

Darwin e Eça


Minha última crónica no jornal "As Artes entre as Letras" (na imagem Eça de Queiroz):

O naturalista Charles Darwin (1809-1882), de cujo nascimento se comemora este ano o duplo centenário, foi quase contemporâneo do escritor Eça de Queiroz (1845-1900). Eça deve ter tido oportunidade, quando ainda era estudante de Direito na Universidade de Coimbra (1861-1866), de receber ecos da publicação da Origem das Espécies (1859), que teve lugar quando Eça, com 14 anos, ainda fazia estudos secundários no Colégio da Lapa, no Porto. A primeira referência académica a Darwin em Portugal ocorreu em 1865, precisamente o ano da Questão Coimbrã, pela pena de Júlio Henriques, professor de Botânica em Coimbra, quando Eça aí estudava. Muito mais tarde, nas Notas Contemporâneas (1896), Eça haveria de recordar desta maneira os velhos tempos da sua geração, a “geração de 70”:

“Coimbra vivia então numa grande actividade, ou antes num grande tumulto mental. Pelos caminhos de ferro, que tinham aberto a Península, rompiam cada dia, descendo da França e da Alemanha (através da França) torrentes de coisas novas, ideias, sistemas, estéticas, formas, sentimentos, interesses humanitários... Cada manhã trazia a sua revelação, como um Sol que fosse novo. Era Michelet que surgia, e Hegel, e Vico, e Proudhon; e Hugo tornado profeta e justiceiro dos reis; e Balzac, com o seu mundo perverso e lânguido; e Goethe, vasto como o Universo; e Poe, e Heine, e creio já que Darwin, e quantos outros! Naquela geração nervosa, sensível e pálida como a de Musset (por ter sido talvez como essa concebida durante as guerras civis) todas estas maravilhas caíam à maneira de achas numa fogueira, fazendo uma vasta crepitação e uma vasta fumaraça!

Eram, como se lê, tempos de grandes novidades tanto científicas como artísticas para um grupo de jovens que queriam nada mais nada menos do que mudar Portugal (quando verificaram que não o tinham conseguido, auto-intitularam-se “vencidos da vida”...). E as ideias de Darwin pontificavam no turbilhão das ideias vindas de fora...

Em Os Maias (1888), Eça de Queiroz faz várias (mais precisamente, quatro) referências a Darwin, nomeadamente neste passo em que Carlos da Maia critica o romance realista (uma auto-crítica queiroziana, portanto):

"Carlos declarou que o mais intolerável no realismo eram os seus grandes ares científicos, a sua pretensiosa estética deduzida de uma filosofia alheia, e a invocação de Claude Bernard, do experimentalismo, do positivismo, de Stuart Mill e de Darwin, a propósito de uma lavadeira que dorme com um carpinteiro!"

Ou ainda neste outro passo, em que Darwin é insultado por João da Ega, o amigo de Carlos que era uma projecção literária de Eça, e que na ocasião pretendia apenas mostrar que estava sóbrio:

“— Olha, vou pôr aquela garrafa à boca, tu verás... E fico frio, fico impassível. A discutir filosofia... Queres que te diga o que penso de Darwin? É uma besta... Ora aí tens. Dá cá a garrafa.


Eça era cônsul em Bristol, depois de o ter sido durante um quadriénio em Newcastle, quando Darwin morreu na sua casa de Down, em Inglaterra. Pôde assim seguir relativamente de perto os funerais nacionais do sábio e, antes e depois disso, a polémica que se desenvolveu nesse país a propósito do parentesco entre o homem e o macaco (esse tema não é tratado por Darwin na Origem das Espécies, surgindo só em 1871, curiosamente o ano das Conferências do Casino em Lisboa, n’ A Origem do Homem). A exibição de um gorila africano em Londres é relatada por Eça, no seu estilo inconfundível, numa das suas Cartas de Inglaterra, escrita em 1877:

"Darwin (...) declarou-o nascido directamente do macaco. Parecia natural que Pongo, vendo pela primeira vez o sábio ilustre que lhe deu uma tão alta posição na criação, fazendo-o pai do género humano, lhe daria ao menos um ‘shake-hands’ cordial. Pois não senhor! Detesta-o. Com uma ingratidão africana, apenas o avista, franze a testa, arreganha os dentes, fita-o e volta-lhe as costas." (...) “Pongo conhece que Darwin o declarou pai do homem: e Pongo, que já tem viajado bastante, que esteve em Berlim, que conhece a população toda de Londres, que tem feito observações prolongadas sobre o homem, está furioso com Darwin e com a sua teoria. «O quê!», pensa ele; «isto, este ser de chapéu alto e luneta no olho, que paga um xelim para me vir ver, é que é o meu descendente? E a isto que Darwin chama um gorila aperfeiçoado? Mas esse sábio não tem então escrúpulo em lançar uma nódoa infamante na respeitável classe dos gorilas? Esse sábio é um mau homem!» E volta-lhe as costas. A razão é clara: ele não o considera um observador profundo, acha-o um reles caluniador!

Ainda sobre o homem e o macaco vale a pena saborear a ironia fina de Eça, bem patente noutro passo das mesmas Cartas:

"Quem diria, vendo nos antigos paraísos afogueados, o macaco balançar-se nos grossos troncos da batata gigante, que aquele felpudo e hirsuto personagem seria um dia barão, camarista, bispo e redactor de gazetas?”


Já no final da sua vida, o “vencido da vida” Eça de Queiroz, no conto Adão e Eva no Paraíso (publicado em 1897), mistura literariamente criacionismo e evolucionismo («Adão, Pai dos Homens, foi criado no dia 28 de Outubro às duas horas da tarde.» (...) “Não, não era belo, nosso Pai venerável, nessa tarde de Outono, quando Jeová o ajudou com carinho a descer da sua árvore!”). A prosa de Eça tinha evoluído muito: o escritor revolucionário da juventude, fortemente influenciado pela ciência da sua época, tinha dado lugar a um autor algo espiritualista...

2 comentários:

Anónimo disse...

Estes posts parecem-me escritos como:

grep -C 10 -i Drawin obras_do_eca.txt | POST http://dererummundi.blogspot.com

Já lá vão não sei quantos posts com esta treta.
Já chega! Façam algo com conteúdo e não repetitivo em vez de balelas.

Pedro Silva disse...

Talvez:


grep -C 10 -i Darwin obras_do_eca.txt | POST http://dererummundi.blogspot.com


Estes anónimos nem criticar sabem...

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