Há cerca de um ano e porque me foi perguntado respondi, num encontro de inspectores de ensino, que o computador Magalhães não passava de uma manobra de propaganda e de um grande negócio. Todas as revelações feitas nos últimos tempos sobre o negócio têm-me, infelizmente, dado razão.
O ex-ministro Mário Lino, no programa "Quadratura do Círculo" da SIC bem tentou fazer a indefensável defesa do Magalhães para consumo interno, mas agora é a União Europeia que está a esmiuçar o caso por terem sido violadas normas comunitárias.
Foi, por isso, com natural curiosidade que, alertado pelo título "O Magalhães não é apenas um concurso", comecei a ler um artigo de Francisco Jaime Quesado, Gestor do Programa Operacional Sociedade do Conhecimento, publicado no jornal "Público" de 19-12-2009. A minha desilusão foi enorme. O artigo era um emaranhado de lugares comuns, disfarçados em "economês" que, tal como o "eduquês", é declarado inimigo do pensamento claro.
Diz o articulista: "O Magalhães constituiu um passo marcante na afirmação por parte do Governo português de uma aposta estratégica na Educação como o grande driver de mudança colectiva da sociedade e recentragem no valor e competitividade como factores de distinção na economia global. Não tenhamos dúvidas." Eu, se me é permitido, tenho sérias dúvidas; lamento, mas não me convencem nem o "driver" nem a "recentragem"...
E continua: "Na "escola nova" de que o país precisa, [a Educação] tem que se ser capaz de dotar as "novas gerações" com os instrumentos de qualificação estratégica do futuro. Aliar ao domínio por excelência da tecnologia e das línguas a capacidade de, com criatividade e qualificação, conseguir continuar a manter uma "linha comportamental de justiça social e ética moral", como bem expressou recentemente Ralph Darhendorf em Oxford." Ainda se me é permitido, esta ideia da "escola nova" é muito velha e a "qualificação estratégica" é uma expressão não só gasta como vazia. E "conseguir continuar a manter" não passa de um comboio de verbos que, apesar da citação erudita, não leva a frase a estação nenhuma.
O autor, em vez de clarificar, consegue ser ainda mais confuso quando acrescenta: "Na economia global das nações, os "actores do conhecimento" têm que internalizar e desenvolver de forma efectiva práticas de articulação operativa permanente, sob pena de verem desagregada qualquer possibilidade concreta e efectiva de inserção nas redes onde se desenrolam os projectos de cariz estratégico estruturante." Registo a duplicação do "efectiva". E a insistência no "estratégico". Mas pergunto: que dicionário será preciso para perceber a frase toda?
Conclui o autor: "Por isso, a oportunidade e a importância do Magalhães. Que, para além dos efeitos ao nível da revolução na utilização das TIC como um instrumento de qualificação pedagógica, teve também o mérito de elevar na escala produtiva empresas portuguesas do sector, aumentando as exportações, consolidando dinâmicas de inovação e reforçando o emprego". Quanto à dita "qualificação pedagógica" nada está provado, pois nada foi até agora adiantado em seu abono. O que parece, outrossim, estar a ser provado é o favorecimento escandaloso de uma certa empresa com prejuízo da concorrência e, pior, dos dinheiros públicos e de todos nós.
Após uma defesa tão confusa do Magalhães, em nome de uma entusiástica fé em "amanhãs que cantam" graças a "novas tecnologias" que tornarão excelente o nosso depauperado ensino, continuo à espera de argumentos pedagógico-científicos que sustentem a distribuição a esmo e a pataco de computadores pelos infantes do 1.º ciclo, em detrimento de outros projectos como, por exemplo, o ensino experimental das ciências no ensino básico. Fala-se muito em avaliação. Não haverá ninguém que avalie a sério o Magalhães?
PS) "Darhendorf" deve ser "Dahrendorf" se é quem eu estou a pensar, mas esse erro é o menos...
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9 comentários:
Caro Carlos Fiolhais,
É a nossa triste sina, se o dinheiro não fosse do contribuinte mas sim de Francisco Quesado outro texto escreveria...
E assim vamos rindo e cantando até... um dia!
Convêm ler uma opinião credivel, como a do Don Tapscott, sobre o investimento das TIC na Educação em Portugal e os portáteis nas escolas: //tinyurl.com/nh4scz
António Moura
Infelizmente a politica e a pulhitica controlam sectores chaves da sociedade portuguesa. O Sr. Quesado não é mais do que um "Spin Doctor" que dispara argumentos como uma UZI, tentando defender o indefensável.
O Magalhães não é mais de um instrumento do "Reichsministerum für Volksaufklärung und Propaganda", (ministerio do esclarecimento da população e propaganda).
João Silva
Caro António Moura:
Li o artigo escrito em inglês que sugeriu e, como professor, não poso acreditar que tenham enganado o senhor jornalista como fizeram:
- o uso dos Magalhães nas Escolas é quase impossível e, por exemplo, no Agrupamento onde trabalha o meu marido, nenhuma das 10 escolas de primeiro ciclo deu uma única aula no anos de 2008/2009 com o Magalhães (porque a rede eléctrica os não aguenta e porque alguns alunos ou não os têm, ou não os levam ou os venderam);
- a rede de cooperação de professores (que se chama Moodle) dá muito trabalho para manter operacional e muitos professores não têm tempo para a usar;
- o dinheiro investido serve para as operadoras ganharem na venda de Internet que é uma aldrabice e para as crianças/jovens jogarem e brincarem à Internet.
Mas nós já sabíamos à partida que o Magalhães era uma aldrabice!
Só não viu quem não quis, então achavam que o pc custava apenas 150 euros? por dentro é equivalente a um pc médio de ordem dos 500 euros, o estado (contribuinte) paga o resto, claro, depois é outra negociata para as operadoras.
Como não podia ser obrigatória a aquisição, logo tornava-se à partida difícil haver aulas com o Magalhães, porque muitos não o teriam ou levariam e depois não poderiam ser punidos com faltas por isso..
E as crianças de tenra idade que iam fazer com um computador com Internet , se estão na idade de saberem ler, escrever e contar tudo manualmente?
Mas então os professores, os pedagogos e os papás não vêem que isso é tudo uma treta? Afinal andamos a dormir ou quê?
"Na economia global das nações, os "actores do conhecimento" têm que internalizar e desenvolver de forma efectiva práticas de articulação operativa permanente, sob pena de verem desagregada qualquer possibilidade concreta e efectiva de inserção nas redes onde se desenrolam os projectos de cariz estratégico estruturante."
Já comentei o comentário que esta intervenção sugeriu a Helena Damião, acerca de «abuso discursivo».
Mas, de facto, o excerto aqui transcrito sugere-me também uma reflexão acerca dos processos de construção dos discursos dominantes no âmbito de uma comunidade cada vez menos culta.
Ninguém, usando as mais rebuscadas habilidades hermenêuticas, conseguiria atribuir um sentido a esta pronúncia. Duvido que o autor conseguisse, depois de ler.
Já agora, o que é «internalizar»? Será gralha e estará por internar, no manicómio, por exemplo?
Às vezes tenho saudades do Santana Lopes como Primeiro Ministro e isso não é bom sinal.
Ficaria então assim:
"Na economia global das nações, os "actores do conhecimento" têm que internar e desenvolver de forma efectiva, no Rilhafoles, práticas de articulação operativa permanente, sob pena de verem desagregada qualquer possibilidade concreta de inserção nas redes onde se desenrolam os projectos de cariz estratégico estruturante."
Sai o segundo "efectiva" por pleonasmo.
Soa-me bem...
«but one of the reasons why many American youth are unmotivated and not learning well is that they're bored in school».
Parece-me chegar para caracterizar o artigo de Tapscott que, como é sabido, ganha a sua vida a aconselhar os governos a "investir" e a "rentabilizar" os investimentos em TIC. Relativamente ao "modernizador" Sócrates, e em linguagem um pouco chã, é como juntar a fome com a vontade de comer.
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