O problema enunciado no título deste texto, sugerido pelo comentário dum leitor a um que publiquei e outro que disponibilizei, não parece fácil de resolver. Pode até ser que seja fácil, mas não parece… de outro modo, com certeza que já o tínhamos resolvido.
Como sociedade, organizámo-nos em função do trabalho, sendo que, neste momento, começamos a achar que é uma sorte ter um e, nessa medida, há que preservá-lo… Tudo o mais, que faz parte da vida, tem de ser organizado e acomodado no pouco tempo de que se dispõe, e com as alternativas que existem, ou que se vão inventando para remediar.
Neste cenário, crianças, doentes, pessoas com necessidades educativas especiais, velhos, acarretam dificuldades várias: Onde os deixar? Quem pode e deve cuidar deles?
O caso torna-se tanto mais complicado quando mais consciência temos de que todas as pessoas devem ser tratadas com cuidado e dignidade. E, felizmente, isso é hoje muito claro para a maioria dos ocidentais.
Mas, como tratar com cuidado e dignidade, em concreto, as crianças, se os pais trabalham e têm o tempo contado? Se os avós estão longe ou ocupados? Se os tios e os primos têm as suas vidas? Se não se conhecem os vizinhos? Se, mesmo os que estão próximo dos menores, podem constituir, e muitas vezes constituem, um perigo para a sua integridade física e psicológica?
Temos por certo que não devem ficar em casa ou na rua, ao deus-dará, entregues a si próprios, e uns aos outros. Até porque a rua, mesmo na província, deixou de ser, se alguma vez foi, um espaço de encontro e de confiança: os lugares onde as crianças poderiam brincar estão ocupados por carros ou parques infantis, onde, de resto, se requer a presença de adultos… Também deixou de ser, se alguma vez foi, um espaço de acolhimento, sendo visto como palco de riscos vários.
Tem sido, pois, para a escola e para os professores que, como sociedade, nos temos voltado: pedimos, ou impomos, a uma que proporcione o bem-estar duma casa; e aos outros que sejam educadores, em todos os sentidos que a palavra pode ter.
É verdade que a escola faz parte da sociedade e, nessa medida, é um reflexo dela, tendo também obrigação de cooperar com ela. O problema é que a escola não é, nem deve ser, A SOCIEDEDE; não consegue assumir, nem deve, TODAS as suas atribuições.
E porquê?
Porque, até prova em contrário precisamos, desde pequenos, de conviver em diversos contextos, segundo diversos tipos de regras e registos comunicacionais. Assim, reduzir a vivência das crianças SOBRETUDO à escola afigura-se, obviamente, redutor.
Porque há qualquer coisa de conflituoso e paradoxal nesta relação escola-sociedade. A sociedade, através dos seus académicos, associações, meios de comunicação, instâncias de avaliação nacionais e internacionais etc., acusa, com frequência, a escola (entendida no seu sentido mais lato) de tomar decisões erradas quanto à educação, de não cumprir os papéis que lhe são imputados, de negligenciar questões curriculares de fundamental importância. A escola, vai ripostando quando e como pode, mas acaba por acatar o que a sociedade determina.
Porque, neste particular de proporcionar condições de guarda e segurança às crianças, e apesar de a escola ser a instituição que, de modo mais pronto e rápido tem respondido a esta solicitação da sociedade, devemos questionar o que significa realmente segurança. É verdade que na escola as crianças são alimentadas, evita-se que apanhem calor ou frio excessivo, que briguem entre si ou se magoem… mas a segurança não pode ser apenas encarada no plano físico, passa também pelo psicológico. Ora, neste plano, temos de contar com algumas necessidades básicas das crianças, que, podendo não se manifestar a curto prazo, são igualmente relevantes: a relação privilegiada com alguém significativo, os processos de identificação com esse alguém, os momentos de privacidade de que as crianças vão progressivamente precisando, tudo aspectos que lhes permite estruturar a sua personalidade. Temos também de contar com a relevância que pode ter para as aprendizagens académicas formais (essas, sim, função da escola) o facto de estarem localizadas num tempo e num espaço preciso e serem intercaladas com outras informais, as quais devem acontecer noutro espaço e noutro tempo.
Eu não sei responder quando me perguntam onde é que, afinal, as crianças devem ficar enquanto a família está ocupada, mas considero que, como sociedade, não estamos a seguir pelo melhor caminho e, nessa medida, temos obrigação de procurar respostas educativas de qualidade, que se articulem com a resposta da escola.
Para isso, é preciso, antes de mais, termos coragem para encarar o problema como um verdadeiro problema, deixando de lado a tendência de o escamotear, admitindo que, afinal, entregar as crianças à escola é um mal menor, sobretudo se as actividades que ela proporciona forem “pedagógicas”, permitindo-lhes “crescer” plenamente, ao nível sócio-emocional, cognitivo, criativo, etc. etc., etc.
Deixar as crianças doze horas na escola, todos os dias, por melhor que a escola seja, NÃO é PEDAGÓGICO, nem tem de ser; é apenas funcional.
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3 comentários:
É funcional e convencional
Cara Helena,
É uma barbaridade! Vamos pagar esta patetice muito, mas mesmo muito caro.
Como é possível algum pai ou alguma mãe achar que o seu filho os olhará como pais depois de ter passado 12 horas por dia durante 8 anos da sua vida numa espécie armazém? Será possível que tão pouca gente consiga olhar para lá do seu umbigo? Onde ficam os afectos e a educação entre pais e filhos?
Será que o futuro do país é a NACIONALIZAÇÃO forçada da família?
Em relação à questão levantada no seu texto: "A quem devemos confiar as crianças?", a resposta é para mim óbvia: "Aos seus pais..."!
Os pais não servem apenas para copular e depois inscrever o resultado dessa acção - o filho - num centro de guarda e entretenimento de crianças e jovens!
PS: Desculpe a linguagem, mas a ideia é acordar as pessoas para aquilo que andam realmente a fazer aos seus filhos.
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